Uma parte do país político já está em contagem decrescente para o Congresso do PSD, outra ainda procura perceber se há alguma coisa de novo nas generalidades (quase) consensuais do Plano Nacional de Reformas, pelo que teremos tempo, e melhores oportunidades e conteúdos, para esses dois temas. Por isso o Macroscópio de hoje obedece a uma só preocupação: referir-vos textos que, por razões muito variadas, podem merecer a vossa atenção. Até por alguns deles serem surpreendentes, mas ir ao encontro de surpresas, de novidades, de outros olhares e outros conhecimentos, é em boa parte o que mais nos satisfaz quando paramos para ler e que isso nos ajuda a pensar. Não há outra lógica na selecção que se segue, que é muito heterodoxa.
Começo por um colunista que habitualmente suscita amores e ódios: João César das Neves. O texto que recomendo saiu hoje no Diário de Notícias com um título que pode parecer algo enigmático: Dinheiro não é capital. O economista parte de uma declaração de José Maria Ricciardi ao Expresso do passado fim-de-semana – “Em Portugal não há capital” – para enfrentar o problema de frente. Assim: “A economia cresce pouco ou nada porque não há capital. O país está à venda e as pessoas emigram porque não há capital. Os bancos andam anémicos, a dívida é enorme e as contas públicas não equilibram simplesmente porque não há capital. Isto é assim há décadas. Agora temos um governo que não gosta do capital, mas já antes não havia. Todos os sintomas que vemos à nossa volta mostram a falta de capital e todas as descrições da nossa crise são formas diferentes de constatar essa ausência.” Mas não fiquem por aqui, leiam o resto para verem como João César das Neves explica o caminho português até esta falta de capital – o que não significou que, durante muito tempo, nos pudesse faltar tudo menos dinheiro e a sua ilusão.
Salto agora para o Público e para João Miguel Tavares, que numa altura em que tanto se discutem as relações entre Justiça e comunicação social, coloca uma interrogação importante: Os interrogatórios a Sócrates devem ser divulgados? Muitos pensarão: mas se há segredo de Justiça, não será a pergunta inútil, pois falamos apenas de uma ilegalidade? Não é essa a opinião do colunista, cujos argumentos não vou reproduzir para além das outras questões que levanta logo a abrir o seu texto: “Imaginemos que até hoje nada se sabia do processo envolvendo José Sócrates, para além dos crimes de que é suspeito: corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. O segredo de justiça teria sido rigorosamente preservado; o Ministério Público, como é seu hábito, emitiria somente comunicados obscuros em português gongórico; e o ex-primeiro-ministro andaria entretido a fazer digressões pelas televisões e auditórios do país, queixando-se de perseguições, cabalas e urdiduras, e indignando-se perante a terrível infâmia a que estava a ser sujeito. Pergunta: enquanto participantes num espaço público, nós estaríamos mais mal ou mais bem servidos com tão cumpridora ignorância?”
Vamos agora ao Observador, onde a minha escolha recai num texto que editámos na passada terça-feira e que, por fugir em absoluto ao registo mais comum nas colunas da imprensa, merece ser aqui referido – até porque o sucesso que está a ter nas redes sociais o recomenda. Falo de Quero continuar a ser filha dos meus pais, de Laurinda Alves, no seu registo muito pessoal, mas que aborda um tema comum a cada vez mais famílias: como conviver com o envelhecimento dos pais, um envelhecimento que hoje dura mais anos pois a esperança de vida é muito maior? Como estou em crer que muitos leitores se reverão nas situações descritas, aqui deixo um pequeno extracto: “Ver envelhecer os pais não é um processo fácil e embora seja natural, traz muita ambivalência ao coração. Ficamos tristes por eles e com eles, mas ao mesmo tempo temos medo que as suas dores, as suas debilidades e a sua perda de capacidades se eternizem. Sofremos porque nos sentimos muitas vezes impotentes perante o seu seu sofrimento e a sua fragilidade crescente, mas também porque o envelhecimento dos pais nos remete fatalmente para o nosso próprio envelhecimento, que é assim uma espécie de tabu individual.”
Para terminar esta relativamente curta selecção de textos portugueses, duas últimas referências, ambas sobre educação, um tema que começa a regressar ao debate público e a que um dia destes dedicarei um Macroscópio. Por hoje, eis as sugestões:
- Ideologia e ensino técnico, de Francisco Sarsfield Cabral na Rádio Renascença. O jornalista, que tem memória de outros tempos e outras “experiências”, reflecte brevemente sobre a intenção do Governo de extinguir os cursos vocacionais para o ensino básico. Na sua opinião vai-se repetir um erro cometido há 41 anos: “Em 1975, o ministro Rui Grácio acabou com os cursos técnicos ministrados nas escolas comerciais e industriais, argumentando que reforçavam a “dualidade dominante-dominado”. Cedo se percebeu que esta decisão ideológica prejudicava toda a gente, desde os alunos sem aptidões nem vontade para prosseguirem os estudos até às empresas que necessitavam de operários especializados.” Agora, acrescenta, as motivações serão exactamente as mesmas, isto é, “pura ideologia”.
- Parvoíce em Estado Puro foi publicado no blogue O Meu Quintal, de Paulo Guinote. O pretexto é uma frase do primeiro-ministro dirigida a Pedro Passos Coelho durante o último debate quinzenal – “A sua estratégia é só uma, é a crença de que, quanto mais exames, mais chumbos existem, e que, quanto mais chumbos, melhor se apura a raça dos eleitos” –, uma frase que o desgostou especialmente. Por estas razões, entre outras: “Já me cansei de tentar que se distinguisse uma prova final com 30% de peso na classificação de um exame eliminatório. É escusado; pior do que gente burra é aquela gente que sabe que está a distorcer a verdade mas o faz por conveniência demagógica e populista. É o que acho de muita gente do PS e do Bloco a este respeito. Sabem que estão a falsear a verdade, mas insistem nisso. Tal como nos tempos de MLR ou Crato é inútil tentar manter um diálogo ou debate racional, porque eles não estão sequer disponíveis para isso.”
Saio agora do nosso rectângulo mas continuo a referir o tema da educação, só que agora para sugerir uma leitura histórica sobre Esparta e a educação espartana. La agogé espartana, el entrenamiento extremo que daba por resultado los soldados más letales de Grecia, um texto editado no espanhol ABC, surpreende pela quase crueldade (o quase está a mais) dos métodos utilizadas naquela cidade da Grécia Antiga. Por exemplo: “El Estado organizaba a los niños en bandas («agelai»), supervisadas por magistrados, que incentivaban el liderazgo natural a través de la selección de cabecillas. Su vida era austera, espartana. Los jóvenes dormían sobre lechos construidos con juncos, cortados de las orillas del río Eurotas, y disponían de un solo manto para todo el año. Con el tiempo se acostumbraban al dolor. De hecho, la mayor parte del tiempo permanecían desnudos y mugrientos, porque raramente se les permitía bañarse. Se les privaba de alimentos, obligando a los niños a robarlos en los campos locales. Esto era en sí una trampa, porque si pillaban a los niños robando se les castigaba con brutales castigos físicos.” Ou seja, nem tudo na Grécia Clássica era tão glorioso e humanístico como hoje pensamos.
Mudo agora radicalmente de tema e passo para banca porque o mais influente jornal financeiro europeu dedicou hoje um trabalho de fundo aos problemas não resolvidos dos bancos europeus. E que exemplo escolhe para ilustrar esses problemas? O Novo Banco. European banks: New rules, old problemsrecorda o que se passou com o antigo Banco Espírito Santo, descreve com detalhe o processo de resolução iniciado em Agosto de 2014 – é de resto por aí que o texto arranca – ao mesmo tempo que enumera outras situações complicadas noutros países europeus. Conclusões? Que ainda estamos longe de ter encontrado as melhores regras e as melhores práticas regulatórias: “Even without a Titanic moment, these accumulated changes have an impact. Banks are braced to pay more to borrow from the markets, potentially adding costs to the loans they make to households and businesses. The struggle to price risk is linked to uncertainty. Many analysts suggest one of the biggest sources of uncertainty is the regulations themselves. “Investors open the newspaper every day and read about new proposals and they don’t know what to make of it,” says Mr Petrov. “The reality is there’s no getting away from the too big to fail issue.”
Deixei propositadamente para o fim a proposta de leitura eventualmente mais provocatória: uma entrevista da Spiegel a Frauke Petry, a “outra” mulher da grande política alemã, a líder do partido que ameaça desestabilizar o sistema político. O AfD, Alternativa para a Alemanha. 'The Immigration of Muslims Will Change Our Culture' uma entrevista muito combativa onde a entrevistada rejeita os rótulos que habitualmente são colados à sua força política. Não deixem de ler, porque tem passagens surpreendentes. E ideias claras, concorde-se ou não com elas: “Germany's currency and migration policies are currently destroying European solidarity, and the return to the idea of one's own nation in all European countries is a natural corrective to Brussels centralization. We believe that a healthy patriotism should be natural in Germany. This stance includes taking responsibility for our history, but it also presupposes a healthy relationship to our identity, without which it's impossible to act in a forward-looking manner both domestically and externally. We think it's wrong that German politicians are exclusively wrapping themselves in the cloak of guilt.”
E por hoje fico por aqui. Espero que, sendo o menu variado, alguma destas sugestões vos tenha interessado. Tenham bom descanso e boas leituras.
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