quarta-feira, 14 de outubro de 2020

“A PURÍSSIMA DE MACAS”

 

Importante devoção mariana no Equador evoca o amparo de Nossa Senhora a seus filhos, particularmente nas suas atribulações

Paulo Henrique Américo de Araújo

Em plena floresta amazônica equatoriana, conhecida por El Oriente — a pouco menos de 30 quilômetros do imponente e ainda ativo vulcão Sangay —, encontra-se a cidade de Macas. Nela se ergue um santuário dedicado a Nossa Senhora, com o gracioso título de “A Puríssima”. A devoção e a cidade atravessaram os séculos em meio a eventos milagrosos e trágicos. Sua incrível história1 demonstra a insistência da Mãe de Deus em remover todos os obstáculos para se estabelecer na região e atrair a Si as tribos indígenas acorrentadas ao paganismo.

Desde o século XVI, quando os espanhóis chegaram a essa região da América do Sul, houve tentativas de colonização no interior da floresta. Em 1549, uma expedição partiu da cidade de Cuenca, conseguindo pela primeira vez contato com a tribo dos shuar ou jíbaros, o mais numeroso povo indígena das selvas do Equador e do Peru. A conversão desse povo era fundamental para o estabelecimento da colônia. Apesar de algum sucesso inicial dos missionários, esse primeiro projeto acabou por fracassar.

Catedral da cidade de Macas

Em 1563, com a contribuição de alguns chefes indígenas já convertidos, outra expedição se estabeleceu na vila de Nossa Senhora do Rosário. Algum tempo depois, sem que haja dados seguros do ocorrido, esse povoado desapareceu, provavelmente em consequência do ataque de jíbaros inimigos.

Uma terceira tentativa foi empreendida em 1575, e uma nova vila, Sevilla de Oro, foi fundada às margens do Rio Upano. A partir de então Nossa Senhora interviria diretamente para conquistar aquela floresta selvagem. Como?

Desiludido com o mundo, o espanhol Juan Gavilenes (depois Juan de la Cruz), oriundo das Astúrias, decidiu refugiar-se nas selvas do oriente equatoriano a fim de fazer penitência de seus pecados. Construiu uma pequena ermida à Virgem nas proximidades de Sevilla de Oro, e ali ficou. Uma piedosa moradora da vila, Inês Toscano, ofereceu ao penitente uma desgastada estampa com a pintura da Imaculada Conceição, para ser venerada naquela simplória gruta.

Em 20 de novembro de 1592, reunidos diante da ermida, alguns habitantes — entre eles as crianças da família Toscano — presenciaram o chamado “milagre da transformação”. Durante as orações, a pintura da Imaculada pareceu resplandecer. Os sinais de desgaste desapareceram, e para assombro dos presentes suas cores se tornaram vivas como num quadro recém-pintado. Nasceu então naquelas remotas florestas, especialmente entre os indígenas, a devoção à Puríssima Virgem.

Entretanto, novos reveses se abateram sobre a região. Em 1599, os violentos jíbaros atacaram mais uma vez, destruindo por completo o povoado de Sevilla de Oro. Alguns dos sobreviventes atravessaram o rio e se estabeleceram nas terras dos macas, na margem oposta, onde se encontra a atual cidade. Para lá também levaram a estampa milagrosa de Nossa Senhora, à qual deram, a partir de então, o título de A Puríssima de Macas.

Nos anos seguintes a nova vila de Macas prosperou. Construiu-se uma capela na parte mais elevada do povoado, para abrigar a estampa milagrosa. Depois edificaram uma pequena igreja. Todos os habitantes, inclusive os indígenas recém-convertidos das tribos dos macas e dos jíbaros, ali se reuniam com frequência para venerar a Imaculada e pedir sua maternal proteção. Ela não lhes faltaria…

Missionários salesianos em Macas, em 1924. Entre eles estava a Irmã salesiana Maria Troncatti, hoje beatificada (na foto em oval, com três indiazinhas)

Durante todo o século XVII a província, conhecida hoje por Morona-Santiago, cuja capital é Macas, permaneceu envolta em conflitos entre os próprios indígenas e em revoltas destes contra os espanhóis. As dificuldades de comunicação com a capital e o restante do país tornavam quase impossível o deslocamento de forças militares para defender a região. Grande parte dos jíbaros permanecia ainda na selvageria do paganismo.

No dia 5 de agosto de 1685, centenas desses índios iniciaram um devastador ataque contra Macas. Ao longe, a população percebeu os inimigos se aproximando. Não havia meios para defender a cidade. Tudo estaria mais uma vez perdido, se não houvesse uma intervenção do Céu. Todos fugiram e abrigaram-se na Igreja da Puríssima, pedindo à boa Mãe que os protegesse: “A Rainha Virgem e defensora de Macas, Ela mesma, veio em auxílio dos habitantes da cidade contra um dos ataques traiçoeiros dos jíbaros”.2

O bispo da região de Macas, Dom Domingo Comín, com índios jíbaros convertidos ao catolicismo (1910)

Uma senhora anciã e cega, chamada Maria Dolores, teve revelação do ocorrido. Quando os atacantes se aproximaram da igreja, Maria Santíssima apresentou-se em pessoa diante deles, comandando um exército experiente de inúmeros soldados angélicos. O prodígio espalhou o terror entre os invasores, que fugiram espavoridos.

Os habitantes de Macas encontraram depois lanças, arcos e flechas dos jíbaros atirados ao chão, a pouca distância da cidade. Aparentemente eles foram acossados pelos celestiais soldados de Nossa Senhora, até abandonarem as armas e desistirem de qualquer novo ataque.

Os “macabeus” (com esta reminiscência bíblica são conhecidos os habitantes de Macas) fizeram então o juramento de celebrar com a devida solenidade, no dia 5 de agosto, a festa da Virgem Puríssima.

Em outra ocasião Macas foi atingida por uma tempestade torrencial, acompanhada de relâmpagos, terremotos e o transbordamento do Rio Upano. O povo correu depressa para a igreja, e suplicou novamente o amparo da Virgem Puríssima. Logo todo perigo se dissipou.

Passaram-se mais de dois séculos de relativa tranquilidade, até que a pior das tragédias adveio sobre Macas. Na véspera do Natal de 1891, um terrível incêndio se alastrou inesperadamente por toda a cidade, atingindo até a igreja da Puríssima. A milagrosa estampa, para comoção de todos, desapareceu entre as chamas.

Talvez o castigo sobre Macas tenha ocorrido como presságio de uma época atribulada na história do Equador. Nas décadas seguintes ao incêndio, uma sequência de governos laicistas assumiu o Poder, investindo contra as instituições católicas, inclusive estabelecendo a separação entre o Estado e a Igreja.

Nos primeiros anos do século XX, com a queda do governo anticatólico, a situação do país voltou a certa normalidade. Um novo raio de esperança foi levado a Macas pelos missionários salesianos, que retomaram seu apostolado ali em 1924. Entre eles estava a Irmã salesiana Maria Troncatti, hoje beatificada. Essa incansável freira impulsionou as missões na região durante 40 anos, e com ela a Puríssima retornou a Macas!

O povo macabeu comemora com devoção seu juramento de fidelidade, vigente há mais de 400 anos, portando uma imagem da Puríssima pelas ruas da cidade

Os padres salesianos perceberam que a antiga devoção a Nossa Senhora se mantinha viva no coração do povo, mesmo após décadas da destruição da milagrosa imagem da Puríssima. Diante disso, o bispo da região de Macas, Dom Domingo Comín, incumbiu um artista de pintar uma cópia exata da imagem que se venerava no Convento da Imaculada Conceição em Riobamba.

Em 1925, acompanhada de duas noviças e de outros salesianos, a Irmã Troncatti levou o novo quadro para Macas, cujo povo a recebeu entusiasmo, com grande solenidade e devoção.

Mas, como temos visto, os reveses são uma constante na história de Macas. Em 1938, outro incêndio atingiu a vila e a capela de Nossa Senhora. Apesar da destruição da pequena igreja, o novo quadro foi salvo por um valente devoto. O ânimo da população felizmente não se arrefeceu, e mais uma vez ela reergueu a cidade.

Hoje a pintura de Nossa Senhora fica exposta à veneração dos fiéis na catedral de Macas, construída entre os anos 1980 e 1992. Nas laterais da igreja, um conjunto de belos vitrais narra os principais eventos dessa longa e atribulada história de quase 500 anos.

Podemos dizer que a devoção à Puríssima de Macas representa a constância maternal de Nossa Senhora, que nunca abandona seus filhos, apesar de todos os obstáculos e das aparentes derrotas. Uma excelente lição para nós, nas inúmeras dificuldades que temos de enfrentar em nossas vidas!

HINO OFICIAL DA PURÍSSIMA DE MACAS

De la Virgen sin mancha las glorias

nuestros padres ardientes amaron.

Con la espada en la mano juraron

defender de su Madre el honor.

¡Sí! ¡Gloria, gloria! Los cielos, la tierra

hoy ensalcen con férvido acento,

el sagrado, inmortal juramento

que tu Macas, la fiel, te prestó.

Aquel voto, cual canto sublime,

como trueno de eléctrica nube,

de tres siglos el polvo sacude

en la tierra de Juan de la Cruz.

Hoy tu pueblo gozoso te aclama

estrenando tu nueva morada

que de Macas fue grande el deseo

desde Juan de la Cruz hasta hoy.

(Letra: Pe. Olmedo Rodas, SDB. Música: Pe. Carlos Simonetti, SDB).

ABIM

Notas

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 836, Agosto/2020

  1. Informações extraídas de: https://pueblomacabeo.com/index.php/historia/75-macas-en-la-historia
  2. Cfr. Análisis del pueblo macabeo en el imaginario colectivo de la población del cantón Morona – 2016. Curso Ciencias de la Comunicación Social, Universidad Nacional de Chimborazo, Riobamba, Ecuador.

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