sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Macroscópio – Há novas crises à espreita na Europa. São é políticas

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
A Europa parece tranquila. A crise económica é coisa do passado – pelo menos enquanto continuar a haver dinheiro barato. As eleições holandesas e francesas já foram o ano passado, e os populistas não ganharam. Angela Merkel está a caminho do seu quarto mandato como chanceler. Até os independentistas catalães parecem ter percebido o erro do seu salto no vazio. Contudo... Contudo o quarto governo de Merkel está a ter um parto difícil e triste, próprio do ocaso de uma estadista que marcou a Europa nos últimos 12 anos. E na Itália a situação é tão estranha que até já se deseja o regresso de Berlusconi.
 
De todas estas situações falámos esta semana no Conversas à Quinta, As crises silenciosas que desestabilizam a Europa. Sobre estes tempos perigosos, vale a pena ouvir as reflexões sempre interessantes de Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto. São a melhor introdução ao tema desta newsletter, na qual me centrarei sobretudo no que se passa na Alemanha e em Itália.
 
Há menos de um mês (mais exactamente a 22 de Janeiro) dediquei um Macroscópio à situação na Alemanha, mas o desenvolvimento das negociações para formar uma coligação CDU/CSU/SPD, o mal estar que o resultado final criou tanto no centro-direita de Merkel, quer no centro-esquerda de Schulz, o comportamento quase patético do líder do SPD que terminou com a sua demissão e, por fim, a indefinição sobre o resultado do referendo interno no SPD justifica que referenciemos mais alguns textos, quase todos eles sublinhando a debilidade da solução encontrada.
 
Começo com uma análise bastante dura de Josef Joffe, membro do conselho editorial do Die Zeit que, no Politico, escreveu sobre Angela’s Merkel government of losers. Esta ideia tem como ponto de partida o resultado das eleições do ano passado – “Last September, Merkel’s conservative alliance shed almost 9 percentage points compared to 2012. Crashing down to 20 percent, the SPD lost 5 percentage points. (...) Added up, this means that Merkel’s grand coalition was decimated in September, its losses totaling almost 14 percentage points. It was a popular vote of no-confidence. The fact that these same losers are now forming a new government sounds like a cosmic joke.” Como se isto não fosse suficiente contra-recomendação, há ainda um desastroso líder (agora ex-líder) do SPD, já que “Schulz best embodies the “Peter Principle,” which decrees that everybody will be promoted to the level of his own incompetence”. Não surpreende pois que o texto termine de forma sombria: “In London, the prime minister is sinking. Spain is being torn asunder by secessionism. Italy is in thrall to caretaker governments and elections are likely to only bring more instability. And now Germany, the rock of the ages? It is even odds that Merkel will not last out her term.”
 
No passado domingo João Marques de Almeida também reflectiu no Observador sobre o que considerou ser O fim de Merkel, e também ele mostrou preocupação com uma evolução política cheia de perigos: “Ninguém o quer reconhecer, mas há uma crise política na Alemanha. O partido anti-europeu foi o terceiro mais votado e as principais forças políticas não conseguem arranjar uma solução de governo forte e credível, e esta última versão da grande coligação não o será seguramente. Na Europa, a maioria quer continuar a viver na ilusão da normalidade, representada pela grande coligação. Mas a política alemã chegou ao fim de um ciclo, mesmo que a CDU e o SPD acabem por formar governo. Já começou a transição para o pós-Merkel. A dúvida imediata será sobre o tempo que durará a transição. Há, no entanto, uma dúvida muito maior. Que Alemanha teremos depois de Merkel? É a questão mais importante da política europeia.”
 
No El Pais, Antonio Navalón, em Más de lo mismo, alertou para a subida dos partidos que contestam o consenso e os equilíbrios alemães do pós-guerra: “Actualmente, los partidos políticos que representan la fuerza del sentimiento antisistema no tienen una tendencia ideológica concreta porque, sencillamente, su ideología consiste en destruir un sistema que ya caducó. Y el biotipo de los líderes de esas fuerzas corresponde a la generación de Internet, mientras que los representantes del viejo orden como Merkel y Schulz son políticos que vienen de los últimos años del siglo XX.”
 

No centro de todas as tensões está a evolução do SPD, onde existe uma guerra aberta em torno do referendo e onde a machadada final nas aspirações de Schulz a sobreviver como ministro dos Negócios Estrangeiros foi dada pelo anterior líder do partido, Sigmar Gabriel, que era precisamente quem ocupava esse lugar. Fê-lo dando conta a um jornal do desabafo da sua filha, uma história que o Politico contou em As Germany waits, Social Democrats settle scores: “Now you have more time to spend with us and that’s better than being with the man with hair on his face,” Marie’s father reported her as saying upon learning he would no longer be foreign minister.” O “homem barbudo” era naturalmente Schulz e esta inconfidência um sinal de Gabriel não gostou nada do “chega para lá” do antigo presidente do Parlamento Europeu. Foi o golpe de misericórdia: “Schulz, his credibility in the party already severely impaired after flip-flopping on the grand coalition and his own future in it, was then forced to relinquish both his chairmanship and his ambitions for a ministerial appointment amid pressure from Gabriel’s powerful allies.”
 
Há no entanto quem esteja muito preocupado com a turbulência nas fileiras social-democratas. O politólogo Claus Leggewie apela mesmo, em Could coalition save the Social Democrats?, no Handelsblatt, a que se tenha em consideração os exemplos do passado para não repetir erros trágicos: “I recalled the historic role of the SPD above, and I want to underline this point once again, as the party stews in its own juices. Its role is not measured by the sensitivities of its vain leadership, but by the current situation in Europe, which it would not be alarmist to compare to the situation in Germany during the Weimar Republic of the early 1930s. The right wing is on the move, including in eastern Germany, where all the state parliaments could fall to the far-right Alternative for Germany party in the next two years. Leaders such as Ms. Merkel are weakened, and the European Union, lacking leadership, is being left to slip into crisis. We are like sleepwalkers.”
 
Wolfgang Münchau, o colunista do Financial Times, também se mostrou inquieto em Germany gets a taste of grassroots revolt: “The big question is whether Mr Schulz’s sacrifice will be sufficient to persuade a majority of SPD members to vote in favour of the grand coalition. The SPD’s leadership has come out of this looking like treacherous plotters. It must surely be tempting, from the perspective of an SPD member, to get rid of them and seek a new start. One lesson from the UK referendum is that the outcome was fundamentally uncertain. The notion that the Brexit vote was inevitable — or that a second Brexit vote would necessarily result in this or that outcome — is nonsense. The uncertainty is fundamental.” 
 
Mas há quem pense de outra forma, até por não apreciar os termos do acordo. É o caso do director do Handelsbatt, Andreas Kluth, que em Angela Merkel declares victory and surrendersdefende que o acordo é mau, sobretudo mais para o partido de Merkel, e representará a paralisia da Alemanha pois será sempre um governo fraco:  “The coalition agreement Chancellor Angela Merkel finally secured, 136 days after the election, is an embarrassment for her and all parties involved. But it could still be voided. Germany should hope it will be.” Ou seja, Kluth faz figas para que as bases do SPD chumbem o acordo de coligação.
 
Por fim, para uma descrição mais factual do que se passou, remeto os leitores para o trabalho de fundo da Spiegel, Chaos in Berlin: Schulz, Merkel and How Not to Negotiate a Coalition, onde, em síntese, se mosta como “It looked like Martin Schulz of the Social Democrats had finally one-upped Chancellor Merkel. But then, just as his party secured key cabinet positions in Germany's potential new government, he messed everything up. And Merkel's position isn't much better.”
 
Antes de passar a Itália há ainda mais um texto que me pareceu especialmente interessante, apesar de não abordar directamente a crise política, antes descrever as ondas de choca provocadas pelo romance de estreia de um jovem escritor e jornalista. Em Uncomfortable questions for Merkel’s Germany, Frederick Studemann considera no Financial Times que “The Merkel years may have brought stability at home and respect abroad. But the grand coalitions that she seems to like so much (...) have also hollowed out the political centre and stimulated the extremes. The chancellor may well secure her fourth term, but it is unlikely to be greeted with much enthusiasm. Germany’s political class is already contemplating life after Ms Merkel. What that will look like remains unclear, but many sense that it may not be as comfortable as now. Or as Strauss put it in a recent article entitled “Germany snoozes”: “The tax receipts rise, satisfaction rises towards the immeasurable. But when the beautiful weather turns, the winter storms are unleashed, then sleep will once more be less peaceful.”
 

Mas passemos a Itália e comecemos por tentar perceber o porquê e o como do regresso de Berlusconi à ribalta, o que podemos começar por fazer pela mão de João Almeida Dias e do especial do Observador Ciao, Berlusconi? O regresso do homem que todos julgavam estar acabado. É um texto que começa por recordar como Berlusconi vendeu o seu primeiro andar e recorda a sua ascensão, queda, ressurreição, nova queda e, agora, novo regresso. Porém, “apesar de as sondagens lhe serem favoráveis, o êxito do Forza Italia está longe de ser certo. Na maioria dos estudos de opinião, a Liga está a morder os calcanhares ao partido de Silvio Berlusconi. E, no caso de a Liga ficar em primeiro entre aquele bloco, Matteo Salvini já garantiu várias vezes que é ele quem deve ser primeiro-ministro”.
 
A situação é volátil, colunistas como Wolfgang Münchau até falam da Italy’s political threat to Europe, considerando que “Markets are too complacent about the parliamentary election next month”. Há de facto muitos motivos de preocupação numa eleição em que temas como a vacinação obrigatória podem influenciar muitos eleitores, como explica o Politico em Vaccine debate gives Italian election campaign a shot in the arm.
 
Não surpreende por isso que Jorge Almeida Fernandes coloque, no Público, a pertinente questão sobre Quem respeita a Itália?Nele sublinha que “O que potencia a “ameaça populista” é o grau de debilidade e fragilidade política dos partidos clássicos. Com a derrota no referendo de 2016, o PD deixou de ser capaz de defender o seu balanço de governo e foi isso que abriu a porta ao regresso de Berlusconi.”
 
Na mesma linha escreve o analista Paul Taylor no Político, em Italy can’t get no respect, um texto onde recorda que a Europa já se enganou várias vezes relativamente a Itália: “The European establishment would love to see a grand coalition of pro-European center-left and center-right emerge in Italy, preferably under Gentiloni’s leadership, but democracy and an angry electorate may get in the way. EU leaders made similar last-minute efforts to support previous Prime Minister Matteo Renzi ahead of a December 2016 referendum on constitutional reforms designed to make Italy more governable. He lost anyway and resigned.” Por isso, “This time the result could be even more awkward: a long period of political paralysis. Or, in a worst-case scenario, a Euroskeptic government in Rome, including far-right, anti-immigration populists.”
 
Mas talvez a análise mais curiosa e interessante que vi foi a de Alberto Mingardi, de um think tank de Milão, onde, sem glorificar Berlusconi, se explica bem por que razão ele acaba por surgir hoje como o candidato do establishment. Fá-lo em Silvio Berlusconi, the candidate of calm, também no Politico: “at a time when Italy needs someone to calm the waters, the scales could tip in favor of safety. It is true that Berlusconi appears worryingly old and sometimes confuses his own points. But 24 years after he entered Italian politics promising a free market tsunami that never happened, his own life and story makes him the only candidate who represents the calm, still waters of the status quo.”
 
E por hoje é tudo. Num fim-de-semana em que a actualidade informativa será dominada pelo Congresso do PSD, convém não esquecer que as nuvens não desapareceram todas dos céus da Europa. De resto, tenham bom descanso e boas leituras. 

 
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