domingo, 1 de agosto de 2021

Um êmulo de São Damião de Molokai

O Padre Damião com crianças do coro de Kalawao na década de 1870

  • Plinio Maria Solimeo

Aextraordinária gesta do Padre Damião de Veuster, o Apóstolo dos Leprosos, atendendo aos leprosos em Molokai, é mais ou menos conhecida. Praticamente não o é, entretanto, a de seu êmulo e factotum Ira Dutton — o “Irmão José” [foto abaixo] —, que impressionado pela vida de São Damião, foi para o Havaí a fim de se dedicar inteiramente aos mortos-vivos ali presentes, cuja única — e, aliás, grandíssima — esperança era o Céu.

Tudo começou em 1865, quando o número crescente de leprosos naquele arquipélago levou seu governo a determinar que os infelizes fossem trasladados para a colônia de Kalaupapa [foto abaixo], um lugar de confinamento numa ilha isolada das demais. Desde então até 1869, cerca de oito mil morféticos foram transferidos para lá.

Isso levou o Vigário geral de Honolulu a manifestar sua inquietude pelo bem espiritual daquelas almas. Ao apresentar sua preocupação aos seus sacerdotes, vários deles se ofereceram generosamente para essa missão de caridade. A escolha recaiu sobre o sacerdote belga Damião de Veuster, quem, cônscio do que o esperava, disse a seu bispo: “A morte voluntária é o princípio de uma nova vida: estou pronto para sepultar-me vivo com esses desafortunados”.

Desse modo, em 1873, o destemido sacerdote — então com 33 anos de idade — desembarcava em Molokai, lá permanecendo o resto de sua vida. Dez anos depois de sua chegada, contraiu a temível lepra, falecendo em 1889 aos 49 anos. Foi canonizado em 2010.

O Padre Damião se entregara com ardor a seu apostolado, não se inquietando com o provável perigo de contrair a terrível moléstia. Quando isso aconteceu, tomou o fato com tranquilidade e espírito sobrenatural, como algo que estava programado desde o começo.

Com o crescimento do número dos enfermos em Molokai, o missionário belga necessitava de alguém que o ajudasse em seu estrênuo trabalho de atendimento espiritual e material dos afetados.

Foi então que, durante uma conferência em Nova Orleans sobre o trabalho heroico de São Damião no Havaí, um penitente de 40 anos, Ira Dutton, por disposições da Providência, se sentiu atraído a participar dessa sublime aventura.

Nascido no mês de abril de 1843, em família protestante de Vermont, frequentou na sua juventude a universidade de Milton, combateu na Guerra Civil americana, e se casou tão logo esta terminou. Fê-lo apesar de seus companheiros o alertarem da reputação de infidelidade de sua futura esposa, bem como de sua adição à mania de compras. Com efeito, depois de um ano de matrimônio, ela o abandonou, deixando-o em ruína. Apesar disso, Dutton esperou durante dez anos por sua volta, findos os quais a separação definitiva se consumou.

Desesperado, o jovem se entregou nesse período ao que chamou de seus “anos selvagens e pecaminosos”, tornando-se um alcoólatra inveterado. Depois de uma década de vida tumultuada, tocado pela graça, Ira resolveu deixar radicalmente o álcool. Começou a estudar o Catecismo, e no dia 27 de abril de 1883, aos 40 anos, foi recebido na Igreja Católica, adicionando José a seu nome, por ser seu santo favorito.

Decidido a levar uma vida de oração e penitência, ingressou num mosteiro trapista, nele permanecendo um ano e meio. Mas se deu conta de que sua vocação era de ajudar o próximo, à margem do sacerdócio. Deixou então o mosteiro e passou a se dedicar a algumas obras de apostolado. Foi quando conheceu o trabalho do Padre Damião, ao qual resolve associar-se.

Quando lhe foram apresentados todos os riscos que enfrentaria naquela nova vida, disse: “O trabalho me atraiu maravilhosamente. Depois de tê-lo pesado por bom tempo, convenci-me de que se adaptaria a meus desejos de trabalho e de uma vida penitencial e reclusão, bem como de uma completa separação das cenas de todas as experiências passados”. Após doar todas as suas economias — 10 mil dólares — à obra de Molokai, partiu para lá em 1886, a fim de se colocar à disposição do Padre Damião.

Pode-se imaginar a alegria do Santo ao receber seu novo auxiliar, a cujo respeito comentou: “A valentia de meu querido irmão José parece responder muito bem ao especial chamado pelo qual Nosso Senhor o escolheu. Interessa-se especialmente por tudo o que concerne aos altares e sacristias de nossas igrejas. Também atua como nosso boticário, e realmente é um irmão para mim”. O Padre Damião, que passou seus últimos dias sob os cuidados do Irmão José, exclamou: “Agora posso morrer. O irmão José se encarregará de meus órfãos”.

Com efeito, José aprendeu o necessário de medicina e cirurgia, e se entregou de corpo e alma às mais repugnantes tarefas — como a de limpar e curar úlceras, infecções e ossos necrosados dos enfermos, e de dar comida na boca daqueles que já não tinham mãos para fazê-lo.

Após a morte do Padre Damião, o Irmão José prosseguiu sua obra em Molokai, só não fazendo aquilo que incumbisse somente à condição sacerdotal. Por exemplo, graças a uma doação recebida em 1895, ele erigiu um orfanato para as crianças da região, muitas delas filhos de leprosos falecidos.

O mais surpreendente é que, ao contrário do Padre Damião, durante os 45 anos em que Dutton esteve cuidando de leprosos, ele nunca contraiu a moléstia. Vivia na mais estrita pobreza, não aceitando remuneração pelo que fazia. Afirmava: “Eu não deixaria meus leprosos por todo o dinheiro do mundo”.

Esse abnegado servidor de Deus faleceu em Honolulu — para onde sua avançada idade o levara — no dia 26 de março de 1931, sendo enterrado junto ao Padre Damião na igreja de Santa Filomena em Kalwao [foto acima].

O bispo de Honolulu anunciou recentemente que começaria no dia 30 de junho as diligências visando a sua causa de beatificação.

ABIM

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Fontes:

-https://www.religionenlibertad.com/blog/4703/en-molokai-la-iglesia-entera-se-contagio-de-lepra-por-amor.html

– https://www.religionenlibertad.com/personajes/495237497/ira-dutton-tras-salvajes-protestante-alcohol-se-entrego-dios-leprosos-damian.html#%23STAT_CONTROL_CODE_3_495237497%23%23

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