segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Existem casos de abuso na Igreja portuguesa, mas não se sabe quantos. “Um que fosse era grave”, diz D. Américo Aguiar

D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa, falou em entrevista no Jornal das 8, na TVI, sobre os casos de abuso sexual na Igreja Católica, depois de a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciar a criação de uma comissão nacional para investigar o tema.

D. Américo Aguiar, que tem orientado os trabalhos na diocese de Lisboa sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja Católica, começou por frisar que as 21 comissões criadas pelo país — uma por diocese — começaram a surgir em abril de 2019, num trabalho que foi concluído até junho de 2020, a pedido do Papa Francisco.

Para o bispo, estas comissões têm aprendido que "é preciso criar um ambiente de muita confiança para que uma pessoa que tenha vivido o flagelo de um abuso sexual tenha confiança para poder abrir o seu coração e partilhar essa ferida profunda na sua vida, principalmente quando estamos a falar de alguém que viveu isso na adolescência e agora está casado e tem filhos".

Para isso, há a necessidade de "criar um quadro de total segurança para que qualquer pessoa se sinta acolhida e respeitada e não volte a correr o risco de voltar a ser vítima, agora das circunstâncias da sua denuncia", lembrou.

Questionado sobre o número de casos de abuso na Igreja portuguesa, D. Américo Aguiar não adiantou um número, uma vez que "a Igreja está organizada em dioceses e cada uma é autónoma", pelo que não se sabe ainda a totalidade dos casos. Assim, a decisão de criar um "patamar nacional" — a comissão anunciada a semana passada pela CEP — tem como principal objetivo "coordenar e partilhar informação".

D. Américo, que frisou que apenas pode falar relativamente a Lisboa, realidade que acompanha, lembrou que se tem seguido uma atitude de "tolerância zero e transparência total", tal como pediu o Papa Francisco. Além disso, adiantou que "obrigatoriamente existem casos, não sabemos qual a dimensão — se são muitos, se são poucos —, [mas] um que fosse era grave".

Resumindo a atuação das comissões, D. Américo Aguiar destacou três pontos: "a prioridade são as vítimas", é preciso "tudo fazer para que não aconteça nem venha a acontecer" e "temos de olhar para o passado".

Assim, "a comissão não deve ter o foco exclusivamente naquilo que possam ser os casos dos crimes cometidos por eclesiásticos", o que não quer dizer "que a Igreja não faça o seu trabalho objetivamente", justificou o bispo, em referência a um artigo de opinião em que defendeu que a investigação não deveria ser centrada apenas no clero.

"Não temos de fazer um caminho contra ninguém", apontou, frisando que este é "um problema demasiado grande para estarmos divididos no ataque a esse problema".

"Nestes dois anos tenho feito o esforço de acompanhar esse trabalho transversalmente e dói-me profundamente quando isso acontece porventura no contexto eclesiástico — não há mais grave do que isso — e dói-me muito quando não estamos todos juntos numa luta necessária para que isso não aconteça", rematou.

Para D. Américo, a investigação deve ter limite temporal dos denunciantes vivos, ou seja, devem-se ouvir os casos de pessoas de todas as idades que possam e queiram "mostrar o seu sofrimento" quanto a este tema. "Acho que nenhum de nós imagina o sofrimento de uma pessoa que transporte toda a vida esse sofrimento", lembrou.

Alexandra Antunes / Madremedia

Imagem: Salesianos.pt

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