A pandemia de covid-19 teve um forte impacto na comunidade imigrante em Portugal, afetada pelo desemprego, despejos, faltas de apoio ou dificuldade na regularização e que se tem traduzido em milhares de pedidos de ajuda a associações.
A comunidade brasileira, a maior entre as comunidades imigrantes residentes em Portugal, segundo o Observatório das Migrações 2020, será uma das mais afetadas e, em declarações à Lusa, a presidente da Casa do Brasil em Lisboa fala numa "avalanche de pedidos de ajuda".
Esta associação sem fins lucrativos, criada em 1992 por brasileiros residentes em Portugal, não tem um cariz social, como explicou a presidente Cyntia de Paula, o que não impediu que nos primeiros três meses de confinamento, entre março e maio de 2020, tivesse atendido cerca de 400 pessoas.
"A pandemia veio por uma lupa naquilo que a gente sempre fala e que já sabíamos, que as pessoas imigrantes estão nos trabalhos mais precários e por isso foram as primeiras a sofrer", apontou Cyntia de Paula, referindo que muitos destes imigrantes trabalhavam nas áreas mais afetadas e que fecharam no imediato, como o comércio ou a restauração.
"De segunda para terça deixaram de ter rendimentos e isso tem sido uma situação bastante preocupante", apontou.
A presidente da Casa do Brasil relatou casos de pessoas que ficaram sem qualquer rendimento, que tinham relações contratuais "muito precárias", algumas "nem contrato tinham", o que depois se transformou numa "bola de neve".
"Não conseguem ter acesso aos apoios sociais porque não conseguiram ter contrato para fazer descontos para a segurança social e então há realmente uma franja de muita vulnerabilidade", disse a responsável, sublinhando que "isso está presente até agora".
Cyntia de Paula referiu que recentemente o atendimento de emergência teve de ser reforçado porque continua a ser preciso identificar no terreno as soluções que a associação não providencia, como ajuda alimentar, por exemplo, sublinhando que o "número de pedidos de apoio social aumentou".
"Muita gente estava em situação de trabalho precário, muita gente a recibos verdes, falsos, e eles tiveram muito mais dificuldade em aceder aos apoios sociais. E há quem não tivesse nada, nem contrato nem nada", insistiu a responsável, sublinhando que a medida extraordinária de regularização provisória dos imigrantes com processos pendentes no Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) deixou de fora todas as pessoas que não tinham ainda iniciado esse processo.
A difícil realidade de alguma da comunidade brasileira também é conhecida da Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC), que nos últimos 12 meses ajudou 9.600 pessoas de várias nacionalidades e chegou a receber mensalmente uma média de trinta novos pedidos de ajuda.
Nilzete Pacheco, coordenadora da ALCC, contou à Lusa que a comunidade brasileira foi a que mais pediu ajuda, tendo havido uma "loucura de pedidos" nos três primeiros meses de confinamento na primeira vaga da pandemia, com 387 imigrantes brasileiros a contactar a associação entre março e maio.
No entanto, a responsável revelou que não foi só esta comunidade a pedir ajuda, tendo sido necessário ajudar imigrantes dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), mas também cidadãos nacionais, nomeadamente membros da comunidade cigana que vive próxima da sede da ALCC, na zona da Ameixoeira, em Lisboa.
De acordo com Nilzete Pacheco, os problemas que motivavam os pedidos de ajuda eram vários e iam desde a ausência de habitação ou quartos e casas partilhados por dez ou mais pessoas, empregos precários que se tornaram ainda mais precários, perda de rendimentos, desemprego ou ausência de documentação.
A responsável contou que começou o apoio alimentar para 350 famílias e que hoje esse apoio ainda chega a 108 agregados, sendo que, em média, cada família tem quatro a cinco pessoas.
"As pessoas estão aparentemente mais calmas porque acabaram por se acomodar de uma forma ou de outra ao nível de habitação, muito precária, o nível do trabalho continua precário, e ao nível da alimentação há muitas famílias com muitas carências", descreveu, salientando que isto tem afetado não só famílias brasileiras, mas também da Guiné ou São Tomé.
Ao longo do último ano, Nilzete Pacheco diz ter assistido a "muitos choros, muitos desabafos", com dias em que as pessoas iam buscar comida "e desatavam a chorar" ou até mesmo casos de quem tenha ido buscar ajuda alimentar sabendo que estavam infetados com covid-19 porque não tinha outra alternativa.
A coordenadora da ALCC admite que ao longo deste tempo a associação acabou por ficar conhecida pelo trabalho que fazia junto das comunidades imigrantes e que isso fez com que lhe chegassem pedidos de ajuda de outras partes da cidade de Lisboa e até do Seixal, que tiveram de encaminhar para que toda a gente tivesse apoio localmente.
Ainda assim, diz que "há má vontade em apoiar os imigrantes" e garante que há casos de quem não esteja a receber qualquer tipo de ajuda.
Uma constatação que Ana Mansoa, do Centro Padre Alves Correia, uma instituição sem fins lucrativos, com sede em Lisboa e que procura ajudar imigrantes, também faz, admitindo que haja quem não tenha qualquer apoio.
De acordo com esta responsável, durante o ano passado, a instituição teve um aumento de 25% em relação ao número de pessoas apoiadas e a lista de espera passou de três para cinco meses porque já não havia capacidade para responder a tantos pedidos de ajuda.
"Estamos a falar de 586 famílias", revelou, sublinhando que, em média, este número multiplica-se e rondará as cerca de mil pessoas.
Ana Mansoa explicou que algumas destas pessoas num determinado momento já haviam sido utentes da instituição que, entretanto, tinham conseguido organizar-se e ter a sua autonomia financeira, mas que com a pandemia voltaram a ficar numa situação de precariedade depois de perderem o emprego.
"Perdendo os seus empregos, perderam tudo porque muitas delas não tinham direito a apoios sociais. Não tinham porque algumas delas trabalhavam sem contrato, outras tinham os descontos em dias, mas não tinham a sua situação documental regularizada", explicou.
Acrescentou que o apoio vai desde a procura de emprego, o apoio social, alimentação, roupa ou medicamentos para uma população migrante sobretudo originária dos PALOP, nomeadamente Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Angola, mas também de países como o Bangladesh ou Índia.
À Lusa, a secretária de Estado para a Integração e as Migrações apontou que "as pessoas em situações de maior vulnerabilidade social têm sido aquelas mais afetadas pelas consequências da pandemia", nomeadamente as que "residem em territórios de maior densidade, realizam maiores deslocações, residem em habitações precárias e têm condições de trabalho precárias e baixos rendimentos".
De acordo com Cláudia Pereira, o Governo tem tido como prioridade garantir os direitos sociais e laborais dos imigrantes, "assegurando que sejam vistos e tratados pelo Estado em paridade relativamente aos cidadãos portugueses".
A secretária de Estado destacou a medida de regularização provisória e extraordinária dos cidadãos estrangeiros com pedidos pendentes no SEF, que abrangeu cerca de 250 mil pessoas na primeira fase e outras 166 mil na segunda, acrescentando que foi decidido estender até 31 de dezembro a validade dos vistos e dos documentos relativos à permanência de cidadãos estrangeiros em Portugal.
Fonte e Imagem: Lusa
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