Uma nova
investigação, que conta com a participação de Sérgio Timóteo,
investigador do Centro de Ecologia Funcional (CFE) da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), revela o
valor do conhecimento local e da organização das comunidades na
criação de estratégias de proteção para a pesca de pirarucu
(Arapaima gigas).
O trabalho,
publicado hoje no Journal of Applied Ecology, explica como essas
estratégias podem ser aplicadas a outros sistemas socioecológicos,
utilizando redes espaciais e modelação de meta-população, dentro
e fora da Amazónia.
De acordo com
Sérgio Timóteo, na Bacia do rio Juruá, na Amazónia Ocidental
brasileira, a cogestão do pirarucu - o maior peixe de água doce do
mundo - tem atraído atenção para a sua conservação, uma vez que
a proteção dos lagos de meandro levada a cabo pelos habitantes
locais tem favorecido a recuperação desta espécie emblemática,
que estava à beira da extinção, beneficiando a biodiversidade e o
bem-estar das comunidades.
«Entre
as várias possibilidades, a escolha dos lagos a proteger é feita
por pescadores locais experientes, que se baseiam no conhecimento
ecológico acumulado ao longo de gerações sobre as dinâmicas
sazonais do rio e o comportamento dos peixes. Este conhecimento local
é combinado com políticas regulatórias que definem quotas anuais
de pesca para os lagos em cogestão, com o objetivo de garantir a
sustentabilidade do sistema e prevenir a pesca ilegal»,
explica o especialista.
Embora as
escolhas locais e as regulamentações governamentais tenham
demonstrado ser eficazes, os habitantes locais querem saber se as
suas decisões são as melhores, enquanto os gestores e governos
procuram formas de expandir esta iniciativa por toda a Amazónia. No
entanto, experiências empíricas em larga escala são desafiantes,
especialmente em áreas remotas como o coração da Amazónia.
Para apoiar esta
iniciativa, os autores desenvolveram seis cenários alternativos de
cogestão da pesca na região, baseados em dados populacionais de
pirarucu recolhidos entre 2011 e 2022 por pescadores locais em 13
lagos protegidos e 19 lagos não protegidos. A equipa construiu uma
rede espacial na qual os 31 lagos estudados se ligam entre si
dependendo da sua posição geográfica, estado de proteção e
ecologia do pirarucu.
Este estudo foi
utilizado para desenvolver um modelo populacional que considera o
número de adultos de pirarucu em cada lago ao longo do tempo, o
crescimento populacional e a capacidade de carga de cada lago. Os
cenários alternativos propostos envolvem mudanças nos lagos
protegidos com base em fatores como ligações entre lagos, área,
posição geográfica, capacidade de carga ou sem critérios
específicos. Os autores também modelaram diferentes níveis de
pesca ilegal nos lagos não protegidos.
«Os
resultados foram surpreendentes»,
afirma
o coautor.
«Embora
uma estratégia baseada na capacidade de carga ofereça resultados
mais eficientes, o esquema de cogestão existente apresentou um
desempenho muito próximo. Isto realça a importância e a
fiabilidade do conhecimento local dos pescadores, já que os lagos
geridos pelas comunidades mantiveram populações elevadas de
pirarucu e são importantes refúgios contra a sobre-exploração»,
sublinha.
«A
dinâmica de meta-população e a taxa de crescimento do pirarucu
nesta área garantem que os lagos protegidos funcionem como fonte de
novos indivíduos para o ecossistema fluvial, moderando o declínio
populacional dentro de determinados limites, dependendo de cada
cenário»,
realça o investigador do CFE/FCTUC.
Para além do
conhecimento sobre a região do Juruá e a Amazónia, este trabalho
oferece um modelo transferível na avaliação de estratégias de
cogestão de pescas em diferentes cenários sociais e ecológicos.
Ele fornece um guia para integrar o conhecimento local e a modelação
ecológica, promovendo a sustentabilidade em ecossistemas complexos
em todo o mundo.
«Estes
resultados reforçam o valor do conhecimento ecológico local na
definição de planos de conservação espacial na Amazónia. Ao
selecionar quais os lagos que devem ser protegidos ou geridos de
forma sustentável, os pescadores locais realizam uma análise
multidimensional que considera vários fatores, como a ecologia dos
peixes, as condições ambientais do lago e os aspetos logísticos de
acesso. Este processo representa a materialização de uma tecnologia
social complexa, forjada ao longo de milénios de interações entre
pessoas e a natureza»,
conclui.
O artigo
científico “Local
knowledge enhances the sustainability of interconnected fisheries.
Journal of Applied Ecology” está
disponível para consulta aqui.
*Sara
Machado
Assessora
de Imprensa
Universidade
de Coimbra• Faculdade de Ciências e Tecnologia

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