Falar do dever nos dias que correm é complicado, porque as pessoas preferem os direitos. A questão do dever está intimamente relacionada com a consciência moral, pois esta não o dá a conhecer apenas, mas impõe-no à vontade, como uma realidade absoluta e categórica.
De
facto, o homem, perante os ditames da sua consciência, não fica indiferente,
mas sente que eles o afectam pessoalmente e o constrangem à sua prática, ainda
que o não violentem. O homem sente-se ligado aos imperativos da sua consciência
e sente dentro de si uma necessidade moral de proceder de harmonia com eles.
Esta necessidade moral de proceder
segundo os ditames da consciência moral, chama-se obrigação ou dever. Por vezes obrigação moral e dever empregam-se como
sinónimos: há, no entanto, uma certa diferença, a obrigação moral é o vínculo
moral que liga o homem à lei moral ou à sua finalidade e o dever é a obrigação
concretizada, que liga o homem ao juízo de valor – é o que homem tem de fazer
ou evitar para satisfazer a obrigação.
O
dever é uma realidade interior que leva a vontade a agir de determinada
maneira, sem a violentar, mas que, no entanto, se impõe, como expressão de uma
ordem que impera absoluta e incondicionalmente a observância e o respeito,
subsistindo, apesar de todas as transgressões da vontade que são sempre
sancionadas.
O
dever e, portanto, um imperativo: não hipotético,
que impera condicionalmente, como um meio para conseguir outro objectivo, mas categórico, que impera sem condição – o
dever não diz «faz isto, se queres alcançar aquilo», mas «faz isto» ou «não
faças isto», simplesmente.
O dever é uma forma de imperativo que a
lei moral e a consciência tomam quando entram em conflito com uma resistência
interior. É um imperativo que exige sacrifícios constantes e, por vezes, até o
sacrifício da própria vida. O Piloto
que, em noite escura, arrisca a vida, não o faz apenas como resultado de uma
ordem recebida, mas sim por ser esse o seu dever. O dever é algo que transcende
o homem e que vale mais do que a própria vida.
O
dever tem duas condições principais: a
liberdade e a dualidade da natureza humana. Realmente a liberdade é
condição importante do dever, pois «dever fazer uma coisa» implica a
possibilidade de a não fazer. Por isso, só se impõem deveres ao homem; as coisas
e os animais estão submetidos ao determinismo. O homem submete-se a regras que
pode aceitar ou recusar e é nesta aceitação ou recusa que se manifesta a
liberdade.
Kant
exagerou o papel da liberdade dando à vontade uma autonomia absoluta que cria a
própria lei. Para Kant, o dever é um imperativo que livremente criamos e
impomos a nós próprios. Porém, o dever é
antes uma obrigação que aceitamos, mas derivada de um ser superior a nós e que
impomos a nós próprios, porque queremos, isto é, por sermos livres.
Uma
outra condição é a dualidade do ser
humano. O homem consta de dois princípios – o corpo e a alma, resultando
daqui a existência de duas espécies de tendências: inferiores, que estão
ligadas às funções do organismo e de cuja satisfação deriva uma afectividade
sensível, e superiores, que inclinam o homem para o bem moral, que é o próprio
dever. O dever consiste precisamente na
orientação e comando das tendências inferiores, o que se não compreenderia se o
homem fosse constituído por uma só substância ou princípio, pois então haveria
perfeita unidade e harmonia absoluta.
A
moral aspira a acabar com o conflito entre os dois princípios, visa alcançar a
síntese entre a miséria e a grandeza do homem de que fala Pascal. O dever é a
própria norma moral aplicada à vida.
Nunca
é de mais ler os livros dos professores J. Bonifácio Ribeiro e José da Silva,
mesmo as edições mais antigas, neles encontramos uma filosofia pura, sem terminologia
complicada, dispensando os dicionários.
Postado por J. Carlos
Postado por J. Carlos
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