O Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela mantém uma relação de memória com o cinema português através da programação de clássicos. Na 30.ª edição, que se realiza entre 10 e 18 de outubro, o festival vai exibir, em dupla sessão, dois filmes recentemente digitalizados pela Cinemateca Portuguesa – Trás-os-Montes e Cerromaior.
A programação designada por Ecos da montanha e da planície permite rever e interpretar obras singulares do cinema português no modo como olham dois grandes e amplos territórios, Trás-os-Montes e Alentejo, que ainda hoje preservam uma forte identidade, ambiental, rural e social, que merece ser valorizada perante novos problemas, desafios e oportunidades.
Trás-os-Montes, que vai ser exibido dia 13 de outubro, às 16h, é uma docuficção com elementos etnográficos muito vivos, realizada e escrita, em 1976, por António Reis e Margarida Cordeiro. O elenco reúne atores não profissionais, habitantes de Bragança e Miranda do Douro, que interpretam personagens ficcionadas, típicas da Terra Fria. O filme é uma declaração de amor ao território, identifica hábitos seculares num ambiente rural imponente, e vale a pena ser visto numa época em que a região enfrenta os desafios paisagísticos e ambientais da extração mineira de lítio.
Cerromaior, em exibição a dia 17 de outubro, às 16h, com a presença do realizador Luís Filipe Rocha, parte do romance homónimo de Manuel da Fonseca, publicado em 1943. O filme, rodado durante o verão de 1979, na vila de Portel, no Alentejo, também contou com a participação ativa da população da vila e dos camponeses da região, dramatizando a realidade da sociedade alentejana de finais dos anos trinta, no contexto da relação profundamente desigual entre trabalhadores rurais e latifundiários quando o Estado Novo estava numa fase de consolidação. É uma obra que desperta o nosso olhar contemporâneo para uma região onde aconteceu a reforma agrária e que atualmente investe, de novo, na produção agrícola em regime intensivo de monocultura.
Esta dupla sessão permite ainda celebrar os 50 anos do 25 de abril de 1974 através de duas produções cinematográficas rodadas, produzidas e estreadas em plena democracia.
Nas atividades paralelas, o CineEco 2024 apresenta como principal novidade os Encontros no Mercado, um espaço de encontro e networking entre estudantes e players do mercado cinematográfico português. A organização do festival convidou as escolas superiores de cinema e audiovisual do país a terem os seus alunos/as presentes nesta iniciativa de um dia, uma oportunidade para estes jovens realizarem um pitch de um projeto (longa ou curta-metragem, série, etc.) e/ou apresentar uma curta-metragem já realizada, ligada à temática ambiental. Com uma postura primordialmente pedagógica e formativa, a ideia destes Encontros do Mercado é proporcionar experiências profissionais aos estudantes que lhes garantam competências acrescidas para o seu futuro no mundo do trabalho. Já os players (produtores, produtores executivos, exibidores, distribuidores, etc.) são convidados a dar conselhos aos estudantes com o objetivo focado na criação de oportunidades de trabalho e/ou financiamento dos seus projetos e, ao mesmo tempo, de olhar para o trabalho de valores criativos emergentes.
Pelo segundo ano, e depois do sucesso da edição passada, as Conversas no Jardim da Biblioteca Municipal de Seia sobre cinema ambiental é outro dos destaques do programa. Realizadores, produtores, técnicos, atores, professores, programadores e jurados são convidados a falar sobre a sua experiência e/ou visão de cinema, e de que forma o valor artístico e cinematográfico tem impacto na consciencialização para a causa ambiental. O público é parte fundamental desta interação e é sempre bem-vindo a colocar questões ligadas ao festival, ao cinema e ao ambiente.
No que diz respeito a exposições, este ano é apresentado um novo espaço de exibição de filmes com formato mais artístico, mas não menos importante, o Videoarte. Dos muitos filmes conceptuais que todos os anos chegam a concurso, é criada nesta edição uma mostra de filmes que, pela sua envergadura mais poética e dinâmica de projeção em repeat, transpõem a linha meramente cinematográfica e apresentam-se em formato de galeria. Estes são apontamentos de videoarte, que, ao juntarem imagem em movimento e artes plásticas, propiciam uma forma diferente de exercitar o olhar, porque se tem a ferramenta do loop à disposição.
O CineEco contará ainda, de 10 de outubro a 30 de novembro, com mais três exposições na Casa Municipal da Cultura.
O Estado da Água apresenta seis propostas artísticas, desenvolvidas na aldeia do Sabugueiro e no território circundante da serra da Estrela, no contexto de um programa de residências artísticas realizadas com apoio financeiro da DGArtes. O foco do projeto é a interpretação da presença da água na paisagem a partir de abordagens que exprimem a diversidade das visões artísticas sentidas por Eunice Artur, Iana Ferreira, Inês Teles, Joana Patrão, Jorge Leal e Thierry Ferreira.
Em Plastic Bitch, Cláudia Clemente espelha a situação atual de consumismo desenfreado, poluição extrema, esgotamento de recursos naturais e produção exacerbada de lixo. A artista procura despertar a consciência e o julgamento (auto) crítico de do espelho incómodo, que reflete aquilo em que, enquanto sociedade, nos transformamos: plastic bitches.
Em Line, de Clo Bourgard, também se apela à sustentabilidade, representada pela utilização de materiais de desperdício, que são dispensados ou que perdem a sua utilidade original, como matéria-prima principal. O projeto Line envolve três instalações artísticas: White Line, uma ode à terra em forma de montanha; Green Line, instalação de interação com a comunidade; e Mountain Line, construída com recursos naturais recolhidos no local que estará patente no festival CineEco.
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*Raquel Lains
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