segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Macroscópio – A mais estranha das campanhas Presidenciais

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


O Macroscópio está de regresso. Ao 11º dia de 2016, depois de uma semana de repouso – uma semana que foi também a do pré-lançamento da campanha das Presidenciais, uma campanha que está desde ontem definitivamente na estrada. Com dez candidatose um formato de debates televisivos (e radiofónicos) que nunca tínhamos visto, é uma campanha que tem muitas originalidades, como o facto de o PS não apoiar nenhum candidato e tanto o PSD como o CDS não participarem na campanha do “seu” candidato. Mesmo assim, apesar de outros temas importantes dos últimos dias que poderiam justificar um Macroscópio – os acontecimentos de Colónia, a crise entre a Arábia Saudita e o Irão, o novo regime de avaliação introduzido pelo Ministério da Educação, só para citar alguns exemplos – julgo ser importante chamar a atenção para alguns trabalhos sobre estas eleições, assim como para algumas reflexões sobre o que estará em causa a 24 de Janeiro, o dia em que voltaremos a ir até às nossas secções de voto.

Comecemos por alguns textos de enquadramento. E por dois que, por serem bastante sintéticos, ajudam a perceber o essencial dos últimos dias.
O primeiro saiu no Diário Económico e, através das palavras dos próprios candidatos, procura responder à questão Por que sou o melhor candidato a Belém? É uma boa forma de escapar à leitura ou recapitulação das muitas entrevistas e declarações das últimas semanas, ficando delas apenas com o essencial.
O segundo foi preparado pelo Jornal de Negócios e também trata de responder a uma outra questão: Debates houve muitos. E temas em discussão, quantos foram? Não muitos, mas com matéria suficiente para muita controvérsia: Banif, Serviço Nacional de Saúde, Constituição, Europa, Actual solução governativa, Passado dos candidatos e Independência.

Num registo diferente, gostaria de destacar dois trabalhos de Rita Tavares para o Observador, dos especiais com algum desenvolvimento:
  • O que o Presidente da República podia ter sido (e nunca foi), onde se especula sobre como poderiam ter actuado os nossos Presidentes se algumas propostas de revisão constitucional tivessem ido por diante: “E se o Presidente da República pudesse ser eleito aos 18 anos? Ou ser obrigado a nomear um primeiro-ministro escolhido pelo Parlamento? Se pudesse dissolver a Assembleia da República a poucos dias de deixar Belém? Ou nomear o governador do Banco de Portugal e ainda definir a política externa nacional? E se não pudesse pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade de diplomas (aceitam-se apostas: de quem foi a ideia?)? Ou ainda se pudesse escolher juízes do Tribunal Constitucional? E se não pudesse nunca demitir um governo suportado por uma maioria absoluta?” A conclusão é que, “provavelmente não era um Presidente, pelo menos desta República.”
  • Esquece o que eu fiz, faz o que eu te digo – ex-candidatos dão a tática para as presidenciais, onde se foram ouvir candidatos que perderam eleições (sendo que alguns nem sonharam ganhá-las) para saber como fariam diferente hoje. Em causa as experiências das campanhas de Manuel Alegre, Fernando Nobre, Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco Louçã e Carlos Carvalhas. Eis os cinco conselhos que eles dariam: 1. Muitos contactos, mas cuidado com a saúde; 2. “Não devia ter dito aquilo”; 3. A máquina partidária ajuda… e atrapalha; 4. Mensagem clara e verdadeira e ainda 5. E umas quantas dicas extra.

Mais como curiosidade, mas mesmo assim uma curiosidade interessante e significativa, no Observador fomos também ver se também estamos perante uma corrida de primeira-damas, mas, em Primeira-dama. A tradição já não é o que era, deparámo-nos com uma situação bem diferente: é que “os principais candidatos às presidenciais não pretendem levar os seus cônjuges para Belém. É o fim de uma "cortesia republicana" de 40 anos, que de repente parece já não fazer sentido para ninguém.”

Passemos agora a uma selecção de alguns dos textos de reflexão política mais significativos. Eis a minha selecção:
  • Marcelo e os outros, de Miguel Sousa Tavares, no Expresso (pay wall), por onde começo por sentir que abre logo com uma avaliação que será comum a muitos eleitores: “Falando por mim, não vejo, em nenhum dos dez candidatos presidenciais, ninguém cujo currículo, ideias e personalidade justifiquem a eleição para o alto cargo a que aspiram. Portugal precisava de melhor e tem melhor. Mas talvez aos melhores falte a dose de vaidade necessária a uma candidatura destas e sobeje a vontade de fazer coisas mais úteis e interessantes do que ser uma espécie de notário do regime”.
  • A sério?, de Maria João Avillez, aqui no Observador, também manifesta uma grande desilusão com esta campanha e estes candidatos: “Nunca vi Portugal tão pouco interpelado por um acto político desta natureza, nem se sabe o que é menos mobilizador, se os candidatos, se o que têm para nos propor. Para não falar da, como definir?, modesta substância do que nos dizem pensar sobre as coisas, sobre o país, sobre o que aí está. E sobre o que aí deveria passar a estar, caso eles se metessem a isso.”
  • Segue a fantochada, onde Vasco Pulido Valente, no Público, usa palavras duras para definir aquilo a que temos vindo a assistir: “Fora a palração sem nexo dos debates, o que se discute, se alguma coisa se discute, é a personalidade e a vida de Marcelo Rebelo de Sousa, uma criatura interessante, mas que não merece dezenas de horas de televisão. Se alguém por aí chama a isto democracia, pode ter a certeza absoluta que está enganado. Isto é a espécie de fantochada com que as democracias normalmente morrem.”
  • Um dia destes, um presidente mudará o regime, de Rui Ramos, de novo no Observador, onde o historiador cita um estudo do constitucionalista Pedro Fernandéz publicado a semana passada (Os Poderes Presidenciais sobre a Formação e a Subsistência do Governo) para defender que os Presidentes podem ter mais latitude na sua actuação do que aquela que têm tido. É uma tese que desafia a convenção: “O presidente preside, mas não governa (uma fórmula da monarquia constitucional). Mas sem governar (isto é, sem ser o primeiro-ministro), o presidente pode controlar e liderar a governação, como na França gaullista. Não é a tradição, não seria fácil — mas nada nesta constituição o impede. Tal como um regime pode ter várias constituições (exemplo: a monarquia constitucional), uma constituição pode servir a vários “regimes”, no sentido de sistemas de governo.  (exemplo: a constituição da república de Weimar)”.
  • Causas presidenciais, de Vital Moreira no Expresso, onde o constitucionalista vai por um caminho bem diferente ao considerar que os candidatos parecem exceder-se quando se põem a defender políticas concretas: “O Presidente da República não tem nenhum meio de executar as políticas públicas que propõe. O presidente da República não governa nem determina as políticas governativas, que são coutada constitucional dos governos. O próprio poder de veto legislativo, além de ser um poder puramente negativo, é em geral superável pela maioria governamental no Parlamento.”
  • A campanha do negacionismo, de Manuel Carvalho, no Público, onde este critica a forma como, de repente, a austeridade passou a ser tratada como uma questão moral, gerando um “negacionismo danoso”: “a “austeridade”, infelizmente, não acabou. Porque não deixámos de ser um país pobre cujo Estado continua a endividar-se e a gastar mais do que o que recebe. O maior perigo para o país é deixar que este negacionismo do passado recente instale a ideia de que a “austeridade” foi obra e graça de Sócrates, de Passos e de outros delinquentes dedicados a esmifrar os mais pobres.
  • O inverno marcelista, de um jovem de apenas 19 anos, António Pedro Barreiro, publicado no Observador e que traduz o desalento, senão mesmo a irritação, de boa parte da direita com Marcelo Rebelo de Sousa: “Em anos de chumbo, Passos e Portas tiveram o mérito da autenticidade. Em tempo de vésperas, o prelúdio do marcelismo é a vitória da nebulosidade. Pelo jogo de nervos em que enredou a direita, Marcelo afirma-se, por direito próprio, anti-Passos e anti-Portas. Na vitória ou na derrota, na primeira volta ou na segunda, a direita que o beba provará cicuta com sabor a vichyssoise. Insonsa, até que a esquerda lhe acrescente sal.”
  • Sampaio da Nóvoa é Portugal, de Alberto Gonçalves no Diário de Notícias, onde se defende que é o professor doutor Sampaio da Nóvoa quem, se calhar sem querer, melhor personifica parte do povo: “Ele é o vazio das "ideias". Ele é a jactância dos simples. Ele é a superioridade moral erguida sobre ar morno. Ele é a infantilidade do discurso. Ele é o fervor dos beatos. Ele é a crença primitiva na magia do lirismo. Ele é o sentimentalismo vulgar. Ele é a redução da liberdade a uma palavra que se mastiga. Ele é o suave apelo da loucura. Ele é a parlapatice do feirante. (…) Ele, o professor doutor Sampaio da Nóvoa, é não só certa esquerda: é também certo Portugal.
  • Sampaio da Nóvoa e a liberdade: uma relação ambivalente, de André Azevedo Alves no Observador, uma crítica às omissões (e equívocos) do reitor-candidato na sua relação com a liberdade: “Sampaio da Nóvoa ama tanto a liberdade que quer evitar que os jornalistas abusem dela fazendo perguntas inconvenientes. Tal como nem sequer consegue definir o seu posicionamento face ao 25 de Novembro.”
  • Tema tramado, de João Taborda da Gama, no Diário de Notícias, uma boa forma de terminar esta selecção pois trata-se de um texto divertido sobre uma das propostas mais bizarras desta campanha, a da candidata Maria de Belém de realizar os banquetes de Estado com dignitários estrangeiros em instituições de solidariedade social. Poderia não correr nada bem: “seria recusada no segundo em que o diplomata português encarregado da organização da visita dissesse ao seu homólogo francês que o banquete com Hollande, e senhora de, seria no Repouso d"Avozinha no Carregado, Repos de Mamie, à Carregadô)”…

Houve mais, até porque ocorreram os debates, por vezes ao ritmo de vários por dia, mas a verdade é que o país ainda segue estas eleições meio adormecido. Cansaço passageiro da política, que tão intensa foi no pós-legislativas? Ou real desinteresse pelas presidenciais, por motivos que esta selecção de textos deixam bem claros? Os próximos tempos ajudar-nos-ão a perceber.

Por mim, e pelo Macroscópio, despeço-me, com os habituais votos de boas leituras.

 
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