Mais de três dezenas de cientistas de todo o mundo (Portugal, Brasil, Rússia, Paquistão, Turquia, México, entre outros países) juntaram-se para analisar os vários impactos da Covid-19 no turismo, reconhecidamente um dos setores mais afetado pela atual pandemia, e perspetivar o futuro desta indústria global.
Todos os contributos estão reunidos no livro “Pandemics and Travel: COVID-19 Impacts in the Tourism Industry”, editado por um grupo de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) e do Instituto Politécnico de Viseu (IPV). A obra, acabada de publicar pela editora de livros científicos Emerald Publishing, fornece uma análise profunda sobre os impactos de pandemias, doenças e surtos de vírus no turismo e na mobilidade em todo o mundo e considera os novos desafios que a indústria do turismo terá de enfrentar no futuro, focando, nos últimos capítulos, as estratégias de promoção, recuperação e resiliência em vários países para enfrentar a crise atual.
«Os estudos de caso incluídos neste livro, onde podemos perceber como vários países dos cinco continentes lidaram com a pandemia e os principais efeitos que esta teve na atividade e mercados turísticos, ajuda-nos a perceber os efeitos da Covid-19 de uma forma mais global e comparada e permite-nos aprender com as boas práticas implementadas», declara Cláudia Seabra, docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e uma das editoras do livro.
Segundo os editores, a pandemia Covid-19 desafiou o setor do turismo mais do que nunca. A indústria turística «nunca mais será a mesma após a pandemia Covid-19, com uma crise que, contrariamente às anteriores, foi global e num mesmo período de tempo. A sensação de que a mobilidade individual (e, portanto, as viagens) tem um impacto direto na saúde e segurança individual e coletiva é algo que marca profundamente a vida de uma sociedade. No futuro, as viagens de lazer vão ser muito mais pensadas, avaliadas e calculadas. O turismo de negócios será fortemente afetado visto que o teletrabalho veio substituir a necessidade de deslocação. Os destinos turísticos precisam de se redimensionar, reformular e reestruturar em função disto», considera a especialista em risco e turismo.
Quanto aos desafios para o futuro do setor turístico, a investigadora do CEGOT considera que os níveis de segurança e higiene «terão de ser mais elevados do que nunca. Os grandes hotéis e resorts, as grandes cidades, museus e monumentos terão desafios acrescidos com os turistas a evitar locais com grandes aglomerações e contacto físico». Outro desafio, acrescenta, prende-se com «o equilíbrio entre a automatização e os procedimentos digitais e o contacto humano que, afinal, é o suporte da atividade turística. A sustentabilidade económica, social, ecológica e até política do turismo será o maior desafio de todos».
O estudo relativo a Portugal incluído no livro, realizado pela equipa de Cláudia Seabra, visou determinar as perceções de risco e segurança dos portugueses no contexto criado pela pandemia Covid-19 e, consequentemente, o seu comportamento de viagem, assim como a sua disponibilidade para aceitar as medidas de segurança e restrições implementadas.
Para tal, a equipa aplicou um questionário a indivíduos de ambos os sexos, residentes em Portugal e com idade igual ou superior a 18 anos, tendo obtido 1902 respostas válidas. O estudo foi realizado ao longo de um ano, de fevereiro de 2020 a fevereiro de 2021, abrangendo assim as perceções dos portugueses em 4 fases distintas: 1º vaga, verão de 2020, 2ª vaga e 3ª vaga da pandemia.
Os principais resultados do estudo mostram que a pandemia tem um impacto muito expressivo na perceção de segurança que os residentes portugueses associam atualmente às viagens. Mais de 90% dos inquiridos afirmaram que a segurança é um assunto sério em viagens nacionais ou internacionais e que, devido à pandemia, viajar é arriscado.
«Demonstraram altos níveis de perceção de risco associado a viagens e sentiram-se muito preocupados em viajar dentro do seu país, mas ainda mais desconfortáveis para viajar para destinos internacionais, sentimento que se foi agravando com o passar do tempo e o agravamento da doença. Esses sentimentos de insegurança foram maiores durante a 3ª vaga, mesmo para viagens domésticas», indica Cláudia Seabra.
Segundo o estudo, a importância atribuída às questões de segurança foi mais forte durante a 1ª e 3ª vagas, evidenciando que na 2ª vaga os portugueses se preocuparam menos com as questões de segurança. O mesmo padrão foi registado para atividades de lazer e turismo.
De acordo com a investigadora da UC, um resultado «surpreendente» foi obtido para atividades especificamente ligadas ao turismo ou envolvendo grandes multidões: «Os maiores níveis de insegurança foram observados durante o verão de 2020, quando o país registou menos casos de contágio e mortes. Esse resultado pode ser explicado pela grande procura turística que geralmente existe no nosso país no período de verão. Os residentes achavam que essas atividades poderiam atrair mais pessoas e, portanto, causar maior risco. Por outro lado, atividades que exigiam o uso de espaços fechados, e que atraem mais pessoas no outono e festas, foram consideradas menos seguras durante a 2ª vaga», esclarece.
No que se refere às perceções de segurança relacionadas com a vida quotidiana e planos futuros, os inquiridos revelaram que irão alterar vários aspetos da sua rotina diária e dos seus planos de férias futuras devido à Covid-19.
O medo de infeção foi maior durante a 1ª vaga, «talvez pelo facto de a doença ser ainda desconhecida. Ao longo do tempo esse medo foi diminuindo. Mas os níveis de nervosismo e insónia causados pela Covid-19 aumentaram novamente durante a 3ª vaga, provavelmente pelo facto de Portugal ser, durante aquele período, o país com maior número de casos de infeção e óbitos por milhão de habitantes em todo o mundo», comenta Cláudia Seabra.
No que respeita às restrições e medidas de segurança impostas pelo Governo, globalmente, os portugueses concordaram com a maioria delas. Contudo, opõem-se às medidas restritivas relativas à limitação da mobilidade entre países. Os níveis de aceitação mais elevados da maioria das restrições e medidas de segurança foram registados durante a 1ª e 3ª vagas.
Em suma, conclui Cláudia Seabra, este estudo mostra claramente que, «com o tempo, os portuguese consideraram as viagens domésticas menos arriscadas, especialmente até à 2º vaga. Além disso, as atividades ao ar livre e realizadas em ambiente natural são claramente as formas de lazer consideradas mais seguras pela população portuguesa. As organizações de turismo devem investir neste tipo de oferta no futuro. O nível mais alto de medo e preocupação é evidenciado pelas gerações mais velhas, portanto, esse segmento de mercado certamente precisará de mais tempo para se sentir seguro o suficiente para viajar novamente».
Cristina Pinto
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