Neste artigo, o autor censurou severamente as farândolas carnavalescas de 1935. O que diria ele dos carnavais de hoje? |
Plinio Corrêa de Oliveira
Aonde foi parar o velho carnaval paulista, todo feito para alegrar as pessoas? Cedeu seu lugar a um carnaval exclusivamente sensual, em que a alegria dos espíritos não é mais uma inocente hilaridade, como a de nossos avós, mas a festa dos sentidos superexcitados. Nos três dias de carnaval, as autoridades se acumpliciam com os inimigos da ordem, agindo contra os interesses gerais da população.
Se fôssemos contar o número de pequenas economias domésticas que se desequilibram definitivamente por ocasião do carnaval, poderíamos ver até que ponto os festejos de Momo são uma bomba aspirante, que suga os tostões das classes pobres e os conduz para os bolsos entumecidos dos exploradores do carnaval.
Se fôssemos fazer a conta das doenças que os desmandos carnavalescos provocam direta ou indiretamente, veríamos que elas superam o número de pessoas curadas nos estabelecimentos de caridade, erguidos com grande sacrifício público.
Se fôssemos tomar em conta o acréscimo de criminalidade de todos os gêneros, provocada pelo carnaval, veríamos que ele rouba à virtude muito mais pessoas honestas do que a polícia, por ação preventiva, consegue roubar ao crime.
No entanto, uma inexplicável incoerência é que as autoridades dão mão forte ao carnaval. O que pode haver de sincero e espontâneo nessa alegria fictícia, estabelecida por decreto municipal, divulgada por cartazes nas ruas e fomentada por um colossal derrame do dinheiro público?
Alguém poderia considerar absurdo a prefeitura decretar aos cidadãos sua permanência em casa, chorando, durante três dias do ano. E se perguntaria qual a utilidade de tal tristeza, se o pranto é coisa que não se encomenda. Ri ou chora cada um segundo lhe correm o êxito ou as vicissitudes da sua vida particular.
Capa da primeira edição de Pagliacci (Palhaços), Milão, 1892.
Mas se reconhecemos como absurda essa hipotética tristeza por decreto, por que não reconhecer também como artificial e absurda essa alegria promulgada por uma portaria? Por que não impugnar como desprovida de sinceridade essa alegria que estoura por toda a parte? Bem ao contrário da alegria sincera e despreocupada, que há muito tempo desapareceu do coração dos homens, o rito artificial e satânico do carnaval representa uma revolta contra as dificuldades da vida de cada dia, substituindo-a por folguedos que não podem proporcionar verdadeira alegria.
Fazendo rir o povo num momento tão carregado como o do mundo atual, os promotores do carnaval fazem lembrar Pagliacci [Palhaços], a ópera de Leoncavallo. Se uma estátua do Rei Momo tivesse voz, que nos ordenaria ela senão o triste ridi pagliacci [riam, palhaços] da ópera?
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Excertos do artigo “Alegria por decreto”, de Plinio Corrêa de Oliveira, publicado em “O Legionário” de 17 de fevereiro de 1935.
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