Bioética é um conceito dos anos setenta. Foi Van Rensselaer Potter no seu livro Bridge to the future (1971) que escreveu “Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos.” As várias ciências mostram-nos o mundo como ele é. A Ética diz-nos o que ele devia ser. A Bioética permite ao Homem saber como deve atuar. Cinco anos depois dois médicos norte americanos Childress e Beauchamps enunciam os princípios que deveriam reger a investigação cientifica, e o juízo clinico. Definem quatro princípios: o de beneficiencia, não maleficiencia, autonomia e justiça. E a verdade é que o principalismo não sendo nenhuma teoria bioética, mas apenas uma metodologia, se generalizou o seu uso na prática clinica, ou se quisermos, na avaliação ética das decisões clinicas. A questão que se colocou é que não estando esses princípios hierarquizados, a sua aplicação poderia ser menos clara.
A medicina não é uma ciência exacta, e assim sendo, as decisões clinicas são no fundo uma promessa de meios, e não uma garantia de um resultado. Por exemplo quando eu opto por uma terapêutica em detrimento de outra, existirá sempre uma margem de erro, porque as variáveis envolvidas não são todas controláveis. E então a questão que perdurou durante algum tempo foi qual destes princípios deveria prevalecer sobre os outros. A verdade é que a prática médica reflecte necessariamente os valores do seu tempo. E a medicina foi-se centrando cada vez mais na individualidade e dignidade da pessoa doente, sendo que nos dias de hoje a autonomia da vontade do doente deverá ser sempre respeitada. É evidente que o médico, como detentor da capacidade técnica e cientifica, tem o dever de fazer diagnósticos e propor tratamentos, mas é ao doente que cabe em ultima instancia optar qual o tratamento que quer seguir. Por exemplo em face de uma doença oncológica com um prognóstico reservado. Mesmo cientificamente pode não ser claro qual o melhor esquema terapêutico a utilizar, e se uma intervenção cirúrgica de elevado risco deve ou não ser efectuada. Essa decisão tem obviamente que ser partilhada pelo médico e pelo doente.
É claro que numa relação médico-doente saudável, este pensamento abstrato de recusa de tratamentos na ausência de qualquer patologia objectiva, não tem qualquer sentido. Porque as variáveis implicadas em cada situação clinica são tantas e tão imprevisíveis, que uma recusa de tratamento na ausência de doença, não parece ser uma decisão sensata.
A Bioética permitiu que a prática clinica se centrasse no reforço da autonomia do doente, e também reforçou a relação médico doente. Eu diria que numa medicina dotada cada vez de mais meios técnicos, e múltiplas opções terapêuticas, que favoreceria uma medicina menos humanizada, a Bioética garantiu que a medicina reforçasse o seu cariz humanista.
Professor Doutor
António Maia Gonçalves
Médico e Bioeticista
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