quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Macroscópio – Na despedida de 2015, um breve olhar para o ano que acaba

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


São habituais, neste final de ano, os balanços e as retrospectivas. O Macroscópio vai tentar evitar esse caminho, apesar da abundância de bons trabalhos em muitos órgãos de informação. Vamos antes por outro caminho: procurar, entre os textos mais lidos e partilhados do Observador, recuperar alguns que vale a pena reler (ou descobrir pela primeira vez). Mais do que procurar ser sistemático e cobrir tudo o que de importante se passou no ano que acaba, a selecção que preparei deixará muitos temas de fora mas visa proporcionar-vos bons momentos de leitura, ou então recordar-vos textos ou trabalhos marcantes que vale a pena relerem.

Vou começar por alguns dos nossos Especiais, destacando o texto mais partilhado do ano: “Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”, uma entrevista de Rita Ferreira a Carlos Neto, professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, que à hora a que escrevo já ia nas 186.531 partilhas. E compreende-se, pois trata-se de uma conversa muito interessante em que se contesta a forma hiperprotectora como as famílias de hoje tendem a criar os seus filhos. Pequena passagem:
"As crianças brincam porque procuram aquilo que é difícil, a superação, a imprevisibilidade, aquilo que é o gozo, o prazer. E, portanto, aquilo a que eu chamo crianças "totós", são hoje definidas como crianças superprotegidas, crianças que não têm tempo suficiente para brincar e crianças que não têm tempo nem espaço para exprimir o que são os seus desejos."
Ou então:
"Como é que queremos que as nossas crianças sejam empreendedoras se estamos a retirar-lhes todas as possibilidades de elas aprenderem a fazer isso? A construção de uma cultura empreendedora faz-se quando se dão possibilidades para que a criança possa brincar. Se nós retiramos aquilo que é a identidade da criança, que é brincar de forma livre, com um nível de margem de risco muito superior àquela que os adultos têm, elas com certeza que não vão ter condições de serem verdadeiramente autónomas."
Para ler, meditar e partilhar com todos os amigos e familiares com filhos pequenos. A bem deles e dos míudos.

Mais alguns Especiais que foram muito lidos e muito partilhados:
  • A Pilhagem de África – e de Angola – contada por um jornalista do Financial Times, que destaco não apenas pela sua qualidade – trata-se de um extrato de um livro escrito por um jornalista que passou décadas a trabalhar em África –, mas também por ser apenas um dos vários Especiais que dedicámos a Angola, trabalhos onde se denunciaram muitos dos vícios do regime e também se retratou a crise que chegou com a descida do preço do petróleo. Mais dois exemplos:Portugueses saem de Angola: a salvação já não é aqui, uma reportagem de Tiago Palma sobre as dificuldades porque estão a passar muitos dos emigraram para a antiga colónia, eO livro que conta como funciona a oligarquia angolana, onde o historiador Pedro Aires Oliveira apresenta Magnificent and Beggar Land. Angola since the Civil War, um livro que resultou do trabalho de um investigador português a leccionar em Oxford, Ricardo Soares de Oliveira (entretanto já saiu uma tradução portuguesa desta obra importante).
  • Uma fatura detalhada para Angela Merkel, um ensaio de José Carlos Fernandes, um dos colaboradores mais marcantes do Observador e que, neste trabalho, procura responder a uma questão suscitou paixões e dividiu políticos e comentadores: quando poderia dever a Alemanha à Grécia por causa da ocupação na II Guerra? E quanto dívida foi perdoada à Alemanha poucos anos depois do fim dessa guerra? Eis o seu ponto: “Ao insistir ser indemnizada pela Alemanha pelo que sofreu na II Guerra Mundial, a Grécia quebra um pacto tácito que esteve na base de 70 anos de paz na Europa.”
  • António Lobo Antunes. Ascensão e queda do ‘enfant terrible’ da literatura portuguesa, um texto de Joana Emídio Marques que destaco não apenas pelo sucesso que teve junto dos nossos leitores, mas por traduzir algo que queremos que seja uma das imagens de marca do nossos jornalismo, isto é, o de contar o que é omitido quando, por exemplo, estão em causa figuras tidas por intocáveis. E no neste país do respeitinho ninguém colocava a questão incómoda que ela colocou: “É o mais importante escritor português, mas o último romance vendeu 1600 exemplares na Fnac, quando há anos se vendiam 10 mil em três meses. Por que abandonámos este minotauro no seu labirinto?” Aliás não foi o único trabalho polémico e muito lido desta autora, pois o mesmo sucedeu com Isabel da Nóbrega, a musa que Saramago apagou da (sua) história, onde se conta a relação com o nosso Prémio Nobel de alguém que, além de ser uma das mais belas mulheres da Lisboa dos anos 50 e 60, era uma promessa literária, foi casada com o escritor e, depois, esquecida, como que escondida debaixo do tapete, para ninguém ver nem saber.
  • Euribor negativa. O banco vai pagar o seu crédito à habitação?, de David Almas, o jornalista que tem dado os melhores conselhos para gerir as suas finanças pessoais, pois os órgãos de informação também devem prestar serviços úteis aos seus leitores. Foram muitos os especiais que ele escreveu em 2015, mas resolvi destacar este por a sua abordagem ser especialmente apelativa: “As Euribor estão a entrar em terreno negativo, o que poderia levar os bancos a pagar mensalmente parte das dívidas nos créditos à habitação. A banca discorda e quer continuar a cobrar.”
  • Eurocrise: uma outra perspectiva, de Vitor Bento, um ensaio que teve enorme impacto e foi muito lido e discutido. Um trabalho de grande fôlego que veio provar como a informação online não só suporta, como favorece, a divulgação deste tipo de ensaios, e um trabalho que teve a enorme virtude de questionar os termos do debate europeu: “Após seis anos de crise, a zona euro está pior. O seu mau desempenho não era inevitável e poderia ter sido melhor. Se não foi, tal decorre duma política económica desadequada”.
  • De um lado é a igreja, do outro é um bordel (e no meio está a crise), de João Almeida Dias, uma bela reportagem realizada em Montemor-o-Novo, um mergulho num país pouco conhecido, com todas as suas realidades ocultas e verdades inconvenientes. Aperitivo: “Assim é o antigo Convento da Nossa Senhora da Conceição, em Montemor-o-Novo. O dono diz que é só "uma casa de namorados". O padre? "Não sou eu que mando". Fomos lá espreitar, com o Manuel e o Zeca.”

Uma outra área forte do Observador é o nosso espaço de opinião, um área bem demarcada da informação na qual se assume, sem falsos pudores, um olhar sobre o nosso país e o mundo em que vivemos. Sem surpresa, os textos mais lidos do ano tiveram a ver com três temas que polarizaram fortemente o espaço público: a crise grega, o processo de formação do actual governo e o caso Sócrates. Três textos seleccionados de entre os que foram mais lidos, partilhados e comentados:
  • Estou farto do choradinho dos desgraçadinhos dos gregos, um texto que eu próprio escrevi onde defendi que “Os problemas da Grécia não começam agora no Syriza nem acabarão com o Syriza. São problemas antigos, entranhados, que fazem do país um corpo cada vez mais estranho numa união monetária como o euro.”
  • A fraude pós-eleitoral, de Rui Ramos, onde o autor contesta a solução da maioria de esquerda: “António Costa era candidato a primeiro-ministro. Caso os portugueses quisessem um governo liderado por António Costa teriam certamente posto o PS à frente. Não puseram.”
  • Epístola de Sócrates aos coríntios, de Helena Matos, onde a colunista considera que “Ao querer transformar a sua prisão num caso político, Sócrates, muito mais que destruir o juiz Carlos Alexandre, pretende sim comprometer o PS com a sua defesa e destruir a estratégia de Costa”.

Ainda no domínio da opinião, dois textos que, em registos muito diferentes, um deles muito provocatório, chegaram ao “top ten” pela sua força e originalidade:
  • Giles Coren arrasa a comida portuguesa por causa de uma alforreca (e de uma lagartixa), uma crónica de Lucy Pepper e que só poderia ser de uma inglesa (a viver em Portugal) sobre um inglês (que disse mal de Portugal): “Estou tentada a convidar o Giles a jantar cá em casa, mas é provavelmente uma causa perdida. Ele tem demasiadas cicatrizes mentais provocadas por Portugal, e nenhum enchido, queijo ou qualquer coisa feita com ovos seria suficiente para reconquistar o seu coração.”
  • Pobreza? Tenham decência, nem sabem do que estão a falar, um texto muito duro de Gabriel Mithá Ribeiro, um texto que é também uma crónica da sua vida e um ataque quase cruel, e por isso polémico, a alguns preconceitos muito presentes no espaço público: “Quem teve de viver na miséria, na diferença racial, como eu vivi, ou que se viu forçado a recomeçar do nada sabe o cuidado, o recato, a ponderação exigíveis quando se mexe em dignidades esfrangalhadas”.

Passo agora para outra área em que o Observador se diferencia: os nossos Explicadores. É uma fórmula que criámos para ir ao encontro de leitores que querem entender, que querem saber mais, que procuram respostas para as suas interrogações e dados para poderem pensar pelas suas cabeças. Quatro exemplos de 2015, de entre os mais lidos:
A dificuldade desta tarefa de seleccionar alguns dos melhores trabalhos de 2015, e também dos que foram mais lidos, e também capazes de representar um pouco do que foi o ano que passou não podia terminar sem uma referência a algumas fotogalerias magníficas. Deixo-vos com a minha preferida, que foi também uma das mais apreciadas pelos leitores: Ciganos do Alentejo numa exposição em Nova Iorque. Se na altura lhe passou despercebida, veja-a agora. Se já viu, volte a vê-la, como eu próprio acabo de fazer, pois verá que não se arrependerá.



Com estas belíssimas imagens me despeço com um “até para o ano”, que será um até para o ano só retomado a 11 de Janeiro, pois não haverá Macroscópio na próxima semana. Tenham boas entradas e façam por ter um 2016 mais feliz. O Macroscópio irá acompanhar-vos, como não podia deixar de ser. Por isso talvez seja melhor dizer apenas “até já”.

 
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