sábado, 8 de abril de 2017

ANDRÉ JORDAN “O nosso Turismo é Zara e tem de passar a ser Louis Vuitton”

84 anos de idade e mais de 40 de investimentos em Portugal. André Jordan fala do estado do setor e diz que Portugal tem de dar um salto qualitativo. 

Fotografia: Filipe Amorim/Global Imagens
Fotografia: Filipe Amorim/Global Imagens
É conhecido como o pai do Turismo em Portugal. O setor não pára de crescer e romper recordes, pela primeira vez na história. Portugal está finalmente na moda?

Primeiro, eu oiço essa história de que sou o pai do Turismo. Se sou o pai, quem é a mãe? A mãe deve ser Portugal, não é? Segundo, acho graça terem descoberto o Turismo. Porque essas coisas todas, eu venho falando há 40 anos, com muito pouca influência real. Por um lado, as pessoas dizem “esse homem”, ainda hoje me disseram que eu devia dar um nome ao aeroporto de Faro. Mas na prática, quando a gente vai falar com as autoridades e quem determina políticas, há muito pouca aceitação de ideias que sejam novas e fruto da experiência. Por outro lado, houve durante muitos anos uma incompreensão de que o Turismo era ligado ao imobiliário. Os hoteleiros da época, que eram pessoas com pouca sofisticação no mundo dos negócios, achavam que o imobiliário roubava clientes ao Turismo, quando não é nada disso. O Turismo alimenta o imobiliário mas o imobiliário também alimenta o turismo. 
E foi isso que se descobriu agora e que está a alimentar a vinda de mais pessoas?

É uma das razões. Eu acho que as coisas estão a correr bem, de certa maneira, por mais razões. Enquanto realmente Portugal está na moda, as pessoas descobriram Portugal, e descobriram por várias razões… mas vêm porque é barato. As pessoas adoram Portugal, mas adoram ainda mais porque é barato. 

Então quem vem tem o menor poder aquisitivo do setor do turismo. Há pequenos nichos de pessoas com mais capacidade aquisitiva e que conhecem melhor o que Portugal tem para oferecer. Nós precisávamos de transformar o Turismo, agora, já, num motor do desenvolvimento de Portugal, como plataforma de investimentos e sede base de empresas, indústrias, serviços de toda a espécie para servir a Europa e até fora da Europa, África… 

Como é que se consegue dar esse salto?

Através da promoção, de marketing, de vender os atributos, as qualidades, e os contactos. Tem de se contactar, ter uma ação proativa, junto das grandes empresas, escritórios comerciais, Câmaras de Comércio…Tem de haver uma atitude muito mais proativa. Repare, nós descobrimos que temos aqui no Belas Clube de Campo 26 nacionalidades residentes, que não sabíamos. 

Porquê? Porque somos já um país internacional, já é uma realidade. E estas pessoas estão aqui, trabalham em empresas estrangeiras, e escolheram Portugal como base porque temos tudo. Vamos para Copenhaga. É uma bela cidade, mas às nove horas já não há ninguém na rua. Portugal é um país com muita vida, e com clima muito especial, e um ambiente muito agradável. 

Mas tem de levantar a fasquia, e apostar em marketing para trazer os grandes grupos, as grandes empresas, os profissionais liberais que podem ter aqui a sua base. Da mesma forma que está a gravar esta conversa por telemóvel, eles também podem trabalhar daqui para o resto do mundo. A única diferença é a telefónica, porque já não há qualquer dificuldade de comunicação. 

E é esse aspecto que temos de aproveitar. Portugal é um país civilizado, seguro, tem paz social, não tem problemas raciais, todas essas coisas que, afinal, por exclusão todos os outros têm. Fora talvez Brasil, que tem outro tipo de problemas, mas também não tem problemas raciais, não há confrontações de nenhuma espécie em Portugal. E há uma vontade de concórdia. Os portugueses têm vontade de se dar bem, de se entenderem. Quando temos um professor sofisticado como o Francisco Louçã como líder da Esquerda, estamos óptimos. Um gentleman. 

E as pessoas sabem disso? Conhecem as maravilhas deste Portugal que também o conquistou em 1971?

Não sabem, mas têm de saber, aí é que está.
E é trabalho de quem?

É trabalho das instituições privadas, das Câmaras de Comércio, Associações empresariais, da Indústria e do Governo. Tem de haver um trabalho conjunto para promover Portugal por todas as suas qualidades e atrativos e pela sua sobriedade e discrição que também é uma coisa que está na moda. 

O show-off acabou. As pessoas não querem mais show-off. Enquanto há meia dúzia de bilionários russos que têm aviões, os parques de aviões privados nos EUA e no mundo, estão cheios de aviões à venda. Porque as pessoas que têm aviões estão a vendê-los. Já acabou essa moda do supérfluo. E nós temos uma boa posição na Europa para esta nova fase. Temos a concorrência da Arábia, da Ásia, dos EUA, mas a Europa está muito voltada para o supérfluo. 

O homem mais rico da Europa é o dono da Zara, e o homem mais rico da França é o da Louis Vuitton. Eu até brinco e digo que nós somos turismo Zara e temos de ser turismo Louis Vuitton. Mas mostra que nós estamos muito dependentes da indústria do luxo e do supérfluo e por isso também temos de por um acento no serviço. Vender serviços que vão subindo de sofisticação e quanto mais evoluíram mais dinheiro vão gerar para coisas mais sofisticado. 

Sente que o governo trabalha nesse sentido?

Hoje em dia eu não estou nem no turismo diretamente, nem nas organizações, não tenho contacto direto…Mas penso que quando se diz ‘ah este ano tivemos 400 menções nas publicações internacionais’, é muito pouco – 400 ou 4000. Eles acham que é muito mas é muito pouco. Pensem nas milhares de publicações que há, se uma dá uma nota de reportagem por ano, não tem impacto.

Mas o pior não é isso. Se formos analisar o conteúdo daquelas notícias, 90% põem o acento tónico no facto de sermos baratos. Ou seja, a relação qualidade custo em Portugal é muito favorável ao turista. E por outro lado, os turistas que vêm são dos países ricos. E nós não somos um país propriamente rico. Então, não é justo nós estarmos a subsidiar as férias das pessoas dos países ricos. 

Mas há público, tanto qeu os seus empreendimentos estão cheios. 

Absolutamente, mas porque eu tenho feito o meu marketing. Tenho ido ao nicho que interessa. 

E considera que isso não acontece com o País em geral?

Não tem sido feito como deve ser, como interessa fazer. Porque é uma oportunidade fantástica esta que Portugal tem e que pode torná-lo numa plataforma. De alguma forma já vamos sendo, os chineses têm mais dinheiro investido em Portugal do que em qualquer outro país da Europa. E podemos ser para África, Brasil e mesmo para países Europeus.

Agora com a saída da Inglaterra da UE, muitas empresas podem vir para cá. E estão a ser disputadas. E não é por países pobres, é pela própria Inglaterra, por França…Mas nós temos argumentos, e os ingleses gostam de nós, e hoje temos produtos e facilidades…Quando eu vim para Portugal não havia escritórios, e os escritórios eram ao longo da Avenida da República, dentro de apartamentos e a antiga cozinha era usada como arquivo e não havia estacionamento.

Hoje somos muito sofisticados, é uma evolução enorme. Como é que um país que não tem grandes projetos arquitetónicos ao longo do tempo, tem dois arquitetos Pritzker. Que países é que têm dois Pritzker?

E esse hub, esse Portugal como base, como seria?

Uma plataforma de abrigo dos grandes capitais, de organizações, dos profissionais. Você pode ser um advogado internacional em Lisboa, perfeitamente. Aliás, os nossos escritórios de advogados principais estão todos ligados a escritórios internacionais e trabalham daqui. O Skype então é uma coisa formidável. 

E em que sitio ficam as companhias aéreas low-cost, e que peso têm neste segmento mais elevado e que cria valor? 

A low-cost é uma coisa muito interessante porque não há dúvida que os ricos são mais práticos e, para valorizarem o seu dinheiro, os ricos europeus não se importam nada de viajar barato e gastar o dinheiro aqui. 

Portanto não é só para os bolsos mais vazios.

Exacto, preferem o destino ao transporte. Duas horas de viagem, 800 euros para vir de Londres a Lisboa em Executiva, quando eu pago 100 na easyJet ou Ryanair, etc. Eles contribuíram muito positivamente para este estado das coisas, mas é claro que a maior parte dos aviões tem passageiros com um nível económico mais baixo. Mas é muito positivo.

Então não acompanha os que dizem que uma viagem low-cost traz apenas público low-cost e mau do ponto de vista do retorno para a economia. 

Eu até quero dizer que não há público mau. Todo o público é respeitável, são jovens, estudantes. Mas há pouco tempo estava em Genebra e uma das secretárias disse-me ‘Oh Portugal j’aime Portugal. Estive em Lisboa com o meu namorado’. E eu perguntei ‘então e o que fizeram?’ E ela disse que passearam apenas na rua. Não gastam.

Andaram pelas ruas, acharam tudo adorável, e foi uma experiência em que não gastaram, mas apaixonaram-se por Portugal. E eu percebo porque também me apaixonei por Portugal em apenas dois dias e estou aqui quase há 50 anos. Entendo perfeitamente este amor súbito. 

E este amor súbito e estas maravilhas são fáceis de transmitir a povos de valores tão diferentes como os do Médio Oriente e Ásia? – serão o maior público emissor de turistas das próximas décadas. 

Vou dar uma resposta mais ampla: a força da cultura europeia ainda é o maior ativo que os povos da Europa têm. Quando você vai a Tóquio ou a Pequim e a orquestra sinfónica local está a tocar Beethoven, é porque nós ainda temos atração para os outros povos. 

Na altura em que a China usava fatos Mao, todos usavam a mesma roupa, mas quando isso terminou passaram a utilizar Armani. Querem vestir-se como nós. Eu estive numa loja de roupa de homem, em Nova Iorque, e o diretor da loja – uma marca muito famosa – era um antigo embaixador do Irão nos Estados Unidos, do tempo do Xá, e estabelecemos uma conversa e ele disse-me que me ia mostrar uma coisa que eu não podia comentar. Levou-me ao escritório e mostrou-me uma fotografia dele, do alfaiate e do Obama e outra dele, do alfaiate e do Putin. 

…e estavam iguais.

Ele fez a mesma roupa para os dois e isto mostra que o peso da cultura ocidental tem um peso enorme. 

Fonte: Dinheiro Vivo






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