Mais cremações mostram mudança de atitude face à morte
por ANA BELA FERREIRA
Médico legista diz que portugueses lidam melhor com o
fim da vida.
A forma como os portugueses lidam com a morte está a
mudar. O culto da preservação do corpo está a diminuir, como prova o aumento
das cremações. E há um maior à-vontade em falar deste tema, defende o professor
de Medicina Legal José Eduardo Pinto da Costa. O médico acredita que, "em
relação ao passado, as pessoas começam a aceitar melhor a ideia da morte",
embora "não a desejem".
Só as cremações aumentaram "400% na última
década", refere Paulo Carreira da Servilusa, a empresa responsável por
quatro dos 16 fornos crematórios nacionais. Também em Lisboa a cremação tem
vindo a crescer e já representa metade dos funerais. Em 2009, realizaram-se
9113 funerais, dos quais 4551 foram cremações. E nos primeiros três meses de
2010 realizavam-se em média 3,9 cremações por dia, de acordo com os dados da
Câmara Municipal de Lisboa, em relação aos crematórios do Alto de São João e do
Cemitério dos Olivais.
A maior procura da cremação resulta de uma diminuição
do culto da preservação do corpo. Também porque "antigamente a religião
católica proibia a cremação e hoje já aceita", explica Pinto da Costa.
Por outro lado, "a formação dos indivíduos já não
está tão condicionada pela tradição", diz o sociólogo Moisés Espírito
Santo. A morte é assim "encarada de uma forma mais livre". Os
portugueses têm hoje "uma angústia menor perante a morte, porque já
esperam viver mais tempo e quando chegam a uma certa idade pensam que já foram
recompensados por viver tantos anos", explica o especialista na área da
religião.
O professor Pinto da Costa refere que o aumento dos
suicídios também está ligado à forma como se encara a morte. "A
relativização da morte na sociedade moderna leva ao aumento das mortes por
suicídio", não esquecendo que as pessoas que pensam em acabar com a vida
não têm "capacidade psicológica para lidar com os seus problemas",
defende. Para Moisés Espírito Santo, "os portugueses consideram a vida
como uma coisa sua e não esperam que os outros tomem decisões por si,
achando-se no direito de pôr fim à vida". Ou seja, "é uma forma de
decidir a própria vida".
O sociólogo sublinha outra diferença que mostra como a
sociedade encara a morte "de forma mais natural": "Tirando os
primeiros dias, o luto deixou de existir, mostrando uma atitude de
naturalidade."
A ideia de que a morte não é o fim da existência é
comum a 80% da população mundial, sublinha Pinto da Costa, coordenador do 12.º
curso livre de Medicina Legal da Universidade Portucalense (ver caixa ao lado).
"As pessoas não gostam deste tema e por isso imaginam, numa lógica
mágico-religiosa, que existe outra vida", justifica. Esta crença ajuda
também as pessoas a libertarem-se do culto do corpo, diz Pinto da Costa
Fonte:
DN, 28-10-10
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