- Péricles Capanema
Montadoras chinesas no Brasil. Começo lembrando ditado antigo. O melhor é se preparar para o pior? Sim, desde que a atitude não seja fatalista, derrotista, mas animosa; que haja esforço estrênuo para evitar o pior. Os amigos apontam os perigos da caminhada. Acautelamento necessário. Os inimigos, para obter vitória rápida, procuram escondê-los. Velhacaria. O “Estado de S. Paulo” (19-8-21) noticiou que montadora chinesa privada, a Great Wall Motors — de outro modo, quase uma surpresa, não é estatal — comprou a fábrica de automóveis de luxo da Mercedes-Benz em Iracemópolis (SP). O negócio envolve a fábrica, área de 1,2 milhão de metros quadrados, prédios e equipamentos. Não inclui transferência de pessoas; a Mercedes-Benz tem 370 empregados em Iracemópolis. Não foi divulgado o valor da operação. A Great Wall pretende aplicar 4 bilhões de reais no Brasil e proximamente (carros dela já circularão entre nós em 2022) fazer da montadora uma das grandes “players” do mercado brasileiro e sul-americano. A Great Wall divulgou, a fábrica em Iracemópolis sairá da produção atual de 20 mil veículos por ano e alcançará 100 mil anuais. Cinco vezes mais. No fim do processo, mil empregos novos diretos na região, além de irrigar a área de novos fornecedores.
Vitória onde outros fracassam. Tudo num contexto de dificuldades para as montadoras. O Brasil tem três fábricas de veículos automotores à venda. A fábrica de Camaçari (Bahia) e a de Taubaté (São Paulo) estão fechadas desde janeiro. A unidade de jipes Troller, localizada em Horizonte (CE), encerrará atividades em setembro. A mais, a Ford fechou sua unidade de São Bernardo do Campo em 2019. O novo “player” vem da China, os antigos são dos Estados Unidos e Europa. O melhor é se preparar para o pior (ditado da sabedoria antiga), repito desconsolado.
A Great Wall vende por ano mais de um milhão de veículos na China. Seis grandes estatais têm 75% do mercado chinês, cerca de 25 milhões de veículos novos por ano. A maior montadora privada é a Great Wall, agora em Iracemópolis. Sua presença no Brasil, embora já exista muita aplicação privada de capital chinês, tem especial significado. De um lado, foge do que tem sido usual: as aplicações de capital chinês no Brasil, via de regra, têm origem em estatais de lá, corporações dirigidas pelo governo, de outro modo, pelo Partido Comunista Chinês.
No caso em questão, empresa de propriedade particular. Tranquiliza? Em termos e, digamos, superficialmente. Melhor, não preocupa tanto. A China é uma ditadura de partido único, o Partido Comunista Chinês tem o controle inteiro e indisputado da economia e da sociedade. A Great Wall agirá no Brasil em consonância total com os interesses do Partido Comunista Chinês. Qualquer passo em falso, que não haverá, seria asfixiado na fonte.
Presença chinesa tida como normal. Agora o que pretendo destacar. O público brasileiro, é o previsível, se acostumará a ver com normalidade marcas da China comunista. Estarão no meio dos veículos Volkswagen, GM, Honda, mesmo padrão, talvez até superior. Compreensivelmente, diminuirá a resistência popular contra a inserção do Brasil na área de influência chinesa. Área de influência não apenas econômica; haverá repercussões na política. A mais, nossa economia terá mais um laço importante a ligá-la à China.
Continuidade na marcha para o abismo. Lembrei atrás dito da sabedoria popular, o melhor é se preparar para o pior. Não é pessimismo, é realismo, evita más surpresas. Vou continuar por aí. Desde o governo Itamar Franco, para marcar uma data, quando foi assinado em 1993 um acordo de cooperação estratégica, o país se insere paulatinamente na área de influência chinesa. Marcha batida. Hoje, a China é o maior parceiro comercial do Brasil, desbancou liderança norte-americana de quase um século. Esse impulso contínuo só poderia ser enfraquecido ao longo de anos com o fortalecimento gradual dos laços com os Estados Unidos, União Europeia, Japão, entre outros parceiros, coisa que infelizmente fazemos pouco e mal, quando fazemos. Com petulância suicida altas figuras do governo brasileiro têm dado caneladas em representantes dos Estados Unidos. Tem mais, cuidamos pouco, tantas vezes com irresponsabilidades demolidoras, de nossas relações com os países da Europa. O final do processo será macabro, imersão inevitável na condição real e inconfessada de protetorado chinês. É preciso enxergar o óbvio, a coisa mais difícil de ver, lembrando Nelson Rodrigues.
Um ensinamento chinês oportuno. Recordo agora dito da sabedoria chinesa: espere o melhor, prepare-se para o pior, aceite o que vier. Apresenta algo de fatalista, discordo da aceitação passiva. Tem em comum um ponto com nosso ditado popular: prepare-se para o pior. E não só popular, e frase conhecida de Fernando Pessoa: esperar pelo melhor e preparar-se para o pior, eis a regra. Penso com meus botões, o melhor só virá se lutarmos para evitar o pior.
Marcha à ré urgente. Em tal situação, retrocesso seria continuar com o automóvel na mesma direção. Avanço é a marcha à ré. A presença de uma grande montadora chinesa, mesmo privada, entre os grandes fornecedores de veículos automotores, acelera nossa caminhada para o que, nesse quadro, é o pior: despencar para a condição de protetorado efetivo, mesmo que inconfessado. Ameaças e desafios vazios em ambiente de deboche e palavrões só piorarão as perspectivas, já sombrias. Minha sugestão: marcha à ré rumo aos Estados Unidos e à Europa.
ABIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário