Com enorme proveito acabei de ler Return to Order, de John Horvat II, livro enriquecedor para quem pretenda conhecer sem clichês os Estados Unidos e vislumbrar as encruzilhadas. Convém lembrar que seu rumo nas bifurcações repercutirá rapidamente na nossa vida.
Encantaram-me a nitidez das percepções e a coragem das definições, coisa hoje rara. Reverenciamos a bravura do soldado, a valentia do pai de família, e tantas outras. Existe também a fortaleza do intelectual, dela se trata aqui — o amor à objetividade o obriga por vezes a gravar no papel, conscientemente, palavras que destruirão o êxito profissional e até a nomeada social. Acontece então que a escravidão à verdade o atira sem volta no ostracismo. O pior dos erros é acertar sozinho contra muita gente, constatava amargo e risonho Agripino Grieco.
Volto ao livro. Em visão de conjunto, com base segura em pensadores como Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, assim como em papas como Leão XIII e Pio XII, Horvart interliga moral, economia, cultura, civilização. Desbravador arrojado, ele chegou ao topo do morro e de lá descreveu panoramas novos. Traz explicitações com força difusora, chegará o dia em que tais ideias, ainda largamente desconhecidas de momento, granjearão amplo assentimento.
Por isso, Horvat correu riscos — o primeiro, a incompreensão; o segundo, o isolamento. Contudo, quis assim, tornou-se credor de justa admiração. Com efeito, não existe ali apenas agudeza de análise, assoma nítido o desassombro, em especial quando demole barreiras fincadas pelas batidas tiranias das modas do pensamento.
Entre sem-número deles, respigo dois exemplos de importância decisiva para os Estados Unidos, a pátria da liberdade e, em decorrência, das mais amplas possibilidades de escolha. Largada: a que conceito de liberdade aderir? Abraçar qual noção de escolha? Daqui nascem diferentes, por vezes contrários, estilos de vida, hábitos, culturas, até civilizações. O autor pôs pingos em vários iis: “Muitos confundem liberdade com escolha. Não se dão conta de que liberdade é a faculdade de escolher os meios para determinado fim, percebido como bom e de acordo com nossa natureza. Não é a própria escolha. Quando alguém faz uma má escolha ou escolhe um fim ruim, o resultado não é a liberdade, mas uma forma de escravidão às paixões. Dessa forma a pessoa que come demais, quando satisfaz a fome natural, ou quando escolhe um vinho excelente, procurando se embebedar, não exercita a verdadeira liberdade, mas abusa dela. Quanto mais dominamos nossa natureza, mais livres somos. A virtude sobrenatural nos confere maior liberdade, pois não apenas dominamos nossa natureza, mas a ultrapassamos”.
A seguir lembra texto de Santo Tomás de Aquino a respeito, comentado por Leão XIII na encíclica Libertas Praestantissimum. Ensino do Papa: “Da sua doutrina [de santo Tomás de Aquino] resulta que a faculdade de pecar não é uma liberdade, mas uma escravidão”. O Papa recorre ao Doutor Angélico: “Todo ser é o que lhe convém segundo a natureza. Logo, quando se move por um agente exterior, não age por si mesmo, mas pelo impulso de outrem, o que é próprio de escravo. Ora, segundo a natureza, o homem é racional. Por isso quando se move segundo a razão, é por movimento próprio que ele se move, e opera por si mesmo, o que é essência da liberdade; mas, quando peca, procede contra a razão, e então é como se fosse posto em movimento por outro e sujeito a dominação estranha”.
O segundo exemplo tem importância semelhante, se não maior. John Horvat não busca na economia nem na sociologia as razões dos problemas maiores que atormentam o País. Esburaca mais fundo, coloca a intemperança como grande fator da crise nos Estados Unidos, não importa o âmbito. Vai além, qualifica-a: intemperança frenética, a intemperança em estado de frenesi.
Uma das definições da intemperança frenética: “É um impulso inquieto, explosivo e implacável no interior do homem que se manifesta na economia moderna 1) pela destruição de limites legítimos; 2) pela satisfação de paixões ilegítimas. Anima impulso econômico subjacente cujo efeito pode ser comparado ao de um acelerador ou regulador estragado que desnatura uma máquina de bom funcionamento, desequilibrando-a”. E põe a nu muitos de seus efeitos na economia. Ele faz o mesmo em outros âmbitos — na academia, na cultura, na política —, o que confere grande unidade ao trabalho. Presencia o leitor uma abordagem inovadora em quase 400 páginas de brilhante análise, iluminada ao mesmo tempo pela luz da religião, da psicologia, da moral e da história, a perder de vista mais esclarecedora que os exames compartimentados habituais.
John Horvat enraíza a intemperança frenética na explosão de orgulho e sensualidade que deu origem às revoluções nos Tempos Modernos, como está na obra Revolução e Contra-Revolução de Plinio Corrêa de Oliveira. Pondera o autor: “Para entender esse impulso subjacente, devemos ter em mente sua natureza frenética. Não estamos falando da mera temperança que leva para a simples ganância ou ambição. Sempre prejudicaram o homem. Também não confundimos intemperança frenética com a legítima e enérgica atividade de negócios e sua aceitação do risco que gera prosperidade. Intemperança frenética é uma expansão explosiva dos desejos humanos além dos limites tradicionais e morais”. No trabalho, tal conceito é aplicado aos mais variados âmbitos da vida humana, o que lhe traz grande unidade.
Por imposição lógica, a solução para a crise atual reside, em raiz, na prática da temperança, vista em conjunção com as outras virtudes cardeais, prudência, justiça, fortaleza. Fazia falta lembrar tais verdades, em especial quando trabalhadas por autor que sabe ver e refletir.
Fonte: ABIM
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