O ambiente local – social e construído – promove modelos de discriminação na prática desportiva infantil baseada no sexo, contribuindo bastante para a obesidade em meninas. A conclusão é de um estudo realizado por uma equipa do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde (CIAS) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).
Trata-se de um estudo pioneiro que avalia a relação entre o ambiente e as diferenças de género na atividade física e nas taxas de prevalência da obesidade infantil.
A equipa, liderada por Helena Nogueira, começou por avaliar em que medida a atividade física influencia a prevalência da obesidade infantil por género. Foram avaliadas 2253 crianças de 19 escolas públicas e privadas do distrito de Coimbra, com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos (49,3% meninas e 50,7% meninos). Observou-se que as meninas apresentaram valores mais altos de excesso de peso e obesidade em comparação com os meninos (25,1% e 20,1%, respetivamente). Verificou-se, sem surpresa, que o envolvimento em práticas desportivas organizadas fora da escola é significativamente maior nas crianças do sexo masculino (73,8% nos meninos e 66,5% nas meninas). Observou-se ainda que a prática desportiva tem um impacto positivo no peso das meninas, revelando pouca influência no peso dos meninos.
Com base nestes resultados, os investigadores tentaram identificar os fatores ambientais que explicam a diferença de género na obesidade infantil. Para tal, avaliaram a oportunidade de prática desportiva no concelho de Coimbra através de um questionário realizado em ginásios, associações e clubes desportivos, entre outros, com oferta formal de atividades desportivas para a faixa etária entre os 6 e 11 anos.
«Efetuámos o levantamento das atividades disponíveis e estabelecemos três categorias de frequência - mistas, isto é, frequentadas por ambos os sexos, modalidades só frequentadas por meninas e modalidades só frequentadas por meninos – e descobrimos que a oferta é muito desequilibrada, penalizando fortemente as meninas», relata Helena Nogueira.
Ao todo responderam 33 instituições, verificando-se que a disponibilidade de atividades desportivas é discriminatória. «Das 23 modalidades identificadas, 13 apresentam frequência mista, 7 são frequentadas exclusivamente por meninos e apenas três estão voltadas para as meninas (dança, ballet e ginástica). Esta realidade prejudica as oportunidades de as meninas praticarem desporto fora da escola, o que é, só por si, uma desvantagem social», sublinha a investigadora.
Segundo a também docente do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, as conclusões deste estudo, publicado no American Journal of Human Biology, sugerem várias reflexões: «verificou-se que a prevalência da obesidade é maior em crianças de classes sociais mais baixas, que são também as que têm menos condições de pagar atividades desportivas fora da escola. Por isso, não só é necessário criar mais oportunidades para as meninas se envolverem nos seus desportos favoritos, como também proporcionar modalidades desportivas para a frequência fora da escola a um custo que as famílias com menores condições económicas possam suportar».
Como medidas para combater a epidemia da obesidade infantil e promover a igualdade de género na prática desportiva, a investigadora preconiza, por exemplo, «a atribuição de incentivos (subsídios) de apoio às instituições que oferecerem às crianças mais pobres oportunidades de acederem à prática de desporto fora da escola; a alteração do currículo no ensino básico, introduzindo mais tempo para atividade física obrigatória».
Este estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e faz parte do projeto de investigação “Desigualdades na obesidade infantil: o impacto da crise económica em Portugal de 2009 a 2015”, coordenado por Cristina Padez.
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