quinta-feira, 30 de março de 2017

Macroscópio – Era mesmo necessário? E agora? O dia depois do começo do Brexit

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Não sei se a imagem mais marcante da última quarta-feira foi a de Theresa May a assinar o documento que formalmente desencadeia o Brexit, ao acionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, se a imagem de Donald Tusk a receber a carta britânica com uma fina gravata preta pendurada ao pescoço. Talvez daqui a dois anos, quando o processo estiver completado (se não houver adiamentos) tenhamos uma melhor ideia do significado deste 29 de Março. Para já o Macroscópio fica-se por um conjunto de análises e comentários, divididos em dois grandes blocos: as escritas em Portugal e as que foram publicadas nalguns dos principais órgãos de informação britânicos.
 
Comecemos por Portugal e por um texto quase sentimental de João Marques de Almeida, um colaborador do Observador que já trabalhou na Comissão Europeia e hoje vive e trabalha em Londres: Why did you leave us this way? Depois de recordar o que para ele significa o Reino Unido e a sua cultura política, dá nota da sua imensa tristeza com o Brexit. E alerta para que a Europa não ficará melhor sem a voz, muita vezes dissonante, de Londres: “Além do Estado britânico, a cultura britânica também fará muita falta à Europa. O pragmatismo britânico foi sempre indispensável para travar os fervores mais ideológicos de muitos nas instituições europeias. E o cepticismo britânico temperava os excessos voluntaristas daqueles que acham que a integração europeia nunca deve parar. Não tenho dúvidas de que o Reino Unido ficará pior fora da União, possivelmente até dividido, com a saída da Escócia. Mas a Europa também ficará pior.”
 
No Público Teresa de Sousa escreveu uma longa análise, Global Britain? Global Europe?, onde procura mostrar como todos perdem com este divórcio: “Sem o Reino Unido, a Europa ficará amputada do seu lado atlântico e deixará de novo a França e a Alemanha frente a frente, para tentarem dar sentido a uma Europa que se vê obrigada a assumir novas responsabilidades no domínio da defesa e da diplomacia. Será uma Europa mais alemã. Perderá uma capacidade militar insubstituível de um país que está habituado a usá-la. Mas também a sua maneira aberta de olhar para o mundo. Como será esta Europa amputada? Ninguém sabe.”
 
Já Diana Soller, investigadora do IPRI, noutra coluna no Observador, So Brexit Begins, reflecte sobre as “três razões fundamentais para termos chegado aqui” – o cansaço das populações europeias, a tradicional separação geográfica e política da Grã-Bretanha e os novos populismos – para constatar que “As instituições europeias cumpriram o seu desígnio da estabilização e de paz e, até certo ponto, prosperidade no continente. Mas a certa altura passaram a fazê-lo de gabinetes encerrados numa torre de marfim, através das suas máquinas político-administrativas. E depois da crise de 2008, as populações, passaram a olhar para Bruxelas com profunda desconfiança. E a União continua a adiar a introspeção necessária para fazer face a este problema.”
 
Também no Observador, Helena Garrido não olhou apenas para a relação entre a Europa e o Reino Unido, mas também para a forma como mesmo em países “europeístas” como Portugal a opinião pública tem evoluído. Em Brexit, o teste ao futuro europeu nota que “A opinião pública em geral, a acreditar no Eurobarómetro, continua empenhada na União Europeia – o apoio baixou marginalmente na última década e meia. Mas as elites portuguesas parecem estar cada vez mais incomodadas com as regras europeias. (…) Ou seja, as elites que viveram de rendas (…) estão incomodadas porque agora é mais difícil continuarem a extrair valor do que é criado pelos outros, em vez de o criarem. Seria um bom sinal se a Europa estivesse a funcionar bem.
 
Henrique Monteiro, no Expresso Diário de ontem (paywall), em Brexit – é lenta a separação também tece algumas considerações sobre Portugal e o posicionamento anti-euro ou mesmo anti-europeu dos partidos da nossa esquerda radical: “Nestes tempos conturbados, dois anos é muito tempo. Tanto, que não sabemos o que poderá acontecer até lá. (…) É por isso que é tão importante o combate pró-europeu, pró cosmopolita e contra o fechamento, seja ele xenófobo, como pretende a direita, seja económico, como pretende também a extrema-esquerda. A coincidência antiEuro e antiUE de Catarina Martins com Marine Le Pen e com os populistas do UKIP é mais do que coincidência. É uma reação desesperada à modernidade.”
 
Continuando neste pingue-pongue entre Portugal e a União Europeia, esse é também o tema de Maria João Avillez em Tempestade, uma crónica no Observador onde se demarca de forma radical daqueles que defendem uma Europa a várias velocidades: “Contra ventos e marés quero sem sombra de dúvida, continuar na “Europa” mas… o último toque a rebate deixa a desejar: “ritmos e intensidades diferentes”? Santo Deus, que péssima “nova direcção”. (…) Enquanto os “grandes” continuariam com lugar assegurado na mais conveniente “velocidade” entre os vários “ritmos”e “intensidades” agora sugeridos , Portugal seria chutado para canto (peço desculpa da linguagem). Talvez mesmo para fora do relvado, quem sabe até impedido de jamais voltar ao banco.”
 
A fechar este apanhado de textos publicados em Portugal, uma referência ainda a Joaquim Aguiar que, no Jornal de Negócios, em Santos de devoção, alerta para o erro dos estão sempre a ver chegar salvadores (primeiro Obama, depois Hollande, agora Macron e Schulz, sublinhando que, “Por maior que seja a devoção aos santos anunciados, ela não substitui o exame da realidade efectiva das coisas. O tempo do Estado nacional, que protege os mercados internos e tem uma moeda própria já acabou, porque não tem escala depois do fim dos impérios coloniais, nem condições competitivas depois das cadeias de produção de escala global. Na Europa, ou há União e estratégia comum, ou há fragmentação e distribuição da miséria depois da distribuição da dívida.”
 

Passemos agora à imprensa britânica, onde a variedade de opiniões é enorme, com os editorialistas a aplaudirem, de uma forma geral, o tom e as palavras de Theresa May, e os colunistas a dividirem-se entre os que continuam a anunciar uma espécie de apocalipse e aqueles que têm esperança numa boa negociação.
 
Quanto a editoriais, no do europeísta Financial Times (primeiro cartoon), Theresa May pulls the Article 50 trigger, gently but firmly, escrevia-se que “The UK prime minister strikes a responsible tone on a historic day”. Isto porque, entre outros motivos, “In her letter, Mrs May called for a “deep and special partnership” with Europe. That should be a goal shared by all. No one should underestimate the trials ahead. If Europe restrains the urge to punish the UK, and the UK does not overestimate its bargaining power, a successful outcome remains possible.” Já o The Times (segundo cartoon), em Iron and Velvet, sublinhava que “Most important was its tone. The referendum campaign urged Leavers to make an enemy of the European Union, and in the first months of her premiership Mrs May too often slipped into such adversarial rhetoric. Her letter does not. Where once she decried the EU as a “supranational institution that can override national parliaments”, now she writes of a “deep and special partnership”. Germany was hoping for a commitment to “sincere co-operation”, and they got it, twice.”
 
Este registo contrasta com algumas colunas, até publicadas nos mesmos jornais. No Financial Times, por exemplo, um dos seus principais analistas, Philip Stephens, considerou que, depois de accionado o Artigo 50, Brussels takes back control of Brexit: “All the power lies with Europe and Britain holds no cards in the coming negotiations”. Algo que desenvolve assim: “Put simply, the European Commission and council set the agenda and the sequencing. There is no prospect of serious discussion about future partnerships unless Mrs May is ready at the outset to make a fair offer to settle the financial consequences of the divorce. In the words of a veteran Eurocrat — an Anglophile who wants an amicable outcome — the EU “holds all the cards across all the dossiers”.
 
Não é muito diferente a posição de Joris Luyendijk no The Guardian, em Unlike a divorce, the terms of Brexit aren’t up for discussion. Para ele, “A divorce is between two equal partners. But the UK is to the EU what Belgium, Austria or Portugal are to Germany: an entity eight times as small. If the EU informs the UK that “no soft Brexit means no soft Brexit” then that is what it is. (…) The UK and the EU may be driving at furious speed into one another, each expecting the other to swerve. But if the UK is a Mini then the EU is a truck.
 
Uma perspectiva bem contrastante é a de Ambrose Evans-Pritchard, do Telegraph, em Britain is the least of Europe’s problems. Trata-se de uma análise longa e documentada que revisita as muitas crises que a União Europeia está a enfrentar, concluindo que, “At the end of the day, Europe faces more intractable problems than Brexit. None of these will be improved by making life harder for Britain in negotiations, and the EU’s predicament would undoubtedly be worse if any attempt to asphyxiate the City led to a eurozone credit crunch. A punitive approach would needlessly create another crisis by putting Ireland in an impossible position, and it would create further lines of cleavage by hitting some EU states harder than others. Those who argue in the UK’s internal debate that Europe will have to be excruciatingly tough over Brexit in order to hold the project together have the matter backwards. To act on a such a primitive impulse would be calamitous for the EU itself.”

Não queria acabar este Macroscópio sem dar voz a alguém que defendeu o Brexit e não é um populista. Falo de Iain Duncan Smith, que chegou a liderar os conservadores e que, em My personal journey to Brexit, publicado em Conservative Home, recorda como, na sai óptica, a Europa foi tomando um rumo que lhe desagradava e o Reino Unido nunca conseguia os acordos de excepção de que necessitava. Há um momento que ele considera crucial nesta evolução: “Twenty-five years ago, with the passing of the Maastricht treaty, the EU decided to leave the UK. We are now bound on a course to formalise that decision. We do so with political leaders in the EU beginning to use common sense terms as they now speak of needing good arrangements with the UK to protect their markets and their access to financial services.”
 
 
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