Um
estudo internacional realizado com um indivíduo que sofre de uma
lesão cerebral extremamente rara, em que vê caras a “derreter”,
permitiu aumentar o nosso conhecimento sobre como o cérebro processa
e reconhece as faces que vemos.
O
estudo, já publicado na revista científica Current
Biology,
foi conduzido por investigadores da Faculdade de Psicologia e de
Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), em
colaboração com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
(CHUC) e com as instituições americanas Dartmouth College e
Massachusetts Institute of Technology (MIT).
A
equipa estudou um homem destro de 59 anos, identificado como A.D.,
que apresenta uma condição neurológica designada
hemi-prosopometamorfopsia, uma lesão extremamente rara, sendo
conhecidos cerca de 25 casos em todo o mundo, que leva a que a
perceção de faces, apesar de ser algo que temos de fazer
continuamente, seja geradora de grande desconforto.
Esta
condição, explica Jorge Almeida, investigador principal do estudo e
diretor do Proaction Lab da UC, «caracteriza-se
geralmente pela perceção de uma distorção nos olhos, nariz e/ou
boca apenas num dos lados da face – estas partes da face parecem
estar a descair, quase como se estivessem a derreter. Nada mais além
de imagens de faces causa estas distorções».
Tal
como outros pacientes com hemi-prosopometamorfopsia, as distorções
vivenciadas pelo paciente A.D. foram causadas por uma lesão nos
feixes de matéria branca que ligam as áreas neuronais dedicadas às
faces que estão no hemisfério esquerdo com as que estão no
hemisfério direito.
As
várias experiências realizadas com este paciente permitiram
concluir que, «para
vermos e reconhecermos faces, o nosso cérebro usa um processo
semelhante aos sistemas de reconhecimento digital de faces usados
pelas plataformas Facebook e Google»,
demonstrando pela primeira vez a existência de uma etapa no
processamento de faces em que estas são rodadas e redimensionadas
para corresponder a um padrão: «no
processo de reconhecermos uma face que estamos a ver, comparamos esta
face com as que temos na nossa memória. Assim, todas as vezes que
vemos uma face, o nosso cérebro cria uma representação dessa face
e alinha-a com um modelo que temos em memória»,
esclarece Jorge Almeida.
Foi,
também, possível mostrar que estas representações de faces estão
presentes nos dois hemisférios do cérebro e que as representações
das metades direita e esquerda das faces são dissociáveis. Assim,
esta investigação «veio
não só aumentar o conhecimento sobre o funcionamento do cérebro,
bem como apoiar com evidência científica uma das metodologias de
reconhecimento facial mais usadas atualmente»,
acrescenta.
Uma das
experiências realizadas prendia-se com a apresentação de imagens
em diferentes perspetivas (de perfil esquerdo, de frente e de perfil
direito). O paciente indicou que os olhos, boca e/ou nariz das faces
apresentadas pareciam estar descaídas - zonas a vermelho na imagem 1
em anexo. Nenhuma outra deformação foi reportada quando foram
apresentadas imagens que não fossem faces (automóveis, casas,
etc.).
Numa
outra experiência, os investigadores expuseram imagens de faces em
formas muito distintas: as metades esquerda e direita das faces em
separado, em ambos os lados do campo visual (direito e esquerdo) e
rodadas a 90, 180 e 270 graus.
Independentemente
de como as faces eram apresentadas, A.D. continuou a reportar que as
distorções afetavam as mesmas partes da face, representadas a
vermelho na imagem 2 em anexo. Mesmo quando a face era invertida
(boca em cima e olhos em baixo), o paciente via as distorções agora
no lado esquerdo. Continuava a ser o olho direito que parecia estar a
“derreter”, mesmo que na face invertida este esteja localizado no
lado esquerdo da face.
«Ao
apresentar faces em vários ângulos de rotação, verificámos que
apenas as características direitas da face estavam distorcidas,
mesmo quando a face foi apresentada invertida a 180 graus e essas
partes da face se encontravam no lado esquerdo. A única forma de
explicar este resultado é que ao processarmos faces, rodamo-las e
criamos um modelo centrado na face e não no observador. Desta forma,
o olho direito neste modelo centrado na face é representado sempre
como o olho direito, mesmo que este esteja no nosso campo visual
esquerdo como quando vemos uma face invertida. Este modelo centrado
na face é depois comparado com um modelo já existente»,
conclui Jorge Almeida.
O
artigo científico, intitulado “Face-Specific Perceptual
Distortions Reveal A View- and Orientation-Independent Face
Template”, pode ser consultado em:
https://doi.org/10.1016/j.cub.2020.07.067.
Cristina
Pinto
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