Fundador dos Dominicanos, apóstolo do santo rosário e cruzado contra a heresia, o Bem-aventurado Papa Pio IX o descreveu com estas palavras, estimulantes para todos nós: “Assim como São Domingos se valeu do rosário como de uma espada para destruir a nefanda heresia dos albigenses, assim também hoje os fiéis, exercitando o uso desta arma, facilmente conseguirão destruir os monstruosos erros e impiedades que por todas as partes se levantam”.1
- Oscar Vidal
- Fonte Revista Catolicismo, Nº 848, Agosto/2021
Ao ensejo dos 800 anos da morte de São Domingos de Gusmão, ocorrida no dia 6 de agosto de 1221 em Bolonha, a Santa Sé declarou “Ano Jubilar” o período compreendido entre 6 de janeiro de 2021 e 6 de janeiro de 2022.
Como o dia do falecimento do santo (6 de agosto) é consagrado à comemoração da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo, sua festa foi primeiramente transferida para o dia 4 de agosto, e depois para o dia 8 do mesmo mês. De ilustre família espanhola, São Domingos nasceu em 24 de julho de 1170 em Caleruega, no reino de Castela.
O Ofício registra que ele foi “varão de ânimo e espírito apostólicos, sustentáculo da fé, trombeta do Evangelho, luz do mundo, resplendor de Cristo, segundo precursor (sucedendo São João Batista) e grande provedor das almas”.
E assim o descreve um de seus biógrafos: “Eis aqui um homem admirável que Deus fez nascer depois da metade do século XII para ser por si só e por seus religiosos a luz do mundo, a coluna da Igreja, o sustentáculo da religião cristã, o reformador dos costumes, o flagelo dos hereges, a ruína da idolatria e de todas as seitas de infiéis, e o muro de aço que a Santa Sé apostólica sempre opôs a todos seus inimigos”.2
Fundador, cruzado contra a heresia, apóstolo do santo rosário
Dentre as inúmeras e extraordinárias obras de São Domingos de Gusmão, convém destacar quatro:
- A fundação da Ordem dos Frades Pregadores — hoje mais conhecida como Ordem Dominicana — baluarte na defesa da ortodoxia católica e na pregação do Evangelho no mundo inteiro. Foi aprovada com a Bula de 1216 do Papa Honório III.
- Fundador da Santa Inquisição em defesa da Fé contra a perfídia dos hereges — tribunal muito difamado, mas pouco conhecido, denominado atualmente Congregação para a Doutrina da Fé —, o qual foi aprovado pelo Papa Gregório IX em 1231, o mesmo pontífice que canonizou São Domingos em 1234. Vide a respeito a “Palavra do Sacerdote” de nossa edição anterior (pp. 5-10).3
- Seu combate à heresia maniqueísta dos albigenses, que infestava o sul da França, pervertendo inúmeros católicos, atacando o culto exterior e os sacramentos da Igreja Católica;
- A divulgação do santo rosário, cuja recitação a própria Santíssima Virgem ensinou a São Domingos em 1214 e por cuja intercessão ele obteve prodigiosas vitórias e extraordinárias graças para sua época. Essa incomparável arma sobrenatural continua operando maravilhas ao longo dos séculos.
Graves danos causados à Santa Igreja pela seita albigense
Há um estreito vínculo entre a luta contra a heresia e a pregação do santo rosário. A Igreja sempre atribuiu à Santa Mãe de Deus o mérito de esmagar e vencer todas as heresias: “Só tu, ó Virgem, tens dado morte a todas as heresias no universo inteiro”.
Foi na sua passagem por Toulouse que São Domingos se deu conta dos estragos causados na França pela seita dos albigenses. Como uma epidemia maldita, essa seita gnóstica contagiava com seus erros outros países, a partir do norte da Itália e da região de Albi, no sul da França. De onde o nome de albigenses atribuído a esses hereges, conhecidos também como cátaros (do grego: puros), pois assim se autodenominavam soberbamente.
À maneira dos padres progressistas de nossos dias, eram lobos travestidos de ovelha que se infiltravam nos meios católicos fingindo grandes virtudes, como a da austeridade, a fim de mais facilmente enganar e captar simpatia. Entre outros erros, os hereges pregavam o panteísmo, o amor livre, a abolição das riquezas, da hierarquia social e da propriedade particular. Salta aos olhos a semelhança de sua doutrina com a do comunismo.
Várias regiões da Europa do século XIII foram empestadas por essa heresia, e toda a reação católica visando contê-la mostrava-se ineficaz. Os hereges, após conquistar muitas almas, destruir altares e derramar muito sangue católico, pareciam definitivamente vitoriosos.
Santo rosário como arma sobrenatural contra a heresia
São Domingos percebeu então a urgente necessidade de combater energicamente a seita dos albigenses, e de fundar para esse fim uma Ordem de pregadores.
Intrepidamente empenhou-se nesse bom combate. Mas como não conseguia sobrepujar o ímpeto dos hereges — que continuavam pervertendo os fiéis católicos e massacrando aqueles que resistiam —, suplicou à Virgem Santíssima que lhe indicasse uma arma eficaz para derrotar aqueles empedernidos adversários da Santa Igreja.
Quando tudo parecia perdido, Ela interveio nos acontecimentos, revelando a São Domingos a devoção ao rosário, como meio para salvar a Europa e a Cristandade daquela heresia.
A histórica pregação de São Domingos de Gusmão
O Bem-aventurado Alain de la Roche (1428–1475), célebre pregador dominicano, no livro Da dignidade do Saltério, narra a aparição de Nossa Senhora a São Domingos, ensinando-o a pregar o rosário — também chamado Saltério de Maria, em recordação dos 150 salmos de David —, para salvação das almas e conversão dos hereges. E em seu livro O admirável segredo do Santo Rosário, narra São Luís Maria Grignion de Montfort (1673 – 1716):
“Vendo São Domingos que os crimes dos homens criavam obstáculos à conversão dos albigenses, entrou num bosque próximo a Toulouse e passou nele três dias e três noites em contínua oração e penitência, não cessando de gemer, chorar e macerar seu corpo com disciplinas para aplacar a cólera de Deus, até cair desfalecido. A Santíssima Virgem, acompanhada de três princesas do Céu, apareceu e lhe disse:
— ‘Sabes tu, meu querido Domingos, de que arma se serviu a Santíssima Trindade para reformar o mundo?’
— ‘Ó Senhora! – respondeu ele – Vós o sabeis melhor do que eu, porque, depois de vosso Filho Jesus Cristo, fostes o principal instrumento de nossa salvação’.
— ‘Sabes – acrescentou Ela – que a peça principal da bateria foi a saudação angélica, que é o fundamento do Novo Testamento; e, portanto, se queres ganhar para Deus estes corações endurecidos, reza meu Saltério’.
“O Santo se levantou muito consolado, e abrasado de zelo pelo bem daquela gente, entrou na igreja catedral; no mesmo momento os sinos tocaram, pela intervenção dos anjos, para reunir os habitantes. No começo da pregação, formou-se uma espantosa tormenta; a terra tremeu, o sol se obscureceu, os repetidos trovões e relâmpagos fizeram estremecer e empalidecer os ouvintes; e aumentou seu terror ao ver uma imagem da Santíssima Virgem, exposta em lugar proeminente, levantar os braços três vezes ao Céu para pedir a Deus vingança contra eles, se não se convertessem e não recorressem à proteção da Santa Mãe de Deus.
“O Céu queria por esses prodígios aumentar a nova devoção do santo rosário e torná-la mais notória.
“A tormenta cessou, por fim, pelas orações de São Domingos. Ele continuou seu sermão, e explicou com tanto fervor e entusiasmo a excelência do rosário, que os moradores de Toulouse o abraçaram quase todos e renunciaram a seus erros, vendo-se em pouco tempo uma grande mudança na vida e nos costumes da cidade”.4
A melhor “artilharia” contra o demônio e seus seguidores
Empunhando a potente arma do rosário, São Domingos retornou ao combate, pregando incansavelmente na França, Itália e Espanha a devoção que a própria Senhora do Rosário lhe ensinara, reconquistando almas por todas as partes: os católicos tíbios se afervoravam; os fervorosos se santificavam; as Ordens religiosas floresciam; os hereges se convertiam aos milhares, abjurando seus erros e voltando à Igreja; os pecadores se arrependiam e faziam penitência; expulsava os demônios de possessos; operava milagres e curas. Somente na Lombardia, o ardoroso cruzado do rosário converteu mais de 100 mil hereges albigenses.
Entre diversos milagres operados por São Domingos, citemos um transcorrido em Fangeux, na diocese de Carcassone. “Os líderes cátaros apareceram em grande número, trazendo o livro que continha todas as suas heresias. São Domingos levava um caderno no qual havia refutado a maioria desses erros. Como não chegavam a um acordo, decidiram apelar para a ‘prova do fogo’. O escrito que permanecesse incólume numa fogueira seria o verdadeiro. Fizeram uma grande fogueira e nela jogaram o livro dos cátaros. Pouco depois estava este reduzido a cinzas. Lançaram então ao fogo o escrito de Domingos. Este voou ao ar sem se queimar e foi pousar numa viga do teto, onde deixou uma marca de fogo. Por três vezes os hereges repetiram o ato, com o mesmo resultado…”.5
São Domingos se tornou um incansável pregador da devoção ao rosário nessa cruzada contra a heresia, obtendo incontáveis êxitos e inúmeras conversões, entre elas as de muitos jovens que deram origem ao primeiro núcleo da Ordem dos Pregadores (Ordo Prædicatorum, O.P.). Aos 45 anos de idade, ele congregou seus primeiros discípulos numa casa em Toulouse e lhes impôs o hábito (túnica branca, roquete simples e capa negra com capuz). Um de seus objetivos com a nova Ordem — que contou com o inestimável apoio do Papa Inocêncio III e de seu sucessor Honório III — era fundar conventos nas principais cidades universitárias, a fim de atrair vocações junto à juventude acadêmica.
Rosário e espada, espírito de oração e cruzada
Entretanto, as incontáveis e milagrosas conversões não eram suficientes para converter aqueles hereges mais empedernidos, que procuravam reverter sua derrota fazendo estragos em outros países. Para resolver o problema, Nossa Senhora, além do heroico São Domingos, suscitou outro herói para erradicar a heresia na Europa: o admirável Conde Simão de Montfort. Enquanto o primeiro empunhava a arma do rosário, o segundo empunhava a espada. Uma combinação perfeita: o espírito de oração com o espírito de cruzada em defesa da Fé Católica.
A história de Simão de Montfort é admirável e extensa. Citemos apenas um pequeno trecho, extraído de um livro de São Luís Grignion de Montfort (embora tenham o mesmo sobrenome, não há informação concludente de que fossem parentes):
“Quem poderá contar as vitórias que Simão, Conde de Montfort, obteve contra os albigenses sob a proteção de Nossa Senhora do Rosário? Foram tão notáveis, que jamais se viu no mundo coisa parecida. Com quinhentos homens, desbaratou um exército de dez mil hereges. Outra vez, com trinta homens, venceu três mil. Depois, com mil infantes e quinhentos cavaleiros, fez em pedaços o exército do rei de Aragão, composto de cem mil homens, perdendo somente oito soldados de infantaria e um de cavalaria”.6
O último reduto dos hereges albigenses caiu em 1256. Ficando a França livre deles, a devoção ao santo rosário atravessou as fronteiras. São Domingos a pregou incansavelmente nos países vizinhos, colhendo abundantes frutos. Essa incomparável e eficientíssima devoção mariana atravessou não somente as fronteiras europeias, mas também os continentes e os séculos, porquanto até os presentes dias o rosário é rezado com grande fruto no mundo inteiro.
ABIM
[A Parte II desta matéria postaremos amanhã].
Notas:
1. Encíclica Egregiis, de 3 de dezembro de 1856.
2. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo IX, p. 273).
3. https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0847/P04-05.html
4. San Luis Maria Grignion de Montfort, El secreto admirable del Santissimo Rosario, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1954, pp. 314-315.
5. Plinio Maria Solimeo, São Domingos de Gusmão, in Catolicismo, agosto/2003.
6. Op. cit. El secreto admirable del Santissimo Rosario, pp. 366-367.
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