A inteligência tem de estabelecer
condições à voz do desejo. Tem de determinar quando, como e em que medida deve
ser atendida; tem que conjugar a voz dos bens e dos deveres. Mas há muitos bens
que desejamos e muitos deveres a cumprir, e nós somos limitados, nas nossas
forças, no nosso tempo, etc. Por isso é necessário pôr medida e fixar uma ordem
de prioridades.
Em primeiro lugar é necessária medida.
Muitos bens só são bens quando queridos com medida (podem "fazer mal"
em excesso, ser absorventes e consumir energias necessárias para outras coisas,
etc.).
Em segundo lugar, é necessária uma ordem
nas prioridades, porque não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Às vezes os bens
e os deveres aparecem em conflito. É preciso parar um momento e conjugar os
diferentes bens e deveres em jogo.
É algo que fazemos espontaneamente. A
esta avaliação moral que fazemos quase sem dar conta, chama-se "voz da
consciência", isto é: a capacidade natural de perceber em cada caso
concreto qual o dever e qual o bem a que é necessário atender em primeiro
lugar. A consciência avalia a prioridade e a medida oportunas.
A consciência actua como um dar-se conta
do que devemos fazer. Não é a decisão de como devemos agir: a decisão vem
depois e consiste em seguir ou não o juízo da consciência. A consciência não é
a decisão da vontade, mas o perceber com a inteligência. E não julga o que é
que mais gostamos, mas o que devemos fazer. Por isso se chama a voz da
consciência, como querendo indicar que é algo que ouvimos, que nos é
comunicado, que não somos nós que inventamos, mas que deriva da própria
situação.
É o acto mais próprio e interior do
homem, em que se relacionam a inteligência que descobre a verdade da situação e
a vontade que deve amá-la. O valor de uma vida depende destes repetidos
momentos. É próprio do homem recto guiar-se pela voz da sua consciência.
O juízo da consciência é pronunciado
antes de agirmos, mas repete-se também depois, quando podemos avaliar se
seguimos ou não a voz da consciência.
Quando se actua contra a consciência,
ataca-se a parte mais íntima e delicada do homem: esse delicado sistema que nos
torna livres. Deixa um rastro de mal-estar, a que chamamos "remorso".
Se nos acostumamos a agir contra a consciência, esta deteriora-se: perdemos a
luz que nos permite ser livres, ficando à mercê das forças irracionais dos
instintos ou da pressão exterior.
A consciência é uma função natural e
espontânea da inteligência. Quando se começa a conhecer o mundo com a
inteligência, começa-se a perceber os deveres e começam as avaliações sobre o
modo de agir. Costuma-se considerar que a responsabilidade começa com o uso da
razão (pelos sete anos).
A consciência é delicadamente pessoal:
cada qual deve descobrir pessoalmente o modo correcto de agir em cada momento.
De for a podem ajudar-nos a formar a consciência, mas somos nós que temos de
aprender com a nossa inteligência.
Não se deve obrigar ninguém a agir de
modo contrário à sua consciência. Mas isso não quer dizer que todas as decisões
tomadas em consciência sejam correctas, ou que todas as opiniões tenham o mesmo
valor. Mesmo com muito boa vontade, todos podemos errar, por falta de
conhecimentos, ou por não querermos equacionar bem as coisas. De fora, podem
ver com mais objectividade e explicar-nos onde erramos. O que não podem é
obrigar-nos a vê-lo. Deve respeitar-se a liberdade das consciências, isto é
respeitar o processo pelo qual cada um chega a ver o que deve fazer.
Mas se a intimidade da consciência é
inviolável, o agir externo, não. Podemos e devemos intervir, por exemplo, para
impedir que uma pessoa cometa um assassinato. A consciência não depende de
gostos ou decisões pessoais, pois é uma captação da realidade. Pode portanto
ser racionalizada e pode-se explicar abstractamente o que está certo ou está
errado, independentemente do modo como cada um pensa. O que é difícil é julgar
as acções em concreto, pela sua complexidade que nem sempre são avaliáveis
desde fora. Não podemos julgar as intenções dos outros. No fundo só Deus pode
julgar bem.
Fonte: moral, a arte de viver
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