quarta-feira, 29 de julho de 2020

Um rico empresário à honra dos altares

História do Beato Sebastião de Aparício
Plinio Maria Solimeo

Em nossos tristes dias de apostasia da verdadeira fé, tornou-se “politicamente correto” criticar e mesmo atentar contra toda a odisseia dos desbravadores e colonizadores ibéricos na América. Isso, que nos Estados Unidos tem-se manifestado pela derrubada de estátuas de personagens históricos como Cristóvão Colombo e Santo Junípero Serra, está começando timidamente a ser imitado em países da América do Sul, bafejado pela mídia esquerdista e por movimentos revolucionários.
Monumento ao Beato Sebastián de Aparicio em Puebla (México).

É o que nos leva a considerar a história de Sebastião de Aparício, um humilde espanhol que emigrou para o México, ali se tornando exitoso empresário, muito benquisto por seus contemporâneos, inclusive indígenas, e cujos derradeiros dias transcorreram em um convento franciscano, onde morreu em odor de santidade aos 98 anos. Sua vida nos mostra como os ibéricos que vinham para o Novo Mundo não eram em geral os inescrupulosos e gananciosos exploradores dos nativos pintados pela Legenda Negra, mas que muito concorriam para o seu bem-estar e desenvolvimento. Sua história mostra, por outro lado, que a santidade está ao alcance de todos, pelo mero cumprimento dos deveres de estado com espírito sobrenatural.

O historiador Pedro Fernández Barbadillo publicou recente livro com o título Eso no estaba en mi libro de Historia del Império Español [capa abaixo], no qual ressalta a verdadeira epopeia dos desbravadores e colonizadores espanhóis no Novo Mundo. Dá especial destaque a esse agora beato, cujo corpo está incorrupto na cidade de Puebla, no México. É desse livro, comentado por Religionen Libertad, que extraímos os dados que seguem[i].

Pobre, mas dinâmico

Sebastião nasceu em La Guadiña, na Galícia (Espanha), no ano de 1502. Terceiro filho de João Aparício e Teresa del Prado, pobres agricultores, não pôde ir à escola porque devia ajudar o pai nos campos, mas frequentou o catecismo na igreja paroquial.

Para ganhar a vida, mudou-se na adolescência para Salamanca, onde prestou serviços a uma viúva jovem e rica. Como esta demonstrou uma má afeição por ele, devido provavelmente à sua boa aparência, Sebastião deixou o emprego e partiu para Zafra, a fim de trabalhar com Pedro de Figueroa, da família do Duque de Féria. Mas lá aconteceu a mesma coisa com a filha de Pedro, fazendo Sebastião partir novamente, desta vez para Salúcar de Barrameda, cidade em que esteve a serviço de uma de suas principais famílias. Nesse emprego ficou por sete anos e, como ganhava bem e era muito econômico, teve dinheiro suficiente para pagar os dotes de duas irmãs mais velhas.

Em 1531, ano das aparições da Virgem de Guadalupe a Juan Diego, Aparício foi tentar a sorte no México, instalando-se na recém-fundada cidade de Puebla de los Ángeles. Com a economia que amealhara montou, com um conterrâneo seu que era carpinteiro, uma das primeiras empresas de transporte das Américas. Muito empreendedor, dirigia os comboios, procurava condutores, e até desenhava os caminhos por onde seus carros deveriam ir.

Em 1542 ele resolveu mudar-se para a Cidade do México. Quatro anos mais tarde foram descobertas, a 600 quilômetros ao norte da capital, as enormes minas de prata de Zacatecas. A cidade que começou então a surgir nas proximidades das minas necessitava de tudo. Aparício começou então um serviço regular de comboios entre Zacatecas e a Cidade do México, para transportar viajantes, alimentos, ferramentas e mineral de prata.

Uma dificuldade com que se defrontou foi de no percurso ter de passar pelo território dos belicosos índios chichimecas. Contudo, seu grande senso diplomático, bondade de coração e lhe granjearam a amizade deles, que poupavam assim seus comboios.

Aos 50 anos, esse homem empreendedor, que passara de criado a empresário e de empresário a rendeiro, começou a ser conhecido como Aparício, el Rico. Vendeu então seu negócio e comprou uma fazenda de gado em Tlanepantla, perto da cidade do México.

Casamento aos 60 anos

Entretanto, em vez de viver em festas, gastando descontroladamente sua fortuna, Aparício era econômico e fazia muitas esmolas, especialmente atendendo os viajantes pobres que acorriam à sua generosidade. Vestia-se com modéstia, comia a mesma alimentação de seus criados, dormia sobre uma esteira e não deixava de rezar diariamenteo Rosário.

O curioso é que foi somente aos 60 anos, após se recuperar de uma enfermidade grave que o levou a receber os últimos sacramentos, que ele resolveu se casar com a filha de um vizinho de Chapultepec. No entanto, a jovem morreu no primeiro ano de matrimônio. E como Aparício era muito honesto, devolveu aos pais dela o dote de dois mil pesos.

Mais tarde, aos 67 anos, ele se casa de novo, desta vez com a filha de outro amigo. Mas também ela morreu prematuramente, ao cair de uma árvore onde colhia frutas. Como no casamento anterior, Aparício devolveu o dote aos pais da falecida.

Finalmente, franciscano

Até então Sebastião de Aparício tinha vivido muito honesta e virtuosamente, mas sem denotar nada de excepcional na linha da santidade. Foi então que, aos 70 anos, descobriu sua verdadeira vocação: viver só para Deus. Seu confessor lhe propôs ajudar as monjas clarissas, recém-instaladas no México, que passavam por dificuldades. O futuro santo não só as ajudou financeiramente, mas se pôs ao serviço delas na qualidade de “donado”, quer dizer, uma espécie de irmão leigo que faz de tudo no mosteiro, principalmente como porteiro e mensageiro. Em 1573, através de documento oficial, ele doou às religiosas toda a sua fortuna, que na época girava em torno de 20 mil pesos, reservando para si apenas mil, por conselho do confessor, para o caso de que viesse a deixar o mosteiro.

Em junho de 1574 tomou o hábito no convento franciscano da Cidade do México. Como ainda era analfabeto, outro frade assinou sua ata de ingresso. Designado para o convento de Santiago de Tecali, a uns 30 quilômetros de Puebla, dirigiu-se a pé para lá. Nesse convento ele se dedicava aos trabalhos mais humildes, como fazer a limpeza, varrer e cozinhar. Seu noviciado foi difícil, pois os frades duvidavam de que na sua idade ele pudesse seguir os rigores da regra.

Algum tempo depois,o antigo “Aparício, el Rico”, agora pobre por amor de Deus, voltou a Puebla, onde recebeu a missão de percorrer a região com uma carroça a fim de pedir e recolher donativos para manter o convento das Chagas de Nosso Seráfico Pai São Francisco [foto]. Neste havia uma centena de frades, além dos alunos do colégio, de enfermos e frades de passagem. Foi nesse humilde ofício,exercido com dedicação e espírito sobrenatural durante os últimos 23 anos que lhe restaram de vida, que Sebastião de Aparício se santificou. Ele dizia: “O que faço é cumprir o que me manda a obediência. Assim, durmo onde posso, como Deus propõe, e visto o que o convento me dá. Mas o melhor é não perder a Deus de vista. Com isso vivo seguro”. Ele nunca se queixava, e afirmava que recebia favores do Céu. Em certa ocasião, um anjo desatolou a sua carreta do barro.

Assim, esse homem singular faleceu em fevereiro de 1600, aos 98 anos, com fama de santidade. Seu corpo incorrupto é venerado em uma urna de cristal no convento franciscano de Puebla [foto]. Sua fama de santidade era tão grande na época, como escreveu o Pe. José Maria Iraburu, que em 1603 o rei Felipe III encarregou o bispo de Tlaxcala de escrever sua vida. No ano seguinte, o mesmo rei recebeu a biografia de Sebastião de Aparício, escrita pelo frei João de Torquemada, homônimo do famoso cardeal espanhol e considerado o maior cronista de sua geração no México colonial.

No processo aberto pela Igreja pouco depois da morte de Aparício declararam nada menos que 508 pessoas de todos os níveis sociais, inclusive indígenas. E na primeira investigação feita em 1608, registraram-se 590 milagres e favores obtidos por sua intercessão. Finalmente, no processo apostólico levado a cabo entre 1628 e 1630, essa cifra superava mil e duzentas. Isso levou à sua beatificação por Pio VI em 1789.

Sebastião de Aparício foi muito popular, e “muitas coisas se pediam ao Céu por sua intercessão, porque o haviam conhecido como foi: empresário de transporte imensamente rico — puro olfato comercial em uma pessoa que foi sempre analfabeta, o que lhe impediria ser ordenado sacerdote — que acabaria esmoleiro e executor de outras humildes tarefas em um convento franciscano, depois de doar sua fortuna e ingressar como frade, já ancião, depois de enviuvar duas vezes”, como diz o citado historiador Pedro Fernandes em seu livro.

ABIM

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