No artigo anterior, comecei por afirmar
que: “É deveras desolador, consternante, o quadro que o mundo apresenta na
época actual. Nos dias que correm assistimos, perplexos, à lenta mas segura
destruição do nosso mundo”.
Urge a todos os níveis colocarmos a
seguinte pergunta: em que mundo vivemos nós? É o que mais nos entra pelos
ouvimos quando estamos a uma mesa num qualquer café ou em conversa de amigos. Em que mundo vivemos nós? É na verdade uma
interrogação angustiante, que a todos nos deve incomodar.
Vivemos numa era de realizações e
progressos assombrosos, nas ciências, na indústria, na medicina, internet,
radio, televisão, energia nuclear. Viagens espaciais, projecteis telecomandados
a milhares de quilómetros, aviões supersónicos, cérebro electrónico, controlo
dos microorganismos, produções em massa, etc.
A nova geração sente a urgência de
avançar ainda mais. Procura uma maior eficiência. Professores, estudantes,
industriais e comerciantes, operários, trabalhadores mentais e, com eles,
também muitos trabalhadores manuais, aspiram a melhores resultados e menor
desgaste no seu trabalho mental ou manual.
O
nosso século, no entanto, é também uma era do esgotamento, de excessiva fadiga
e profunda frustração para a elite intelectual. Depois de uma hora de trabalho
sedentário, muitos sentem a cabeça pesada e os olhos ardentes, ou como que um
círculo de ferro a apertar-lhes a fronte, ficam nervosos e tensos; outros
sentem dores na cabeça, na nuca ou nas costas e dificilmente descansam, mal
podendo conciliar o sono.
De acordo com informações recentes, só
nos Estados Unidos, mais de 20 milhões de pessoas sofrem de insónias. Professores de fama internacional têm sido
fulminados por esgotamento. Têm distracções frequentes que lhes diminuem o
rendimento; atormentam-nos falhas de memória, preocupações ou ideias
obsessivas. Uma semiconsciência simultânea de incapacidade, de esforço, de mau
funcionamento do corpo e da mente, de problemas, de falta de tempo, de futuros
malogros, etc., extenua-os; e não são poucos os que se sentem enfastiados ou
frustrados, julgando impossível conseguir o seu ideal e gozar com a sua
actividade.
Desejariam
conhecer mais a fundo o funcionamento das suas faculdades, para conseguirem
maior rendimento com menor fadiga. Procuram meios práticos para melhorarem
a sua atenção receptiva, a sua inteligência elaboradora de novas conclusões e
sínteses, a prontidão e tenacidade da sua memória, o seu interesse e entusiasmo
e, portanto, e êxito, dos seus empreendimentos.
Hoje em dia, em que descobertas da
fisiologia revelam pormenores interessantes da interacção do corpo e da mente,
a todos interessa uma maior explicação de como o uso dos olhos, a tensão
muscular, a respiração, podem favorecer ou prejudicar a nossa eficiência,
quando pensamos, lemos ou escrevemos.
Em
que mundo vivemos nós? Os problemas diários de ineficácia, divagação
mental, preocupação, fadiga permanente, indecisão e mil perturbações
emocionais, com a sua consequente repercussão no organismo, e certos casos de
neurose superficial ou circunstancial, carecem de uma intervenção atempada por
especialistas.
“O
ser humano normal é aquele que funciona de forma eficiente, possui um certo
grau de felicidade e realiza algo de valor para si próprio, dentro das regras
impostas pela sociedade em que vive”, de acordo com o Dr. William Glasser.
O centro de interesse e atenção de cada
época varia segundo as preocupações dominantes. Os antigos perscrutavam a
natureza, tinham visão geocêntrica das coisas, os medievais ideal teocêntrico,
os modernos concepção antropocêntrica.
Em nossos dias, homem é objecto de
atenção cada vez maior. E é sob este prisma que o pensamento moderno encara
todos os problemas. Em filosofia, o existencialismo sublinha o carácter
original da existência humana, valoriza a sua subjectividade profunda, enaltece
a responsabilidade inalienável do comprometimento pessoal. O existencialismo
afirma-se como filosofia do homem moderno.
Na psicologia atribui-se importância
cada vez maior ao estudo dos carácteres, das diferentes idades, das classes
sociais, dos retardados e doentes mentais. A
política por sua vez exalta o respeito devido à dignidade humana, proclama «os
direitos do homem», que mais não seja em teoria.
Os progressos da ciência e da técnica, a
facilidade de intercâmbio, despertam uma consciência mais viva da comunidade
humana, embora as pessoas vivam vidas cada vez mais isoladas umas das outras,
onde no mesmo prédio ninguém se fala, nem se conhecem.
Não há dúvida, «o tema do homem seduz hoje as inteligências e os corações. Com ardor
ou angústia, perscrutam-se as suas aspirações, ambições, liberdade, solidão.
Analisa-se-lhe o inconsciente, a inquietação, os desfalecimentos morais, as
doenças mentais» (Augusto Etchev.).
O homem actual, mesmo quando se abandona
à angústia, tem confiança em si mesmo. Alberto Camus escreveu: «Recusamo-nos a
desesperar do homem. Se não podemos ter a ambição insensata de o salvar,
queremos, ao menos, servi-lo. Se consentimos passar sem Deus e sem esperança,
não prescindimos tão facilmente do homem».
O grande actor de cinema P. Fresnay
declarou numa entrevista: «Tudo o que é
humano me apaixona. Atribuíram-me depois de Monsieur Vincent preocupações e
evoluções religiosas. Era falso. Só o homem me interessa. E é o fundo do ser
que procurou».
No dizer de Aristóteles, encerrar o
homem nos limites do humano é traí-lo e torna-lo infeliz, pois a principal
parte de si, o espírito, aspira a mais do que a uma vida puramente humana.
Santo Agostinho dizia: «Fizeste-nos para
Vós, ó Deus, e o nosso coração andará inquieto se não descansar em Vós».
O
homem
só se realiza plenamente como cristão, porque tem da vida outro conceito. Mas,
o ser humano no seu comportamento e vida moral está ligado a muitos factores
internos e externos. Depende do seu
passado, do ambiente em que vive, do seu cérebro, glândulas endócrinas, nervos
e psiquismo. Deve, pois, atender-se ao seu estado psíquico e somático.
«É preciso cuidar do ser humano na sua
totalidade para que a graça faça germinar uma vida interior intensa. A condição
essencial dos cuidados prestados é que nada se oponha aos princípios morais que
têm origem nesse Deus que é igualmente dispensador da graça». (Schaller).
Sem pretensão de dizer a última palavra
nalgumas questões aqui levantadas, queremos dar o sentido cristão do homem e
considerar alguns dos seus problemas à luz do Evangelho nos próximos artigos na
medida em que caminhamos para a celebração de mais um Natal. Afinal em que mundo vivemos nós? O
leitor já encontrou uma resposta para esta questão? Dê a conhecer os seus
comentários.
(*Jornalista)
** Coisas do meu arquivo
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