segunda-feira, 27 de março de 2017

Macroscópio – Macroscópio – Europa aos 60. Desta vez não chovia em Roma

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

Todas as crónicas da reunião fundadora da União Europeia recordam que chovia copiosamente em Roma naquele 25 de Março de 1957 quando, na Sala dos Horácios e Curiácios do Palazzo dei Conservatori no Monte Capitolino, os chefes de Estado e de Governo de seis países – Alemanha, França, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo – assinaram o tratado que estabeleceu a Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia. Este fim-de-semana os líderes europeus – representando 27 países, todos os da UE com excepção do Reino Unido – regressaram à capital italiana para celebrarem a data e assinarem uma declaração – a Declaração de Roma – cuja passagem chave é porventura aquela onde se refere que “atuaremos em conjunto, a ritmos e com intensidades diferentes quando for necessário, avançando todos na mesma direção”. Num ano em que se disputam na Europa várias eleições decisivas – sobretudo na França e na Alemanha – não se arriscou muito num texto onde não se pretende definir “um caminho” ou mesmo “uma visão”. Talvez por isso, numa altura em que tanto se discute a Europa, pouca atenção foi dada a esta cimeira. Mesmo assim a suficiente para, também a propósito deste aniversário, reunir alguns textos onde se reflecte sobre o futuro da União Europeia.
 
Comecemos por Portugal, com apenas quatro referências (houve mesmo pouca coisa publicada, como já dei a entender atrás):
  • Quase tudo ou quase nada, de Teresa de Sousa, no Público, um texto onde duvida que levadas a sério Europa as quatro prioridades estabelecidas na Declaração de Roma, que considera serem um bom ponto de partida. Só que, nota também, “A Declaração de Roma acaba por ser uma pequena manta de retalhos para satisfazer toda a gente. Era quase inevitável. A Europa chegou aos 60 anos demasiado dividida para se poder esperar outra coisa.”
  • Declaração de Roma: na boa direcção, de João Carlos Espada no Observador, onde se sublinha precisamente a importância de “ritmos e intensidades diferentes” na comum construção europeia, uma opção que destacou por três razões: “Em primeiro lugar, daria mais espaço para diferentes escolhas nacionais (…). Em segundo lugar, abriria uma vasto campo de experimentação por ensaio e erro (…) e a permanente avaliação pelos eleitorados nacionais dos resultados comparativos das escolhas respectivas. Em terceiro lugar — e fundamentalmente — garantiria que diferentes interpretações nacionais do projecto europeu pudessem sentir-se confortáveis.”
  • A prazo, o Euro e a geringonça são incompatíveis, de João Marques de Almeida também no Observador, que discute as implicações domésticas das escolhas europeias, mas que também assinala, divergindo do anterior colunista, que “A Europa a várias velocidades foi imposta por Berlim e é uma ameaça para Portugal. Não significa apenas avançar para o futuro a várias velocidades. (…) As velocidades europeias a partir de agora também têm a marcha atrás. A partir do Brexit, saídas da União ou do Euro deixaram de ser tabu. A União vai aprender, com as negociações do Brexit, a deixar sair um país. Esperemos que não tome o gosto.”
  • Quanta Europa consegue a Europa tolerar?, de Dani Rodrik no Jornal de Negócios, onde este professor de Harvard recorda como na Europa se acreditou que a integração económica podia ir puxando pelo integração política e como isso começou a correr mal, concluindo: “Para que as democracias europeias recuperem a sua saúde, a integração económica e política não pode continuar dessincronizada. Ou a integração política se aproxima da integração económica, ou a integração económica tem de ser reduzida.”
 
Da imprensa internacional o meu destaque vai para a revista The Economist, sempre inovadora e algo iconoclasta. Neste último número tinha um dossier de 16 páginas e, naturalmente, o principal editorial da sua edição europeia: Can Europe be saved? A ideia é que só tornando-se mais fléxivel a União Europeia poderá sobreviver: “If ever-closer union is not possible, another Brussels tradition is simply to muddle through. (…) Is there a better alternative? The answer, as our special report argues, is to pursue, more formally than now, an EU that is far more flexible. In Euro-speak, this means embracing a “multi-tier” system, with the countries of a much wider Europe taking part to different degrees in its policies—and able to move from one tier to another with relative ease.” Vale a pena conhecer esta proposta, muito diferente do pensamento dominante mas com incontestáveis atractivos.
 
Para uma visão mais pessimista, talvez seja de ler Natacha Polony no Le Figaro, pois em Europe, mourir à soixante ans (paywall) defende que a União Europeia deixou de ser uma terra prometida para se transformar num pesadelo de desemprego maciço. E nota: “Parce qu'il est impensable de questionner le dogme, et même de dresser un bilan honnête et contradictoire de soixante ans d'inflexions discrètes par rapport au projet initial, on se contente de prédire les pluies de sauterelles en cas de sortie de l'euro, en espérant que la peur du chaos suffira à contenir les vagues du vote Front national.”
 
Termino esta (curta) selecção internacional com uma sugestão relativa ao sempre muito europeísta Financial Times, que dedicou um longo dossier ao tema, Europe’s fight to prove union has staying power after Brexit, escrito por Philip Stephens. É um texto que recorda alguns dos momentos decisivos da história da UE e dá nota de algum pessimismo: “Fracture and fragmentation have drained faith in solidarity. Running on a north-south axis there are divisions between stronger and weaker eurozone members; west-east the rupture is between the EU’s founding democracies and the nationalist bent of new members in the post-communist east. Unsurprisingly, politicians in the capitals of the six sometimes dream of rolling back history: monetary union would be credible with only six. And wouldn’t Europe’s efforts to promote democratic values be more convincing if they were not under internal fire from illiberal-minded politicians in Warsaw, Budapest and Bratislava?”
 
Esta passagem recorda-nos a polémica nacional da semana passada, em torno das declarações do presidente do Eurogrupo, e por ela também passou o último Conversas à Quinta, onde Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto discutiram a relação entre estados nacionais e entidades supranacionais à luz da experiência de 60 anos do Tratado de Roma – como sempre Do Tratado de Roma à Europa de Dijsselbloem são 45 minutos de conversa inteligente e informativa, que também pode ser ouvida em podcast.
 
E por hoje é tudo. Espero que tenham recuperado da neura de um fim-de-semana de tempo invernal, mas mesmo assim desejos, como sempre, bom descanso e boas leituras. 

 
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