sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O juízo da consciência

A inteligência tem de estabelecer condições à voz do desejo. Tem de determinar quando, como e em que medida deve ser atendida; tem que conjugar a voz dos bens e dos deveres. Mas há muitos bens que desejamos e muitos deveres a cumprir, e nós somos limitados, nas nossas forças, no nosso tempo, etc. Por isso é necessário pôr medida e fixar uma ordem de prioridades.
Em primeiro lugar é necessária medida. Muitos bens só são bens quando queridos com medida (podem "fazer mal" em excesso, ser absorventes e consumir energias necessárias para outras coisas, etc.).

Em segundo lugar, é necessária uma ordem nas prioridades, porque não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Às vezes os bens e os deveres aparecem em conflito. É preciso parar um momento e conjugar os diferentes bens e deveres em jogo.

É algo que fazemos espontaneamente. A esta avaliação moral que fazemos quase sem dar conta, chama-se "voz da consciência", isto é: a capacidade natural de perceber em cada caso concreto qual o dever e qual o bem a que é necessário atender em primeiro lugar. A consciência avalia a prioridade e a medida oportunas.

A consciência actua como um dar-se conta do que devemos fazer. Não é a decisão de como devemos agir: a decisão vem depois e consiste em seguir ou não o juízo da consciência. A consciência não é a decisão da vontade, mas o perceber com a inteligência. E não julga o que é que mais gostamos, mas o que devemos fazer. Por isso se chama a voz da consciência, como querendo indicar que é algo que ouvimos, que nos é comunicado, que não somos nós que inventamos, mas que deriva da própria situação.

É o acto mais próprio e interior do homem, em que se relacionam a inteligência que descobre a verdade da situação e a vontade que deve amá-la. O valor de uma vida depende destes repetidos momentos. É próprio do homem recto guiar-se pela voz da sua consciência.

O juízo da consciência é pronunciado antes de agirmos, mas repete-se também depois, quando podemos avaliar se seguimos ou não a voz da consciência.

Quando se actua contra a consciência, ataca-se a parte mais íntima e delicada do homem: esse delicado sistema que nos torna livres. Deixa um rastro de mal-estar, a que chamamos "remorso". Se nos acostumamos a agir contra a consciência, esta deteriora-se: perdemos a luz que nos permite ser livres, ficando à mercê das forças irracionais dos instintos ou da pressão exterior.

A consciência é uma função natural e espontânea da inteligência. Quando se começa a conhecer o mundo com a inteligência, começa-se a perceber os deveres e começam as avaliações sobre o modo de agir. Costuma-se considerar que a responsabilidade começa com o uso da razão (pelos sete anos).
A consciência é delicadamente pessoal: cada qual deve descobrir pessoalmente o modo correcto de agir em cada momento. De for a podem ajudar-nos a formar a consciência, mas somos nós que temos de aprender com a nossa inteligência.

Não se deve obrigar ninguém a agir de modo contrário à sua consciência. Mas isso não quer dizer que todas as decisões tomadas em consciência sejam correctas, ou que todas as opiniões tenham o mesmo valor. Mesmo com muito boa vontade, todos podemos errar, por falta de conhecimentos, ou por não querermos equacionar bem as coisas. De fora, podem ver com mais objectividade e explicar-nos onde erramos. O que não podem é obrigar-nos a vê-lo. Deve respeitar-se a liberdade das consciências, isto é respeitar o processo pelo qual cada um chega a ver o que deve fazer.

Mas se a intimidade da consciência é inviolável, o agir externo, não. Podemos e devemos intervir, por exemplo, para impedir que uma pessoa cometa um assassinato. A consciência não depende de gostos ou decisões pessoais, pois é uma captação da realidade. Pode portanto ser racionalizada e pode-se explicar abstractamente o que está certo ou está errado, independentemente do modo como cada um pensa. O que é difícil é julgar as acções em concreto, pela sua complexidade que nem sempre são avaliáveis desde fora. Não podemos julgar as intenções dos outros. No fundo só Deus pode julgar bem.

Fonte: moral, a arte de viver


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