- Paulo Henrique Américo de Araújo
Oabismo entre a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a opinião pública nacional alargou-se ainda mais por ocasião da Campanha da Fraternidade-2021. A CNBB teima em apoiar a agenda progressista-esquerdista, enquanto boa parcela dos brasileiros prossegue em sua posição, que é essencialmente a oposta.
Com o tema Fraternidade e diálogo: compromisso de amor, a Campanha da Fraternidade Ecumênica deste ano acabou obtendo divisão, oposição, desacordo, bem o contrário do que se poderia denominar fraternidade. Resultado previsível para um ecumenismo progressista desvirtuado pela antiquada ‘Teologia da Libertação’.
A partir do alerta lançado por leigos católicos, no qual se inclui o abaixo-assinado promovido pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira,1 os responsáveis pela Campanha da Fraternidade se viram forçados a defender-se, receosos de que a coleta para a tal campanha fosse seriamente prejudicada pela rejeição maciça dos católicos. Algo semelhante já havia ocorrido em 2018, ante a denúncia de que o dinheiro arrecadado se destinava a instituições contrárias aos ensinamentos da Igreja.2
No presente artigo deixaremos de lado a discussão sobre o destino dos donativos e consideraremos a controvérsia e cizânia suscitadas por aqueles mesmos que supõem buscar, com a campanha deste ano, o diálogo e a fraternidade.
Aborto e feminismo
Depois das denúncias feitas por movimentos católicos, a ‘pastora’ luterana Romi Bencke — secretária-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e uma das responsáveis pelo texto-base da Campanha da Fraternidade — disse sentir-se ameaçada por “extremistas que promovem discursos de estímulo ao ódio em canais na internet”.3 Não explica o que entende por ‘discurso de estímulo ao ódio’, além dissoparece esquecer que assinou e publicou um estudo defendendo ações para a legalização do aborto e atacando o que considera um dos grandes inimigos do movimento feminista: o ‘patriarcado’.4
Como evitar que o texto-base da Campanha da Fraternidade produza perplexidade e indignação nos católicos, se na sua elaboração participou uma feminista defensora do aborto? Deveriam os católicos ignorar no texto essa posição favorável ao aborto? Seria ‘discurso de ódio’ uma indignação tão justificável?
No mesmo estudo, publicado em 2019, a Sra. Romi Bencke assumiu um posicionamento pouco ‘dialogante’ em relação à própria CNB: “Identificamos obstáculos importantes pela frente, não apenas no âmbito legislativo, mas também religioso. Em 2020, o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica Romana será pró-vida”.5 Não escondeu nesse texto o seu ‘discurso de ódio’, além de insinuar que atitudes como as da CNBB fazem parte de uma “guerra contra as mulheres”.6
Que transmutações teria havido, para gerar o atual ‘diálogo ecumênico’ da pastora?
Teologia da Libertação nas suas origens marxistas
O texto-base da campanha afirma que a paz é uma consequência “da transformação de todas as estruturas desiguais como o racismo, a disparidade econômica, de todas as formas de segregação, geradoras de conflito e violência” (nº 7). Por isso, a “conversão” deve levar os cristãos a assumir “posturas de acolhida e de compromisso com as pessoas vulneráveis e vulnerabilizadas, pobres e excluídas” (nº 12) e a superar “todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos” (nº 14). Como não enxergar aí a velha e batida ideologia marxista da luta de classes entre opressores e oprimidos?
O texto-base insinua uma aproximação com a ‘Teologia da Libertação’, comunistas, socialistas e congêneres. O viés ideológico do texto ficou claramente patenteado por D. Pedro Stringhini, presidente da Regional Sul da CNBB: “É claro que [o texto] é ideológico, quando fala dos pobres, contra as desigualdades e a favor da ideologia, é ideológico”.7
Devem os católicos aceitar pacificamente tal aproximação? Pode ser classificado como ‘fundamentalista religioso’ quem rejeita essa forma de diálogo ideológico? Como evitar a discórdia se, ao menos implicitamente, o próprio texto-base força a adesão a ideologias controversas como a da ‘Teologia da Libertação’?
O Centro Dom Bosco, após denunciar em vídeo a incompatibilidade da Campanha da Fraternidade-2021 com a doutrina católica, sofreu um ataque8 intransigente do Pe. Juarez de Castro. Excluindo qualquer possibilidade de ‘diálogo’, durante homilia pontificou que tinham “cometido pecado” todos os que haviam compartilhado o vídeo. Curiosa intolerância em defesa do controverso texto…
Bispos divididos em meio à divisão
A Campanha da Fraternidade causou também rachaduras nos meios episcopais. O bispo de Formosa (GO), D. Adair José Guimarães, censurou o texto-base, recomendando: “Não fiquemos escutando coisas que não têm nada a ver com a nossa fé. Toda essa confusão com campanha da fraternidade […] esqueça isso! […] Quem está fora do rumo, quem não segue a Sagrada Escritura, a tradição e o magistério ordinário da Igreja, bate com a cabeça no muro”.9
D. Fernando Guimarães, Arcebispo do Ordinário Militar do Brasil, em carta pública enviada a D. Walmor Oliveira de Azevedo, presidente da CNBB, declarou: “A evangelização dos fiéis, no entanto, em qualquer tempo e ainda mais em um tempo especial como é a quaresma católica, não é espaço para se dialogar sobre temas polêmicos e contrários à autêntica doutrina de nossa Igreja”.10
O arcebispo metropolitano de Juiz de Fora, D. Gil Antônio Moreira, orientou as igrejas de sua arquidiocese a não utilizarem o texto-base da Campanha da Fraternidade. Em comunicado, argumentou que “neste ano, houve uma grave falha com relação ao texto-base que tem provocado séria polêmica, por apresentar conceitos duvidosos em relação à doutrina social e à moral cristã, sendo a autora adepta de correntes morais não aceitas pela Igreja Católica”. 11
Do outro lado do ‘diálogo’, o já mencionado D. Pedro Stringhini: “Quem está falando contra a Campanha da Fraternidade é católico diabólico, é católico que não gosta dos pobres”.12 Convém perguntar se D. Stringhini vê ‘católicos diabólicos’ nas pessoas de D. Adair José, D. Fernando Guimarães e D. Gil Antônio Moreira. Seja qual for sua resposta, não há como escapar à conclusão: a Campanha da Fraternidade suscitou divisões também entre as autoridades da Igreja.
Diante da celeuma, a CNBB se viu obrigada a emitir nota na qual admite parcialmente problemas no texto-base. Usando como justificativa o ecumenismo, a nota declara: “Não se trata […] de um texto ao estilo do que ocorreria caso fosse preparado pela comissão da CNBB. […] Deve ser assim compreendido, como o foi nas Campanhas da Fraternidade levadas a efeito de modo ecumênico”.13
Doutrina católica negligenciada
Em toda essa polêmica, a mais grave ruptura provocada pela campanha se aplica em relação ao próprio magistério da Igreja Católica. Para confirmá-lo, basta ler o documento “Algumas reflexões acerca da resposta a propostas legislativas sobre a não-discriminação das pessoas homossexuais”, emitido em 1992 pela Congregação para a Doutrina da Fé: “A tendência sexual não constitui uma qualidade comparável à raça, à origem étnica, etc. no que se refere à não-discriminação. Diferentemente destas, a tendência homossexual é uma desordem objetiva e requer solicitude moral. Existem setores nos quais não se trata de discriminação injusta tomar em consideração a tendência sexual, por exemplo, na adoção ou no cuidado das crianças, no trabalho dos professores ou dos treinadores atléticos e no recrutamento militar” (nº 10).14
Assim, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé, não existe um direito à homossexualidade; e tal tendência não pode servir de base para reivindicações jurídicas. Porém, contrariando as diretrizes acima, o texto-base da Campanha da Fraternidade afirma: “Outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada na violência e na criação de inimigos, é a população LGBTQI+” (nº 68). Ainda de acordo com o texto-base, os homicídios cometidos contra essa população “são efeitos do discurso de ódio, do fundamentalismo religioso, de vozes contra o reconhecimento dos direitos das populações LGBTQI+”.
Tendo em vista o documento exarado pela Congregação para a Doutrina da Fé, estaria a Igreja Católica praticando ou patrocinando o “fundamentalismo religioso” no Brasil? Como conciliar com o cumprimento devido às normas da Congregação a adesão da CNBB ao texto da Campanha da Fraternidade?
A confusão e a discórdia se patentearam de maneira inequívoca nesta Campanha da Fraternidade Ecumênica. Tudo em nome de distorcidos conceitos de diálogo e fraternidade. Só o ecumenismo legítimo — ou seja, a adesão de todos à verdade ensinada pela doutrina perene da Santa Igreja Católica — poderá evitar tantos desacordos e enfrentamentos. Qualquer outro caminho é de fato descaminho.
ABIM
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Notas:
3. https://www.metropoles.com/brasil/pastora-que-coordena-a-campanha-da-fraternidade-teme-cruzada-santa
4. Cfr. Laicidade e direito ao aborto: intersecções e conexões entre o debate feminista secular e feminista religioso. Texto completo em: https://www.cfemea.org.br/images/stories/publicacoes/laicidade_direito_aborto.pdf
5. Idem, Laicidade e direito ao aborto, pág. 18.
6. Na pág. 18 do estudo, a pastora equivoca-se ao dizer que a CNBB publicou o livro “Homem e mulher: Deus os criou”. Na realidade, a obra foi publicada em 2011 pela Editora Artpress, sem o concurso da CNBB.
7. Cfr. site Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2021/02/17/campanha-da-cnbb-critica-necropolitica-e-e-atacada-por-catolicos-conservadores
8. https://www.youtube.com/watch?v=YldBrEe-tXc
9. Idem site Brasil de Fato: Campanha da CNBB critica…
10. Idem site Brasil de Fato: Campanha da CNBB critica…
11. Rádio Itatiaia, radioitatiaiajf.com.br › campanha-da-fraternidade-causa…
12. Idem site Brasil de Fato: Campanha da CNBB critica…
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