A menos de um mês das eleições nos Estados Unidos será que as cartas estão definitivamente lançadas? Podemos já dar o assunto encerrado, antevendo a eleição de Hillary Clinton e a inexorável derrota de Donald Trump? Como veremos mais adiante, é esse o cenário mais provável, mas depois de tantas surpresas compreende-se a prudência de muitos analistas. Mesmo assim o que se passou nos últimos dias parece ter sido suficiente para derrubar de vez o candidato que já devia ter sido derrubado cem vezes.
E o que se passou nos últimos dias não foi pouco. Primeiro, na sexta-feira, o aparecimento de um vídeo de 2005 onde Donald Trump fazia comentários altamente ofensivos para as mulheres –“Grab them by the pussy" –, comentários de uma grosseria inaudita. Depois foi a sucessão de dirigentes e candidatos republicanos que romperam fileiras e começaram ora a defender que Trump devia desistir da sua candidatura, ou a retirarem-lhe o seu apoio, de uma forma geral procurando distanciar-se o mais possível de um candidato cada vez mais tóxico. Entre as figuras proeminentes que saíram a terreiro destaquem-se John McCain, que foi candidato à Presidência em 2008, e Paul Ryan, o actual speaker da Câmara dos Representantes. Finalmente um debate entre Trump e Hillary que o primeiro não podia perder e, também por isso, se tornou na mais rasteira troca de acusações de toda a história deste tipo de debates.
Do debate recordo aqui apenas as 6 frases de Trump que tornaram o debate num combate de boxe, escolhidas por Miguel Pinheiro, com destaque especial para a “Porque estarias presa…” com que tratou de fechar o debate sobre a controversa, e illegal, conta deemail privada de Hillary Clinton enquanto era secretária de Estado.
Estas e outras frases far-nos-ão recordar aquele frente-a-frente como um momento especialmente baixo da democracia americana, algo que levou o comentador de assuntos internacionais do Financial Times, Gideon Rachman, a escrever sobre Donald Trump and the declining prestige of US democracy. É um texto escrito num tom alarmado: “Sunday night’s spectacle is not just embarrassing for the US. America is widely regarded as the “leader of the free world.” So the rise of Mr Trump threatens to damage the prestige of democracy everywhere. The damage is not restricted to the world of ideas. Authoritarianism and anti-Americanism are on the march, led by increasingly confident governments in Beijing and Moscow. A strong and impressive US should be central to rallying the response of the world’s democracies. Instead, we had the depressing and degrading spectacle of the second Trump-Clinton debate.” A ilustração deste artigo, que abre esta newsletter, é também bastante sugestiva.
Na New Yorker John Cassidy chamou-lhe The Nastiest Presidential Debate Of All Time, mesmo notando que a prestação agressiva de Trump talvez lhe tenha permitido sobreviver mais uns dias, ou mesmo as semanas necessárias até ao dia das eleições. “But what really lingered from the debate (…) was the sense of the depths to which this election has sunk. To be sure, there were some substantive exchanges about taxes, health care, and foreign policy. But these discussions were almost a sideshow. From the moment on Friday afternoon when the Washington Post published its story about the 2005 video, Sunday’s affair was inevitably going to be the “Grab them by the pussy” debate.”
Talvez não valha a pena demorar-nos muito mais nas análises do debate e dos desenvolvimentos dos últimos dias pois parece-me mais útil dar conta de como a aparente desintegração da campanha de Donald Trump ainda é, porventura, o menor dos males que os republicanos têm de enfrentar. A curto prazo arriscam-se a perder também a maioria no Senado (o que parece quase certo) e, também, a maioria na Câmara dos Representantes (um cenário impensável há poucas semanas ou meses). A médio prazo necessitam de refazer o partido se querem voltar a ser uma alternativa de poder nos Estados Unidos. Vale por isso a pena ouvir algumas das vozes que não se renderam a Trump. Como o colunista conservador do Washington Post Gorge F. Will, que hoje escreve uma coluna intitulada Trump's Vile Candidacy Is Chemotherapy for Republicans. Eis como critica a hipocrisia de alguns dos seus apoiantes: “Trump is a marvelously efficient acid bath, stripping away his supporters’ surfaces, exposing their skeletal essences. Consider Mike Pence, a favorite of what Republicans devoutly praise as America’s “faith community.” Some of its representatives, their crucifixes glittering in the television lights, are still earnestly explaining the urgency of giving to Trump, who agreed that his daughter is “a piece of ass,” the task of improving America’s coarsened culture.”
Já Robert Kagan, uma figura bem conhecida dos neoconservadores, explicava no mesmo Washington Post Why we shouldn’t forgive the Republicans who sold their souls. Fê-lo de forma bastante dura: “Of the remarkable things we have learned this election year, the most significant is that the current Republican Party is unfit to lead the country. It has failed the greatest test a political leader or party can face, and failed spectacularly. It has abandoned its principles out of a combination of cowardice and opportunism. It has worked to place in the White House the most dangerous threat to U.S. democracy since the Civil War. And perhaps just as revealing, it has in the process engineered its own suicide. Not only has the party refused to save the country, but also it has proved too helpless, too incompetent and too craven even to save itself.”
Finalmente, na mesma linha, é também bastante interessante a reportagem da The Atlantic Saving Conservatism From Trump's GOP. É um trabalho em torno de Avik Roy, um antigo conselheiro de Marco Rubio, Rick Perry e Mitt Romney o qual “wants to rescue conservatism from Trump’s divisive tribalism”. E que já começou a trabalhar para isso: “Though Roy believes the GOP is “imploding,” he has, after a period of grief, regained his optimism about conservative ideas. In September, he and several other prominent conservatives launched a new think tank, the Foundation for Research on Equal Opportunity, which aims to promote policies that will help people with below-median incomes or net worth. Whether Trump wins or loses, the White House will not soon be inhabited by a conservative policy wonk. But Roy believes that the foundation could still make a mark: He notes that what he considers the landmark conservative policy achievement of the past 25 years, welfare reform, passed under a Democratic president.”
Mas deixemos agora o futuro do Partido Republicano para tentar perceber se, de facto, a sucessão de desastres de Trump comprometeu de vez a sua campanha. Como os leitores do Macroscópio já devem ter percebido, nesta frente tenho um guru muito particular: Nate Silver, do FiveThirtyEight. Como sabem este é provavelmente o melhor site para seguir o que nos vão dizendo as sondagens (e há dezenas todos os dias, se considerarmos as realizadas estado a estado) e balanceando os seus resultados com outros indicadores estatísticos. Hoje, emElection Update: Polls Show Potential Fallout From Trump Tape, Nate Silver mostra que parte das sondagens realizadas depois da divulgação do video de 2005 de Trump não indicam ainda grandes flutuações, mas que outras já mostram uma tendência mais segura para um afundamento do candidato. Em concreto: “Let’s say that the tape only hurts him by one percentage point, for instance, bringing him to a 6-point deficit from a 5-point deficit a week ago. Even that would be a pretty big deal. Before, Trump had to make up five points in five weeks — or one point per week. Now, he has to make up six points in four weeks instead (1.5 points per week).” Se não é tarefa impossível, para lá caminha.
De resto este site tem um modelo que calcula as probabilidades de cada um dos candidatos ganhar, sendo que a 26 de Setembro Trump conseguira aproximar-se imenso de Hillary (o modelo dava-lhe 45% de possibilidades de triunfar contra 55% para a candidate democrata) e agora regista-se a maior diferença desde Agosto (isto é, do período pós-convenção democrata): 83,6% para Hillary, 16,4% para Trump.
Já a média das sondagens calculada pelo site Real Clear Políticsapontava para uma vantagem de seis pontos para Hillary Clinton. No colégio eleitoral há ainda muitos estados onde a corrida está em aberto, mas a vantagem da democrata é de 260 votos contra 163 de Trump.
É isto suficiente a quatro semanas das eleições? Pode esta vantagem desaparecer no dia das eleições? É imaginável um erro das sondagens como aquele a que assistimos recentemente no Reino Unido com o referendo do Brexit? Nem os republicanos parecem acreditar nisso: na newsletter matinal da conservadora National Review, Jim Geragthy escrevia sobre The Difficult Art of the Miraculous Comeback, notando que só há memória de uma reviravolta com alguma semelhança quando Ronald Reagan ultrapassou, nas eleições de 1980, Jimmy Carter na reta final depois uma vitória contundente no único debate realizado nesse ano eleitoral. Nesta corrida ainda resta um debate a Trump, mas face ao que se tem passado nos últimos tempos é bem mais provável que multiplique os desastres comunicacionais do que regresse do inferno em que hoje se encontra.
E por hoje é tudo, pedindo desculpa pelo adiantado da hora. Tenham boas leituras.
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