Com a
possibilidade de se recorrer a aplicações móveis (apps)
para auxiliar no combate à pandemia de COVID-19, é possível
conciliar as vantagens destas ferramentas digitais em situação de
vigilância epidemiológica com os riscos para a segurança e a
privacidade dos utilizadores?
A cientista
Alexandra
Aragão,
do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (FDUC), entende que sim. Apesar dos riscos inerentes à
utilização destas tecnologias, se forem devidamente observadas as
regras éticas já desenvolvidas e recomendadas pela União Europeia,
no final, acredita, toda a sociedade ganha com a interrupção das
cadeias de transmissão e a limitação da propagação do vírus.
No estudo
intitulado “Questões
ético-jurídicas relativas ao uso de apps geradoras de dados de
mobilidade para vigilância epidemiológica da Covid-19. Uma
perspetiva Europeia”,
Alexandra Aragão contextualiza a Recomendação (UE) 2020/518 da
Comissão Europeia relativa à utilização de tecnologias e dados
para combater a COVID-19 através de aplicações móveis e da
utilização de dados de mobilidade anonimizados, de 8 de abril de
2020, e apresenta os requisitos desejáveis dessas apps
na União Europeia.
Face à crise
pandémica, a especialista da FDUC considera que as aplicações
móveis que produzem dados de mobilidade anonimizados e agregados
para auxiliar as autoridades públicas competentes nos seus esforços
de contenção da propagação do vírus «são
muito vantajosas, ajudando a compreender a forma como o vírus se
propagará, avaliar a eficácia das medidas de distanciamento social,
modelizar a dinâmica espacial das epidemias (limitações de
deslocamentos, encerramentos de atividades não essenciais,
confinamento total, etc.) e modelizar também os efeitos económicos
da crise».
Para os cidadãos,
salienta, as vantagens da utilização de apps
multifuncionais «são
igualmente significativas. Por exemplo, as funções de
autodiagnóstico e de controlo de sintomas podem ser especialmente
importantes para a estabilização emocional dos utilizadores
infetados ou com receio de o estarem. As funções de alerta e de
rastreio através de dados de proximidade (bluetooth)
podem desempenhar um papel fundamental na identificação de
contactos sociais».
Portanto,
acrescenta, «o
“se” da aceitação das novas tecnologias de comunicação para
alcançar os mais importantes desígnios sociais, como a proteção
da saúde, não parece estar em discussão. Aquilo que está em causa
são as condições de segurança na produção, acesso e utilização
da informação produzida, processada, armazenada e transmitida».
Por isso, no que
concerne aos riscos resultantes da produção de dados pessoais e de
localização por aplicações móveis ligadas a redes de vigilância
epidemiológica, a também docente da FDUC sublinha que «o
risco mais grave é a cibercriminalidade entendida em sentido amplo».
No entanto, os
riscos decorrentes do uso de aplicações móveis ligadas a redes de
vigilância epidemiológica «são
uma realidade comum a outras aplicações, plataformas ou serviços
digitais que contenham ou possam aceder a informações pessoais,
como o Tinder,
o Find
my friends
ou o Snapchat,
todas elas já existentes, instaladas no mercado e com milhões de
utilizadores».
A investigadora
nota que estão em causa vários direitos fundamentais, tais como a
liberdade de reunião (se a app
for usada para detetar antecipadamente agrupamentos de pessoas);
liberdade de deslocação (para sinalizar trajetos ou destinos
desaconselháveis); intimidade da vida privada (se a app
for usada para identificar comportamentos indesejáveis, nomeadamente
de proximidade social); dignidade humana (se o confinamento puser em
causa o acesso à alimentação ou outros direitos fundamentais).
Por tudo isto,
percebe-se a «preocupação
da União Europeia com a segurança dos sistemas e a confiança dos
utilizadores»,
refere Alexandra Aragão, realçando que os princípios que a
Comissão Europeia apresentou no passado mês de abril relativos às
aplicações móveis de alerta e prevenção da COVID-19 «pretendem
assegurar que as tecnologias de geolocalização e de comunicação
digital garantem um ambiente confiável no qual os cidadãos têm
poder de decisão sobre os dados que fornecem online
e offline».
Considerando
todas as regras estabelecidas na Recomendação (UE) 2020/518, a
especialista conclui que «todas
as condições estão reunidas para avançar, com segurança e
confiança, para o futuro, o nosso futuro digital comum».
O artigo pode ser
consultado: aqui
Cristina
Pinto
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