O Macroscópio vai hoje regressar a algumas das suas obsessões – isto é, a temas sobre os quais nem sempre incide a atenção dos portugueses mas que perorrem o mundo e tornam-no num lugar mais perigoso e mais imprevisível do que esperávamos e, sobretudo, do que gostaríamos. A minha selecção de textos poderá parecer algo aleatória, mas não é: procura, assumidamente, desinquietar.
Uma nova crise europeia?
No final da semana passada e no início desta chamei-vos a atenção para alguns textos que alertavam para uma possível crise a formar-se no horizonte da União Europeia. Recordo alguns deles: Four signs another eurozone financial crisis is looming, de Wolfgang Münchau no Financial Times; : Is the sovereign debt crisis coming back to haunt Europe?, uma análise do Telegraph; ou ainda European banks: Borrowed time, que era um dos editoriais da revista The Economist da semana passada.
Hoje acrescento mais alguns alertas. O primeiro é de Robert J. Samuelson, que escreve no Washington Post: An impending recession? O autor recorda que períodos de grande perturbação nos mercados, como aquele a que temos vindo a assistir, com subidas e descidas que revelam grande nervosismo, estão quase sempre associadas posteriores recessões. Sem querer tirar conclusões, eis o que recorda: “Economists have long disparaged the stock market’s predictive powers. They like to quote the late Paul Samuelson (no relation to this writer), a Nobel Prize winner, who once said that the stock market had forecast nine of the last five recessions — a biting verdict on the market’s clairvoyance. It’s true that modest stock “corrections,” declines of 5 percent or 10 percent, haven’t foretold recessions. But that’s not true of bear markets, conventionally defined as declines of 20 percent or more. Writing in Real Clear Markets, Brookings Institution economist George Perry notes that, by this standard, there have been seven bear markets in the past 50 years, and five of them have been associated with recessions. The recessions began in 1969, 1973, 1981, 2001 and 2007. Bear markets in 1966 and 1987 were not followed by recessions. Also, recessions in 1980 and 1990 were not predicted by bear markets.”
Ontem o Observador chamava a atenção para o Plano de “sábios” alemães que ameaça relançar crise do euro, escrevendo que o grupo de cinco economistas que aconselha o governo alemão tinha proposto “a criação de um Mecanismo de Insolvência de Soberanos na zona euro. Um mecanismo que, na prática, iria reconhecer que os países da união monetária podem cair em falência e iria impor perdas aos investidores privadosem caso de necessidade.” Para um desses cinco “sábios”, o que votou contra essa proposta, se tal plano fosse em frente estaríamos perante “a forma mais rápida de acabar com a zona euro“. Essas declarações foram feitas ao diário britânico The Telegraph, mais exactamente a Ambrose Evans-Pritchard que no mesmo texto, German 'bail-in' plan for government bonds risks blowing up the euro, notava que “The move is courting fate at a time when Portugal is already in the eye of the storm, facing a slowing economy and a clash with Brussels over austerity. The risk spread on Portugal’s 10-year debt surged to 410 basis points over German Bunds last week, pushing borrowing costs back to unsustainable levels in real terms. Portugal’s public debt is 132pc of GDP. Total debt is 341pc, the highest in Europe. The country is in a debt-deflation trap and requires years of high growth to escape.”
Já hoje ficámos a conhecer as previsões da OCDE para a economia global, e estas não trouxeram alegrias, pois os números foram revistos em baixa, sendo que aquela organização diz agora que a Economia mundial vai crescer ao ritmo mais lento dos últimos 5 anos. Concretizando: “As perspetivas globais de crescimento estão praticamente estagnadas. Os números recentes desapontaram e os indicadores apontam para um crescimento mais lento nas principais economias, apesar dos incentivos dados pelo petróleo barato e pelas baixas taxas de juro”, afirma a economista-chefe da OCDE, Catherine L. Mann."
É com este cenário como fundo que os líderes europeus estão hoje reunidos em Bruxelas para lidar com um dos temas mais delicados no nosso futuro próximo: o referendo sobre o Brexit. Quem achar que a escolha dos britânicos pouco nos diz deve lerThe battle over Brexit matters to the world de Martin Wolf no Financial Times. Eis um dos argumentos: “The continental Europeans are also torn on the British question. Given the existential challenges the EU faces, the last thing they need is protracted uncertainty over the place of this reluctant member. But it is hard to argue that the union would be better off without its second-largest economy and a country with a long history of democratic stability, close connections to the English-speaking democracies, an effective security establishment, a liberal attitude to commerce and a global outlook.”
Ou ainda este, Brexit and the Special Relationship, de Richard N. Haass, President do Council on Foreign Relations no Project Syndicate: “An EU without the UK would be one in which Germany would have even more influence that it does now. Such a preponderance of power cannot be healthy in the long run, as it will fuel resentment of Germany and likely leave the EU less willing and able to act together on the world scene. The result would be a weaker Europe at a time when the US needs a stronger one.”
Preocupação com as eleições americanas
As eleições americanas estão a surpreender tanto à esquerda como à direita. Entre os republicanos, Trump é uma dor de cabeça cada vez maior. Entre os democratas, a possibilidade de Bernie Sanders levar o partido para posições mais radicais pode materializar-se se Hillary Clinton não conseguir vencer as próximas primárias. O avanço de ambos coloca um problema à América e ao mundo: The revival of American isolationism, como escreve Gideon Rachman, de novo no Financial Times. O isolacionismo é um velha tradição de alguns sectores do espectro político dos Estados Unidos, tanto à esquerda como à direita, e agora “Together, Mr Trump and Mr Sanders are capitalising on growing American disillusionment with globalisation. The living standards of middle-income Americans have been under pressure for decades, and foreigners and an internationally connected elite are easy scapegoats. Both the far right and the hard left in America are now promising a retreat from globalisation. But any such retreat would have profound consequences, not just for the international economy, but for America’s role as the world’s most powerful nation.”.
Bem sei que a possibilidade de qualquer destes dois candidatos chegar à Casa Branca ainda é remota, mas não sei se posso partilhar a análise de Pedro Madeira Rodrigues, que escrevendo hoje no Observador - A Caminho da Casa Branca II – defendeu que “Vencer [nas primárias republicanas] o aparentemente invencível Trump não será nada fácil. No entanto parece claro que, apesar da sua força, este terá já atingido um “tecto” na captação de apoios e que dificilmente conseguirá ter a maioria necessária para a nomeação. Assim, se Rubio conseguir congregar os votos de todos os que não apoiam Trump, poderá alcançar a nomeação do Partido Republicano. Depois, com a ajuda do desgaste de Hillary Clinton provocado por Sanders e a mais que provável “entrada na corrida” de Bloomberg, Marco Rubio poderá ser o principal favorito ao cargo de Presidente dos EUA.”
Como chegámos aqui? Há no site Real Clear Politics um texto que nos ajuda a pensar: Three Revolts Are Shaking American Politics, de Ron Faucheux. Depois de defender que “Conventional wisdom is wrong again. There is not one big populist revolt now sweeping across America. Rather, there are three revolts –– one from the right, one from the left and one from angry voters across the board”, o autor conclui que podemos estar a assistir a mudanças muito mais profundas do que imaginamos:
In distinct ways, each of these movements reflects the loss of public confidence in our political system and, more fundamentally, the eroding legitimacy of American democracy. When history writes its chapter on the 2016 election, it will record how three revolts roiled our politics. In truth, this may not be the winter of our discontent; it may be the start of something that lasts much longer.
E uma história de João Paulo II
Como muitos leitores terão notado, uma reportagem da BBCrevelou este fim-de-semana as cartas, até agora mantidas, secretas que João Paulo II enviou a Anna-Teresa Tymieniecka,uma filósofa americana de origem polaca. Encontrei no El Pais um texto que, mesmo defendendo um ponto de vista crítico, ajuda a perceber melhor não só o sentido dessa correspondência, como a relação que o Papa polaco manteve, ao longo de toda a sua vida, como diferentes mulheres: La conflictiva relación del papa Wojtyla con las mujeres. Pequeno extracto: “Fue Malinski quién me recordó que la relación de Wojtyla con la mujer, aparentemente desinhibida, mantenía siempre un trasfondo de dolor ya que, en vida, aún niño, perdió a dos mujeres muy importantes: a su madre que murió joven, de infarto, y a su hermana que nació muerta y que, al ser sus padres muy católicos, no fue enterrada por no haber recibido el bautizo. Por eso no figura en la tumba de familia en la que Wojtyla, ya papa, reunió a todos los suyos. “Falta mi hermana, que nació muerta”, comentó públicamente una vez hablando de la tumba de su familia. Hay quien vio en este antecedente la clave de que, ya papa, Wojtyla aboliera del Catecismo Universal del Concilio el limbo de los niños. No quería que su hermana pudiera quedar en el limbo, sin gozar de Dios.”
Despeço-me por hoje numa altura em que dois temas acendem os debates – a pressão de António Costa e do PS sobre o Governador do Banco de Portugal e o sempre difícil compromisso a que se terá de chegar no Conselho Europeu para que Cameron possa regressar a casa com uma vitória (seja ela qual for) que favoreça as hipóteses de o Reino Unido continuar na União Europeia –, debates que lhes recomendam sigam aqui no Observador.
Bom descanso, boas leituras, e até amanhã.
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