Rosa Maria Oliveira é professora de português e francês do ensino básico e secundário na escola secundária José Macedo Fragateiro de Ovar, vive em Aradas – Aveiro, tem 56 anos e é um nome a reter no campo literário.
Do ponto de vista literário quando e como é que tudo começou?
Se algo começa para nós, quando existe consciência disso, então posso dizer que a minha vida literária começou em 1977, quando eu tinha 18 anos. O género que inaugurou esse momento foi a poesia, tendo descoberto nessa altura, creio, uma forma de sublimar um desgosto de família. A literatura (aliada à terapia)  ia-me  revelando  um caminho, uma missão.
Mulher de leituras, a quem apontas a “culpa” da tua entrada no campo literário?
No dealbar da vida adulta, a leitura da poesia de Cesário Verde e de António Ramos Rosa mostrava-me que trabalhar o verso era uma espécie de ofício de paciência e que exigia contenção e rigor,  o que me ajudou a abandonar o desabafo de principiante. Comparava o ato de escrever com o ato de lavrar e cultivar a terra, pretendendo não só  evocar os meus avós maternos que eram agricultores, mas também  aquilo que me  conduziu para o mundo dos livros e dos estudos. Na verdade, foi por “ culpa” de um homem da minha aldeia ( Souto, Santa Maria da Feira) e  que ainda hoje aí  vive com 106 anos, que fui  “desviada” do caminho da lavoura para o dos livros.  Foi essa pessoa que aconselhou os meus pais a deixarem-me ir estudar, concluindo assim o secundário em 1977. Mas, só em 1988, depois de uma pausa na escrita, entre um emprego numa fábrica de calçado, casamento e nascimento da primeira filha, é que vou retomar a escrita, por incentivo do meu marido. Nessa altura, havia também regressado aos estudos com a minha entrada na Universidade de Aveiro, tendo ao longo da licenciatura em ensino de Português e Francês escrito e publicado dois livros de poemas.
A poesia é a tua “praia” mas há outros campos em que te sentes bem. Quais?
Se a poesia, como dizes, é a minha “ praia”, tenho de acrescentar que é uma “ praia” a perder de vista… Após ter escrito os primeiros livros, entre 1989 e 1993, senti necessidade de experimentar o ensaio, a crónica literária e até a recensão crítica, como forma de dialogar com mais profundidade com os textos de outros escritores e poetas. Não tardaria a ter a  oportunidade de publicar inúmeros textos em jornais e revistas locais e nacionais, e até com recurso à rádio, como foi na Rádio Bairrada e Rádio Jornal de Aveiro. Tudo isso aconteceu ao longo de mais de dez anos. A partir de 2005, dou início ao romance de carácter autobiográfico  Grávida de quase nada – A acrobata e o divino que projeta a minha consciência de uma transmutação interna com origem numa história real. Este género ajudou-me a clarificar a minha jornada nesta vida, e foi intencionalmente publicado depois de 2012.
Tem sido difícil editar? As editoras têm mostrado abertura para com a tua obra? Tens tido algum apoio (material e não só) na edição?
A publicação dos meus livros foi acontecendo, baseada na sorte ou nos acasos, ( hoje, digo  baseada na sincronicidade). Os livros   Verbo Liberto e Da Vida e do Acaso veem a luz do dia, graças a prémios literários e ao mecenato. Os  livros que se seguiram até 2008 surgem com o apoio de Câmaras, Instituto da Juventude e  Jornal Diário de Aveiro ( que publicou o meu último livro de poesia “ Magna Mater”). A partir de 2011, começo a publicar pela Cordão de Leitura. Chego até esta editora, quando alguém de lá toma conhecimento do meu trabalho literário baseado nas Oficinas de Escrita com alunos  que a escola  considera “ difíceis”. É então publicado  Escritas de vida, histórias da escola. Na Roda Gigante. E, dois anos depois, também editado o romance já mencionado.
A tua veia literária não está desligada da escola onde leccionas e mostras a tua criatividade. Que tens feito aí? Que projectos tens nesse campo?
Na verdade, a minha veia literária não só se alia ao meu trabalho na escola como se expande para horizontes que ainda são pouco claros para mim. A prova disso até ao momento é o livro Roda Gigante e o próprio romance. Confesso que é difícil  para mim ( ou quase impossível) dar aulas segundo o velho paradigma. A principal responsável é certamente a criatividade, que tem sido imprescindível para lidar com o caos que, ano para ano, se instala nas salas de aula, com alunos muito instáveis e desconectados da realidade escolar. Como professora, tenho respondido a este desafio usando muita imaginação, criatividade, paciência e sobretudo amor. O projeto da Oficina de Escrita Criativa e de Ficção, alicerçada na visão holística da vida, no novo paradigma da educação e o método “ Educura” tem a assinatura  da força interna  que move os novos tempos. Começa por ser algo embrionário no início deste século, torna-se algo mais visível a partir de 2011, com divulgação nas escolas e universidades, em Portugal e na Alemanha. Neste momento, este trabalho é de facto o que  renova e refresca as minha aulas, que permite compreender e abraçar “ o caos da nova energia”, enquanto  ajudo lenta e pacientemente os alunos a elevarem a consciência para algo que eles e nós adultos ainda não conhecemos. É por esse motivo, que há que respeitar tudo o que se passa aqui e agora, enquanto o novo dissolve o velho, e o medo é transmutado em amor e renovação. A escola onde hoje leciono é um terreno difícil mas fértil para desenvolver este trabalho pioneiro, no sentido em que se afasta cada vez mais do modelo de escola “ fábrica”.
E já que falamos em projectos, o que tens em mãos? Que se pode esperar de ti no futuro?
Já a decorrer, desde novembro de 2015, na Escola Secundária Almeida Garrett de Gaia encontra-se a Oficina de Escrita Criativa e de Ficção, para alunos e professores, conjuntamente com pais e encarregados de educação. Este mês, começa na Biblioteca da minha escola, José Macedo Fragateiro em Ovar, e, em Fevereiro, o projecto terá lugar no Instituto de Emprego em Aveiro. O que podem esperar de mim é amor incondicional e toda a ajuda possível para humanizar a escola e reequilibrar as nossas crianças e jovens, conectando-as com valores como benevolência, integridade, clareza e tolerância.
E qual é, nesta tua criação, o teu público-alvo? Quem é que queres “atingir” com a tua mensagem?
Nesta minha criação (ou cocriação), o meu público-alvo é todo o ser humano, independentemente da idade. A verdade sobre nós próprios parece que não é exatamente como nos contaram no passado. Temos hoje cada vez mais sinais de que estamos a sair de uma “ mentira”, com a possibilidade de caminharmos sobre este planeta sem recurso constante ao modo de sobrevivência e ao ego. Quando mais de metade da humanidade ascender, espiritualmente falando, com consciência disto, vivendo com a autoestima em pleno e fazendo uso da inteligência corporal inata, teremos finalmente saído do caos. Tudo isto pode levar ainda muito tempo, e a minha mensagem tem a intenção de “ atingir” os que duvidam e os que estão a despertar.
No campo da literatura pode dizer-se que és uma mulher realizada?
Há no meu íntimo indícios que estou no caminho da autorrealização e assim a questão da literatura pode não despertar mais em mim a inquietude de produzir uma obra . Mas, como  não me fecho às experiências nem ao desejo de aprender e de me aperfeiçoar, fica tudo em aberto enquanto eu viver…

Autor: António Veríssimo
ROSA MARIA OLIVEIRA1