Padre David Francisquini
Pergunta —Gostaria de me confessar, mas com a pandemia e a exigência do chamado “distanciamento social”, não encontro facilmente um sacerdote que me atenda. Então pergunto se posso me confessar com o senhor pelo telefone. Ou então, eu poderia fazer um relato das minhas faltas e o enviaria para o e-mail confidencial do senhor. A resposta poderia ser remetida para o meu e-mail particular, ou então dada pelo telefone.
Resposta — Devido a regulamentações sanitárias desproporcionadas, vinculadas à decisão tendenciosa de autoridades civis considerando não necessárias as atividades religiosas — e lamentando profundamente a fraqueza de muitos bispos, que se apressaram em fechar as igrejas —, nestes últimos meses ficou de fato bastante difícil para muitos fiéis conseguir um sacerdote para ouvi-los em confissão.
Eu mesmo fui vítima de um despropósito desses, pois chegaram a colocar policiais para impedir o acesso dos fiéis à igreja onde exerço o meu ministério!
Sempre com a preocupação de não enfrentar as autoridades políticas e sanitárias, e também não contribuir com a difusão do coronavírus (como se os padres não soubéssemos agir de modo prudente), alguns bispos adotaram a via fácil de autorizar sem reservas as “confissões gerais” nos hospitais. Nisso eles foram encorajados até pelo Papa Francisco, que declarou em entrevista ao jornal inglês “The Tablet”: “Cerca de uma semana atrás, um bispo italiano, um tanto perturbado, me ligou. Ele andava pelos hospitais querendo dar absolvição, do corredor do hospital, aos que estavam dentro das enfermarias. Mas ele conversou com advogados canônicos que lhe disseram que não, pois a absolvição só poderia ser dada em contato direto. ‘O que você acha, padre?’ — perguntou-me. Eu disse a ele: ‘Bispo, cumpra seu dever sacerdotal’. E o bispo disse ‘Grazie, ho capito’ (Obrigado, eu entendi). Descobri depois que ele estava dando absolvição por todo lugar”.
Por certo é legítimo um bispo ou sacerdote dar a absolvição geral, sem confissão prévia, aos pacientes que correm risco de morte em unidades de terapia intensiva, uma vez que não há como se aproximar deles por proibição dos regulamentos médicos. Mas um confessor zeloso e prudente não agiria assim, pois não é legítimo nem decoroso reconciliar as almas com Deus dessa maneira, ou seja, que um clérigo vá pelos corredores do hospital dando absolvição para todo o mundo (incluindo enfermeiros e pacientes que não correm risco de vida), como se fosse apenas um gesto de consolação e apoio espiritual. Esse comportamento afasta-se da prática da Igreja, por não ressaltar o valor sacramental e o benefício que as almas obtêm com o perdão de Deus. Mesmo em tempos de pandemia, seria temerário, para não dizer escandaloso, um sacerdote agir com tal leviandade. E é pelo menos imprudente um Papa elogiar essa atitude laxista numa entrevista que teria repercussão universal.
Necessidade da presença do penitente diante do confessor
Outros clérigos mais “avançados” optaram por fórmulas que desrespeitam acintosamente as regras canônicas. Por exemplo, o Pe. Juan Massiá S.J., controvertido teólogo jesuíta espanhol residente no Japão, em entrevista a Religión Digital admitiu que há anos vem administrando na Espanha, através de seu celular, o sacramento da Unção dos Enfermos a pessoas moribundas.
Perguntado sobre como fez com a unção dos Santos Óleos (que, como é sabido, é a matéria necessária para que esse sacramento seja válido), ele respondeu: “O Espírito Santo se encarregou de ungi-los diretamente. Sua Internet é mais possante e direta do que todo o Google & Cia. juntos”. O jornalista interrogou-o então se os moribundos se confessaram pelo telefone, ao que ele respondeu: “Não, confessaram-se ante Deus em silêncio, como recomendou Francisco. Isso que o Papa disse era muito mais avançado do que os que discutiam se era ou não válida a absolvição. Quando eles me chamam no Centro Internacional [em Tóquio], eu lhes dou a paz e leio uma palavra evangélica, para rezarmos depois juntos reconhecendo as culpas e crendo no perdão. Depois lhes digo que fiquem em silêncio por um momento, confessando [seus pecados] ante Deus, e depois lhes dou a absolvição. O importante neste sacramento não é dizer uma lista de infrações diante de um juiz, diante de um médico que me acompanha, mas reconhecer que preciso pedir perdão e preciso crer no perdão”.
Outro exemplo é o de Dom Reinaldo Nann, bispo da Prelatura de Caravelí, no Peru. Sem chegar ao ponto de admitir a absolvição sem confissão, sugerida pelo jesuíta espanhol, suspendeu por meio de um comunicado todas as missas públicas em sua diocese, excetuadas as celebradas nos conventos, e determinou o seguinte: “Dou licença aos sacerdotes para que possam ouvir confissões pelo telefone”. Segundo o portal Religión Digital, a justificação da medida teria sido o princípio de que a salvação das almas é a lei suprema. Porém, cinco dias depois o bispo teve que anular dita permissão, porque a Penitenciaria Apostólica do Vaticano publicou entrementes uma “Nota sobre o Sacramento da Reconciliação na atual situação de pandemia”, indicando que “também na época da Covid-19” esse sacramento “se administra de acordo com o direito canônico universal e segundo o disposto no Ordo Pɶnitentiæ”, os quais exigem a presença física do penitente e do confessor.
Afirma a Nota: “A confissão individual é o modo ordinário de celebrar este sacramento (cf. c. 960 do Código de Direito Canônico), enquanto que a absolvição coletiva, sem a confissão individual prévia, não pode ser dada senão em caso de perigo iminente de morte, por falta de tempo para ouvir as confissões dos penitentes individuais (cf. c. 961 § 1 do Código de Direito Canônico) ou por necessidade grave (cf. c. 961 § 1 do Código de Direito Canônico. 961 § 1, 2 CIC), cuja consideração corresponde ao bispo diocesano, tendo em consideração os critérios acordados com os demais membros da Conferência Episcopal (cf. c. 455 § 2 CIC), e sem prejuízo da necessidade, para a válida absolvição, do votum sacramenti pelo penitente individual, ou seja, com o propósito de confessar no devido tempo os pecados graves que no momento não puderam ser confessados (cf. c. 962 § 1 CIC)”.
Normalmente a confissão deve ser auricular
Descendo ao terreno prático do contexto do coronavírus, o documento da Penitenciaria Apostólica lembrou os seguintes princípios:
“Na atual emergência pandêmica, portanto, corresponde ao bispo diocesano indicar aos sacerdotes e penitentes as condições prudentes que devem adotar-se na celebração individual da reconciliação sacramental, tais como a celebração em local ventilado fora do confessionário, a adoção de uma distância adequada, o uso de máscaras protetoras, sem prejuízo da atenção absoluta à salvaguarda do sigilo sacramental e à discrição necessária.
“Além disso, é sempre responsabilidade do bispo diocesano determinar, no território de sua própria circunscrição eclesiástica e em relação ao nível de contágio pandêmico, os casos de grave necessidade em que é lícito dar a absolvição coletiva: por exemplo, à entrada das enfermarias hospitalares, onde se encontram internados os fiéis infectados em perigo de morte, utilizando quando possível, e com as devidas precauções, os meios de amplificação de voz para que se possa ouvir a absolvição”.
Resta esclarecer, no entanto, por que uma confissão dos pecados pelo telefone ou por e-mail não preenche o requisito de o penitente estar presente para poder fazer uma confissão auricular. Para responder, cumpre lembrar algumas verdades fundamentais sobre o sacramento da Penitência.
“Aqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados”
No próprio Domingo da Ressurreição, Nosso Senhor apareceu aos Apóstolos no Cenáculo, deu-lhes a paz e mostrou-lhes as mãos e o lado; e depois “disse-lhes outra vez: ‘A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós’. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, lhes serão retidos’” (Jo 20, 21-23).
Ao soprar sobre os Apóstolos dizendo essas palavras, Jesus transmitiu-lhes o poder que Ele tem de perdoar os pecados, e que exerceu em muitas ocasiões para escândalo dos fariseus, porque implicava na afirmação da Sua divindade. Essa transmissão do poder de perdoar havia sido preparada pela promessa do poder das chaves, quando disse a São Pedro: “Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus” (Mt16, 19). Este poder, Ele depois o estendeu aos demais Apóstolos em grau menor, ao falar da repreensão das faltas dos irmãos: “Em verdade vos digo: tudo o que ligardes sobre a Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes sobre a Terra será também desligado no Céu” (Mt18, 18).
Os protestantes entendem essas passagens como se referindo unicamente ao poder magisterial de definir o que é bom e o que é ruim, assim como ao poder legislativo de fixar uma lei ou dispensar dela. Para eles, os pecados posteriores ao Batismo são apagados apenas por um “regressus ad baptismum”, ou seja, por uma renovação privada e penitente do Batismo. A prova de que eles estão completamente errados não reside somente no fato de que essas palavras do Salvador, no seu sentido natural, visam claramente transmitir o poder de perdoar os pecados, mas também de que elas incluem o poder de “reter” os pecados. Este último poder é impossível no Batismo, através do qual a falta original e todos os pecados eventualmente cometidos pelo recipiendário são necessariamente perdoados e jamais retidos.
A absolvição, para ser válida, deve ser pronunciada oralmente
É necessário, portanto, admitir um duplo fato:
1. Jesus sabia que se cometeriam pecados depois do Batismo;
2. Esses pecados não poderiam ser apagados apenas por um ato privado e interno de arrependimento, mas exigiriam uma regularização objetiva por parte da Igreja, na pessoa de seus ministros; como fez São Paulo, por exemplo, quando readmitiu na comunidade o incestuoso de Corinto, depois do cumprimento de uma penitência, e atribuiu isso a uma graça que lhe foi concedida in persona Christi (2 Cor 2, 10).
Do anterior se depreende que a Igreja tem o poder de perdoar os pecados, e que esse poder se estende a todos os pecados, por mais graves que eles sejam; como também a noção de que esse poder de remissão dos pecados se exerce por um ato de caráter judiciário. Seus ministros, após avaliarem os fatos e as disposições do penitente, devem pronunciar uma sentença de maneira oficial e com autoridade: quando eles perdoam os pecados, eles são perdoados; quando eles os retêm, os pecados são retidos; por isso o penitente fica ligado ao pecado até que seja desligado dele pela Igreja. Esse caráter judiciário é ressaltado ainda pelo fato de que o confessor impõe uma penitência ao fiel.
Posto que no confessionário o sacerdote ocupa o lugar de Nosso Senhor, ele deve ser, ao mesmo tempo, pai, médico e também juiz. Esse caráter judiciário da confissão (que o Pe. Massiá julga secundário) é mesmo um dogma de fé proclamado pelo Concílio de Trento: “Se alguém disser que a absolvição sacramental do sacerdote não é ato judicial, mas mera pronúncia e declaração de que estão perdoados os pecados ao que se confessa, contanto que este apenas creia que está absolvido, ainda que o sacerdote não absolva seriamente, mas por brincadeira; ou disser que não se requer a confissão do penitente para que o sacerdote o possa absolver — seja excomungado” (Sessão XIV, Cânones sobre o sacramento da Penitência, cânon 9).
É por causa de seu caráter de sentença judiciária que a absolvição, para ser válida, deve servir-se da fórmula estabelecida pela Igreja e ser pronunciada por palavras. Ou seja, as palavras da sentença de absolvição não podem ser comunicadas por escrito ou traduzidas por sinais. Segundo a Tradição e a prática constante da Igreja, elas devem ser proferidas oralmente, ou seja, pelos lábios do confessor, como foi reiterado pelo Papa Eugênio IV e o Concílio de Florença: “A forma desse sacramento consiste nas palavras da absolvição que o padre profere quando diz: ‘Eu te absolvo’”. De onde se deduz que um sacerdote não pode dar a absolvição validamente a um ausente, porque só se pode dizer verbalmente “Ego te absolvo a peccatis tuis” (Eu te absolvo os teus pecados) a uma pessoa que está presente.
Em 1602, o Papa Clemente VIII publicou um decreto que diz: “Sua Santidade, depois de haver examinado de modo ponderado e diligente a proposição ‘É permitido confessar seus pecados por carta ou por um intermediário a um confessor ausente e receber a absolvição desse confessor ausente’, condenou e proibiu dita proposição como sendo pelo menos falsa, temerária e escandalosa”. E proibiu severamente ensiná-la, defendê-la, considerá-la como provável ou prevalecer-se dela na prática. Três anos mais tarde a Congregação do Santo Ofício, atendendo o ensinamento papal, declarou que a proposição acima condenada era falsa em cada uma de suas afirmações consideradas separadamente.
Absolvição geral, só em casos extremos, como em guerras
Quanto ao tipo de presença requerida, Santo Afonso de Ligório, o padroeiro dos moralistas, afirma que basta uma presença moral — ou seja, que pode haver certa distância — desde que o confessor e o penitente possam entabular uma conversação com voz ordinária. Por exemplo, para evitar o contágio, um sacerdote pode dar a absolvição a partir da porta do quarto do doente. No caso extraordinário de uma absolvição geral (naufrágio, antes de um combate, etc.), o sacerdote pode absolver toda a multidão; e sua absolvição é válida até para os mais afastados, porque todos fazem parte de uma mesma aglomeração que está moralmente presente diante do padre.
Isso nos leva a achar abusivo o procedimento de Dom Riccardo Fontana, bispo de Arezzo (Itália) [Foto ao lado]. Durante a epidemia de coronavírus, ele fez uma interpretação extensiva das normas canônicas e celebrou uma liturgia penitencial na rua, diante do hospital São Donato daquela cidade, ministrando a absolvição a todos os doentes e funcionários que desejassem confessar-se, e que se achavam dentro do hospital. No seu entender, pela inconveniência de os doentes se juntarem dada a presumida periculosidade do vírus, e de o bispo se aproximar deles, ele os teria “aglomerado moralmente”. Se bastasse a intenção do confessor para operar uma “presença moral”, apesar do distanciamento físico, o decreto de Clemente VIII estaria errado; pois, se o confessor pode “aglomerar moralmente” um número de pessoas separadas, a fortiori pode “aproximar moralmente” uma pessoa distante.
Na sua intenção de “aglomerar moralmente” pessoas fisicamente separadas, o bispo de Arezzo parece não ter considerado também os riscos da “realidade virtual” denunciados pelo Conselho Pontifício das Comunicações Sociais, num documento de 2002 intitulado “A Igreja e a Internet”. Tal documento começa por sublinhar que “a realidade virtual do ciberespaço não pode substituir a comunidade interpessoal real, a realidade ‘encarnacional’ dos sacramentos e da liturgia, ou a proclamação imediata e direta do evangelho”, motivo pelo qual “a realidade virtual do ciberespaço tem algumas implicações preocupantes para a religião. […] A realidade virtual não substitui a presença real de Cristo na Eucaristia, a realidade sacramental dos outros sacramentos e o culto compartilhado em uma comunidade humana de carne e osso. Não há sacramentos na Internet; e mesmo as experiências religiosas que são possíveis lá pela graça de Deus, são insuficientes fora da interação do mundo real com outras pessoas de fé”.
Outro aspecto importante a reter, para resolver a questão da confissão por telefone, é que a confissão dos pecados deve ser feita ordinariamente de viva voz. São Boaventura dá como razão que, dessa maneira, a vergonha do penitente é maior. Santo Tomás de Aquino fornece uma razão teologicamente mais profunda, dizendo que todos os sacramentos têm uma matéria que simboliza da maneira mais expressiva o efeito próprio do sacramento (por exemplo, a água do Batismo que lava a alma do batizado). Sendo a confissão das faltas como que a matéria do sacramento da Penitência, por submeter os pecados à sentença do juiz, convém que ela seja tão expressiva quanto possível, empregando para isso os recursos da voz humana. (Obviamente, um mudo ou uma pessoa privada temporalmente da voz pode se confessar por escrito, porque a necessidade não tem lei).
Proximidade física entre o penitente e o confessor
De todo o anterior se pode com bastante segurança concluir que a confissão dos pecados por telefone é muito provavelmente inválida, por falta de presença moral do penitente, a qual pressupõe uma proximidade física entre ele e o confessor. Seria preciso mudar o sentido das palavras para afirmar que duas pessoas estão presentes uma diante da outra, quando quilômetros de distância as separam.
Termino transcrevendo um parágrafo da nota da Penitenciaria Apostólica acima citada: “Quando o fiel se encontre na dolorosa impossibilidade de receber a absolvição sacramental, deve lembrar-se de que a contrição perfeita — procedente do amor do Deus amado sobre todas as coisas, expressa num sincero pedido de perdão (aquele que o penitente pode expressar naquele momento) e acompanhada de votum confessionis, ou seja, o firme propósito de recorrer à confissão sacramental logo que seja possível — obtém o perdão dos pecados, até mortais (cf. Catecismo, nº 1452)”.
Finalmente, encorajo a todos que vierem a se encontrar nessa dolorosa situação, recorrer fervorosamente a Maria Santíssima, pedindo a Ela que intervenha, mudando as circunstâncias que impedem cumprir sem demora o propósito de se confessar.
ABIM
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