Em Moçambique existem muitas mulheres em lugares de decisão, como no Parlamento e no Executivo, por isso seria de esperar que as questões relacionadas com a igualdade de género registassem avanços mais significativos. “Nós as vezes nos enganamos pensando que sendo um assunto das mulheres todas elas vão ficar sensíveis, isso não é verdade”, desmistifica Maira Domingos, da Rede de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos em entrevista ao @Verdade onde a sua colega, Clotilde Noa, revela que uma das razões da elevada taxa de prevalência do VIH/Sida em Moçambique deve-se ao facto de ainda ser um “tabu ter um preservativo em cima da mesa, é tabu eu ter um preservativo na carteira, é tabu ir a farmácia comprar”, e falta o exemplo dos nossos governantes que deveriam fazer o teste naturalmente e divulgar o resultado publicamente.
Clotilde Malate Noa, Oficial de Programas na organização não governamental Mulher, Lei e Desenvolvimento(MULEIDE) constata que é preciso repensar as estratégias de comunicação para o uso do preservativo, masculino e feminino, como forma de prevenção não só do VIH/Sida mas também de gravidezes indesejadas e de Infecções de Transmissão Sexual pois não tem sido aferido até que ponto os vários grupos alvos assimilam as mensagens que estão a ser transmitidas.
“Por exemplo em relação ao preservativo feminino, nós temos os ritos de iniciação, é cultural. Até que ponto nós conseguimos introduzir o preservativo feminino numa formação com as conselheiras dos ritos de iniciação, se até em relação ao masculino há dificuldades. A nível da sociedade civil e do Governo também há dificuldades de penetração nesses círculos muito fechados, muito conservadores para transmitir esse tipo de informações” declara Clotilde que no entanto reconhece que alguma coisa está “a falhar na estratégia de comunicação porque não sentimos que há muita mudança principalmente quando falamos de raparigas e mulheres, que são quem tem os índices mais elevados, são as mais vulneráveis e olhamos para essas práticas todas, sócio-culturais, e não estamos a conseguir penetrar por aí. Nós formamos sim as conselheiras, as matronas a nível da base e elas transmitem os seus conhecimentos mas até que ponto é que elas estão cometidas. Será que ela quando vai fazer os ritos usa os preservativos”, questiona-se a activista dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.
Relativamente à pouca receptividade ao preservativo feminino Maira Domingos não tem dúvidas que deve-se ao receio dos homens em perder o controle do acto sexual. “São as desculpas que nós inventamos para encarar o que é novo, o que é novo é sempre assustador. É assustador para a construção masculina de sexualidade, em termos de poder e controle, porque é um método feminino, então isso assusta, é como se esvaziasse um pouco a essência do controle masculino sobre a sexualidade, o próprio domínio e a sensação de que tem tudo sob controle. Isso tem a ver com desconhecimento, porque quando a mulher ou o homem conhecem o preservativo entendem que afinal de contas não precisávamos ficar com tanto medo. Mas tudo gira à volta do controle”, esclarece a coordenadora do programa sobre Direito Sexual e Reprodutivo do Forúm Mulher.
De acordo com Clotilde Noa contribui ainda para a elevada taxa de seroprevalência em Moçambique a atitude que os cidadãos mantêm em relação aos preservativos e cita uma das estratégia usada pela Tailândia, que tinha taxas elevadas de VIH mas conseguiu baixar drasticamente, como exemplo a ponderar, “por todo o sítio em que tu andavas tinhas um preservativo, então deixou de ser um tabu. Para nós ainda é um tabu ter um preservativo em cima da mesa, é tabu eu ter um preservativo na carteira, é tabu ir a farmácia comprar então quebraram esses tabus todos e conseguiram”.
“Hoje a imagem que eu tenho de um ministro ou de um vice é completamente diluída, é de um vazio”
Além do tabu, relativamente aos preservativos, a Oficial de Programas na MULEIDE destaca a falta de atitude positiva dos governantes moçambicanos em darem o exemplo de irem a uma unidade sanitária fazerem o teste e, independente do resultado, divulgarem-no. “Não tem que ser publicidade mas uma atitude de boa prática que tu vês a nível da comunidade e imitas, se o teu líder comunitário for fazer o teste naturalmente tu vais segui-lo. Esta consciência dos nossos líderes também é muito importante para a transmissão de boas práticas”.
Esta ideia de falta liderança por parte dos políticos moçambicanos é comungada por Maira Domingos que vai mais longe afirmando que há um vazio pois “há 30 anos atrás eu tinha uma imagem do que era um Presidente da República, um primeiro-ministro, um ministro tinha esta ou aquela característica mas isso tudo foi abaixo. Acredito que as pessoas da minha geração estão mesma situação que a minha, nós não temos ideal comum. Nós precisamos de construir um ideal sobre aquilo que nós queremos para o país porque não estamos a perseguir nada. Hoje a imagem que eu tenho de um ministro ou de um vice é completamente diluída, é de um vazio. Não representa aquilo que nós fomos construindo, de que de facto ser um dirigente de uma nação significa ter esse perfil, está um vazio. Se estas pessoas que deviam ser estas referências nós não as temos que lições nós deixamos para as gerações mais jovens” interroga-se a jovem activista que acrescenta “Nós não temos lideranças, temos alguns chefes, que publicamente têm um discurso que se esvazia na sua prática quotidiana”.
A coordenadora do programa sobre Direito Sexual e Reprodutivo do Forúm Mulher sustenta as suas afirmações citando uma célebre intervenção de Aiuba Cuereneia, antigo ministro da Planificação e Desenvolvimento que durante um fórum do Observatório do Desenvolvimento disse, em 2012, que “Falam do aumento do VIH-SIDA. Esquecem que o VIH se contrai no quarto e o Governo não está no quarto”. Segundo a nossa entrevistada o então ministro não estava a brincar mas realmente acreditava naquilo que declarou.
“E a prática que nós tivemos recentemente na discussão do ante-projecto do Código Penal mostrou isso. Quando os deputados tentaram dar “rasteira” à Constituição da República dizendo que não era crime se o violador casasse com a vítima, é ridículo. A maior parte das vítimas são menores e a maior parte dos violadores são casados, é uma desculpa tão rudimentar que não cabe na cabeça de alguém sensato que tem a responsabilidade de cuidar das leis e garantir que elas sejam implementadas e que elas sejam justas. Então estou a mostrar esta incoerência entre aquilo que os parlamentares se propõem a realizar e como eles se propõem a desresponsabilizar, é uma cultura de gerar tubos de escape constantemente nas leis que permita que no lugar de haver responsabilização para quem de facto deve ser responsabilizado não seja” declara Maira Domingos.
Existem deputadas no Parlamento que sentem que têm a obrigação “de servir o marido”
As representantes da Rede de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos, questionadas pelo @Verdade se esta falta de sensibilidade relativamente aos assuntos do género era exclusiva dos homens não hesitaram elucidar-nos.
“Nós as vezes nos enganamos pensando que sendo um assunto das mulheres todas elas vão ficar sensíveis, isso não é verdade. Porque primeiro é preciso que eu(mulher) vivo uma situação de desigualdade, porquê que nós precisamos de reivindicar”, diz Maira esclarecendo que “A minha situação de desigualdade pode ser uma coisa que tradicionalmente eu reconheça que tem que ser assim é o que aconteceu no debate da Lei da Família, com as deputadas nós compreendemos isso. Muitas se refugiavam que elas cresceram aprendendo que era preciso servir o homem, então para isso o processo tinha que ser outro. Nós aí estávamos a fazer uma discussão muito política sobre porque era importante Moçambique ter uma Lei (da Família)”.
Segundo a activista embora as deputadas da Assembleia da República de Moçambique não dependem economicamente dos seus esposos várias delas ainda sentem que têm a obrigação “de servir o marido, mesmo chegando tarde em casa têm que preparar a água do banho e fazer todos aqueles cuidados e atenção que lhe disseram que aquele é o papel da mulher e, se não fizer, ela pode perder o seu marido”.
Clotilde Noa não só alinha pelo mesmo diapasão como ainda acrescenta que quando é preciso serem aprovados assuntos que interessam as mulheres antes do interesse das próprias deputadas existe a “disciplina partidária que é muito forte”.
“Mesmo a Organização da Mulher Moçambicana é aparentemente forte, é forte politicamente porque elas é que fazem a campanha do partido Frelimo mas em termos de tomada de decisão já não é tão forte assim como parece. Elas estão lá nos lugares de tomada de decisão mas quantas mulheres fortes tens no locais de tomada de decisão nos partidos. Há partidos que nem têm representação feminina”, conclui a activista de defesa dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres em Moçambique.
Escrito por Adérito Caldeira em 01 Março 2016
Fonte: Alertar - A verdade em cada palavra
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