segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A detecção mais distante de um buraco negro a engolir uma estrela

 
No início deste ano, o Very Large Telescope (VLT) do ESO recebeu um alerta após uma fonte de luz visível invulgar ter sido detectada por um telescópio de rastreio. O VLT, juntamente com outros telescópios, foi rapidamente apontado na direção desta fonte: um buraco negro supermassivo numa galáxia distante que tinha “devorado” uma estrela, expelindo os restos da “refeição” sob a forma de um jato. O VLT determinou que este era o exemplo mais distante de um tal evento observado até à data. Uma vez que o jato aponta praticamente na nossa direção, esta é também a primeira vez que foi descoberto no visível, demonstrando-se assim uma nova maneira de detectar estes eventos extremos.
As estrelas que se aproximam demasiado de um buraco negro são destruídas pelas enormes forças de maré deste objeto, num fenómeno a que se chama evento de disrupção de maré. Cerca de 1% destes eventos dão origem a jatos de plasma e radiação que são ejetados a partir dos pólos do buraco negro em rotação. Em 1971, o pioneiro dos buracos negros, John Wheeler definiu o conceito de disrupções de maré com jatos como “um tubo de pasta de dentes apertado no meio com toda a força,” fazendo com que o sistema “esguiche matéria pelas duas pontas”.
Até agora observámos apenas uma mão cheia deste tipo de eventos que permanecem, por isso, mal compreendidos e são bastante exóticos,” disse Nial Tanvir, da Universidade de Leicester no Reino Unido, que liderou as observações com o VLT para determinar a distância ao objeto. Os astrónomos procuram constantemente estes eventos extremos para compreenderem melhor como é que os jatos realmente se formam e por que é que apenas uma percentagem tão pequena de disrupções de maré lhes dão origem.
É por esta razão que muitos telescópios, incluindo o ZTF (Zwicky Transient Facility) nos EUA, mapeiam constantemente o céu à procura de sinais de eventos de curta duração, frequentemente extremos, que possam seguidamente ser estudados com mais detalhe por grandes telescópios, como o VLT do ESO, no Chile. “Desenvolvemos um procedimento automático de código aberto que armazena e extrai informação importante do rastreio ZTF e nos alerta em tempo real para eventos invulgares,” explica Igor Andreoni, astrónomo na Universidade de Maryland, EUA, que co-liderou, juntamente com Michael Coughlin da Universidade de Minnesota, o artigo científico sobre este trabalho, publicado hoje na revista Nature.
Em Fevereiro deste ano, o ZTF detectou uma nova fonte de radiação visível. O evento, chamado AT2022cmc, fazia lembrar uma explosão de raios gama, a fonte de radiação mais potente do Universo. Com o intuito de investigar este fenómeno raro, a equipa utilizou vários telescópios em todo o mundo para observar a misteriosa fonte com mais detalhe. Isto incluiu o VLT do ESO, que rapidamente observou este novo evento com o instrumento X-shooter. Os dados do VLT colocaram a fonte a uma distância sem precedentes no que diz respeito a estes eventos: a luz produzida pelo AT2022cmc começou a sua viagem quando o Universo tinha apenas cerca de um terço da sua idade atual.
Uma grande variedade de radiação, desde raios gama de alta energia a ondas rádio de baixa energia, foi colectada por 21 telescópios em todo o mundo. A equipa comparou estes dados com diferentes tipos de eventos conhecidos, desde estrelas em colapso a quilonovas. O único cenário que explicava os dados obtidos era um raro evento de disrupção de maré com um jato a apontar na nossa direção. Giorgos Leloudas, astrónomo no DTU Space na Dinamarca e co-autor deste estudo, explica que “uma vez que o jato relativista aponta na nossa direção, o fenómeno torna-se muito mais brilhante e visível ao longo de um maior domínio de comprimentos de onda do espectro electromagnético.
As medições de distância executadas com o VLT mostraram que o AT2022cmc é o mais distante fenómeno de disrupção de maré alguma vez observado, mas este não é o único recorde que este objeto bate. “Até agora, o pequeno número destes eventos que se conheciam, tinham sido inicialmente detectados por telescópios de raios gama ou de raios X. Esta foi a primeira descoberta feita durante um rastreio no visível!” disse Daniel Perley, astrónomo na Universidade John Moores de Liverpool, Reino Unido, e co-autor do estudo. Isto mostra-nos uma nova maneira de detectar disrupções de maré com jatos, permitindo-nos estudar melhor estes eventos raros e investigar os meios extremos que circundam os buracos negros.
 
Observatório Europeu do Sul

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