O meu coração, embora cansado de bater,
transborda de ternura e de amor para com os seres e as coisas, nesta quadra
festiva e evocativa. No entanto, nunca como nesta data, me sinto mais triste e
angustioso. Lembro-me dos que nada têm, nem família ou parentes chegados, e que
nesta altura se sentem como se nada fossem nesta vida e neste mundo onde se
instalou a confusão, com agravante da chaga do desemprego.
A esses eu abro os braços, e todos os
que sofrem, por várias razões, são a grande família que neles aperto de encontro
ao meu coração. Mas sofro ainda mais porque não tenho possibilidade, de levar
um pedaço de pão a todos os que têm fome, um agasalho aos que têm frio, uma
palavra de conforto aos desesperados.
Eu sozinho, pouco posso fazer em favor
dos famintos e dos desgraçados a quem a vida jamais sorriu. Mas tu, amigo, e tu
aqueloutro e outro mais, todos nós em conjunto, se quisermos, somos capazes de
realizar alguma coisa de belo e humano e erguer uma voz cujo eco repetirá pelas
artérias congestionadas dessas grandes cidades.
As riquezas do mundo estão mal
distribuídas, e em cada homem existe uma dose de egoísmo (excepção feita aos
espíritos raros) que empalidece o brilho dos seus sentimentos.
Não é preciso ter a piedade de Jesus, a filosofia de Job ou a ternura de S. Francisco para dar a quem sofre. Para isso basta dedicar um único dos mil quatrocentos e quarenta minutos que o dia tem, analisar as nossas acções.
Não é preciso ter a piedade de Jesus, a filosofia de Job ou a ternura de S. Francisco para dar a quem sofre. Para isso basta dedicar um único dos mil quatrocentos e quarenta minutos que o dia tem, analisar as nossas acções.
Quantas iniquidades cometemos com o
sorriso nos lábios, e valha a verdade, sem mesmo as avaliar. Perdulários,
vaidosos e sôfregos de prazer, há homens e mulheres que consomem fortunas nas
suas futilidades, quase sem discutir preço, mas pensam três vezes na
modestíssima quantia com que hão-de subscrever um donativo.
É verdade que os bens terrenos não têm
uma divisão equitativa, mas eu não censuro os ricos... Nada disso. Que Deus
lhes aumente ainda mais a riqueza! O que eu lhes peço é que se lembrem dos que
nada têm e por eles distribuam um pouquinho da sua fartura.
É isso o que eu te quero dizer, amigo. Que o teu monte cresça; gasta ou amealha, conforme queiras, mas não te esqueças de que há tanta gente necessitada a quem as migalhas da tua mesa e as roupas quase esquecidas nas tuas gavetas, poderiam alimentar e agasalhar.
É isso o que eu te quero dizer, amigo. Que o teu monte cresça; gasta ou amealha, conforme queiras, mas não te esqueças de que há tanta gente necessitada a quem as migalhas da tua mesa e as roupas quase esquecidas nas tuas gavetas, poderiam alimentar e agasalhar.
Na maioria das casas ainda não existe o chamado
"quarto de arrumos" que melhor se chamaria o "cemitério das
coisas". Durante anos, objectos e roupas ali envelhecem, se deterioram e
quando o bolor e a traça completam a sua nefasta acção, vai tudo para o lixo.
Isto só tem uma qualificação: procedimento
criminoso. Nalguns casos raros, dá-se a um pobre um casaco já bafiento ou um
par de sapatos com as solas esburacadas. No entanto, esse casaco, há anos,
quando foi "arrumado" no tal quarto, era de aspecto decente e não
tinha bafio; porque não se deu nessa altura a quem dele precisasse? Para que se
deixou estragar? Os sapatos que se puseram de parte, ainda em estado de
conservação aceitável, por que não se deram também nessa ocasião? Porque o
egoístico sentimento de posse não o permitiu. Há quem estupidamente delire em
dizer para si mesmo: "está ali, é meu"! "E o está ali"
apodrece, não lhe serve para nada nem aproveita a ninguém!
Não se suponha que faço aqui a apologia
de se exercer a caridade apenas na quadra do Natal. Os pobres precisam durante
todo o ano, mas eu, amigo leitor, é que aproveito esta oportunidade da Festa
Familiar para falar ao teu coração, para lembrar aquilo que deves fazer sempre:
DAR!
Há uns anos, numa digressão que efectuei
ao Algarve, li um reclame que dizia assim: "Comer chocolates da marca tal
é sempre Domingo". Porquê? Porque o domingo é o dia que nos agrada, é o
dia que nos dá maior prazer. Ora, para termos o prazer de dar, é sempre
domingo!
O prazer de dar suplanta todos os
outros. Experimenta, amigo, e verás com que alegria dás aos necessitados o que
a ti não faz falta! Contudo, dá o que pode ser imediatamente aproveitado e não,
por exemplo, o par de sapatos esburacados; quem os recebe não tem dinheiro para
a meias solas e, por isso, continua a andar com os dedos de fora; assim dá-lhe
ao menos, o necessário para o sapateiro; isso será duplamente agradecido. Não
basta dar; é preciso dar o que é útil.
Dá com o coração e com a cabeça e
lembra-te sempre que "dar aos pobres é emprestar a Deus". Não te
sentirás ufano em ser credor da Omnipotência? Pois olha que isso é fácil. Dá
tudo o que não precisares, e dá também, se assim o entenderes, alguma coisa do
que necessitas. Vê bem que os pobres, como tu, possuem um estômago e, como tu
também, um corpo que precisa de ser vestido.
Não alimentes nem estimules com o teu
óbulo (donativo) a mendicidade industriosa, mas socorre a verdadeira miséria, e
principalmente a miséria envergonhada, aquela que raras vezes estende a mão à
caridade pública. Eleva um pensamento a tua mãe quando encontrares aquela
velhinha trôpega, recorda-te dos teus filhos quando vires dois garotinhos
andrajosos, de facezitas esquáticas, e lembra-te de i próprio se eles te
pedirem esmola para o pai doente.
Ah! Tu já tens lágrimas nos olhos! Bom
sinal! Eu bem sabia que tinhas coração, amigo. Aproveita então esta
oportunidade do Natal e faz uma revista ao "quarto de arrumos",
compartimento, aliás, que agora penso que já existe nas novas casas, visto que
os técnicos negaram em tempos e com razão, a sua "utilidade".
Quer tenhas quer não, abre os armários,
as gavetas e as malas. O que ai há de roupa que não usas! Vestidos de tua
mulher, fatos teus, calçado, um mundo de coisas entregues à volúpia da traça,
por mais naftalina que lhe ponhas.
Não haverá ao pé da tua porta pessoas a
quem sejam altamente úteis essas tuas inutilidades? Não tens a quem dar? Então
despacha isso para nós, melhor entregue tudo isso na nossa associação. A ADASCA
sabe onde a miséria vive; nós conhecemos pobres que necessitam do teu auxílio,
aqueles a quem as coisas velhas, sem préstimo para ti, vão servir de coisas
novas, cheiinhas de utilidade.
Procede como te digo e, aliás como o teu
coração manda. Quando vires pela porta fora os velhos trastes e roupas do teu
"cemitério das coisas", sentirás um imenso alívio na consciência e um
aleluia bem fundo no coração. O teu fato com que embirravas, e por isso não
vestias, em vez de jazer no túmulo duma mala, vai de novo servir para cobrir um
ser igualzinho a ti, mas a quem a fortuna não bafejou. Isto não te alegra? Certamente
que sim. Verás como este Natal terá um novo encanto!
Sentado à mesa farta, no aconchego da
tua casa e rodeado pela tua família, pousarás os olhos no Menino rosado do
presépio, que, desde as palhinhas do seu berço, te sorri com elevo.
O olhar de Jesus Cristo cai sobre ti, e o seu coração, como o meu e o teu, transborda de ternura e alegria, ao ver que os homens não esqueceram de todo a verdade do Seu Verbo, nem em vão Ele viveu uma existência terrena de martírio, a pedir para os que têm fome e têm frio.
O olhar de Jesus Cristo cai sobre ti, e o seu coração, como o meu e o teu, transborda de ternura e alegria, ao ver que os homens não esqueceram de todo a verdade do Seu Verbo, nem em vão Ele viveu uma existência terrena de martírio, a pedir para os que têm fome e têm frio.
As riquezas amontoadas causam
perturbações sociais e inquietação permanente. O mundo tem necessidade de
gestos solidários concretos. O frio chegou: o necessitado espera.
Boas Festas, amigo, e em nome dos deserdados que, nesta quadra, devem a ti um pouco de conforto, a eterna gratidão do amigo de sempre.
Boas Festas, amigo, e em nome dos deserdados que, nesta quadra, devem a ti um pouco de conforto, a eterna gratidão do amigo de sempre.
Por Joaquim Carlos.
Presidente da Direcção da ADASCA
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