Mais de 31 mil faltas anuais na PSP estão relacionadas com ações sindicais. É muito ou pouco? Doença ou acidentes tiram muito mais dias de trabalho, mas a atividade sindical pesa mais nas escalas do que as férias. Alguns dirigentes admitem excesso de sindicatos, mas também há quem acuse a tutela de campanha difamatória.
22.007. Este era, em 2015, o número de efetivos policiais e não policiais a prestar serviço na Polícia de Segurança Pública (PSP). Para este total de agentes, há 14 sindicatos. O rol de organizações sindicais desta força de segurança sempre deu que falar, mas as recentes declarações da ministra da Administração Interna, Constança Urbano Rodrigues, voltaram a despertar o debate em torno da necessidade de existirem tantos sindicatos. O SOL falou com dois dirigentes sindicais, que mostram que, mesmo internamente, o assunto não é pacífico.
O tema voltou a estar em cima no final ano passado, quando o Governo propôs alterações ao exercício de liberdade sindical entre os agentes da PSP com funções policiais. Em fevereiro, numa audição parlamentar, Constança Urbano Rodrigues traçou o ponto de situação atual: os representantes sindicais dos 14 organismos têm direito a quatro dias de faltas remuneradas por mês e 33 dias de faltas justificadas. A ministra afirmou que, contabilizando os dados recolhidos, isto significa 31.153 faltas ao serviço num ano, «sobretudo à segunda-feira, sexta-feira e fins de semana».
O impacto, na opinião da ministra, é significativo. As faltas provocaram «alterações em nove mil escalas por mês», pois «estão ausentes todos os dias 85 polícias, num total de 600 por semana».
Para minorar os constrangimentos, o Ministério da Administração Interna (MAI) pretende alterar os créditos sindicais, reservando algumas ausências só para dirigentes sindicais e definindo regras que têm em conta o número de associados de cada sindicato. A proposta do Governo foi discutida em plenário no Parlamento e baixou no início de fevereiro à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sem votação. Desde então, os deputados receberam contributos dos diferentes sindicatos e os trabalhos prosseguem.
A Associação Sindical de Profissionais da Polícia (ASPP), o sindicato com mais associados, foi uma das entidades ouvidas. Paulo Rodrigues, presidente da ASPP, defende que a limitação de créditos não vai melhorar a situação, pois «não vai ao encontro da solução para alguns problemas já identificados, nomeadamente, a utilização de créditos sindicais para outros fins que não a atividade sindical». Para o dirigente, o Governo está apenas a querer limitar a ação sindical dentro da PSP.
Já Pedro Magrinho, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Polícia (FENPOL), também ouvida, fala numa campanha «difamatória dos sindicatos por parte da hierarquia e do MAI através de órgãos de comunicação social». Magrinho disse ao SOL desconhecer a veracidade dos números apresentados pela tutela, ressalvando o facto de os créditos terem sido gozados nos termos legalmente admissíveis.
«De um momento para o outro, pretendeu-se atribuir aos sindicatos da PSP a responsabilidade pelo absentismo, quando na verdade seria importante comparar com o absentismo por baixas médicas por acidentes em serviço», defende Pedro Magrinho.
O SOL comparou os dados avançados pela ministra com a informação que está disponível no último balanço social divulgado pela PSP, com dados relativos a 2015.
Num total de 391.039 faltas contabilizadas nas diferentes carreiras existentes na PSP, 195.113 são atribuídas a doença (49,9%) e 87.829 devem-se a acidentes em serviço ou doença profissional (22,46%). Seguem-se as situações de baixa parental, que em 2015 representaram 55.467 dias de falta ao trabalho (14,18%).
Se os números apresentados por Constança Urbano Rodrigues fossem analisados tendo em conta o total de falhas em 2015, as atividades sindicais justificariam 7,9% do absentismo. Percentualmente, os sindicatos são responsáveis por menos faltas que situações de doença, acidentes ou ser pai ou mãe, mas estão ainda assim por detrás de mais faltas ao serviço do que a assistência à família (2,06% das faltas na PSP), ausências por conta do período de férias (3,49%), por falecimento de familiar (1,08%), por casamento (0,89%), por cumprimento de pena disciplinar (0,22%) ou pela condição de trabalhador-estudante (0,65%).
Objetivos iguais, visões diferentes. Mas fará sentido?
Se os números são estes, e o trabalho sindical estará assim longe de representar a maioria das ausências ao serviço, o que se ganha com 14 sindicatos?
Para Paulo Rodrigues, a proliferação de sindicatos com pouca representatividade resulta num enfraquecimento da ação sindical e acaba por beneficiar o MAI e a Direção Nacional da PSP. «A existência de muitos sindicatos obriga quem tem uma estratégia sindical coerente a não centralizar a sua ação de forma objetiva para as entidades responsáveis [MAI ou Direção Nacional da PSP] mas a direcioná-la também para outras estruturas que, por vezes, em vez de focarem a sua ação nessas entidades, incidem-na contra outros sindicatos com o único propósito de concorrer e retirar sócios», acusa o presidente da ASPP.
Já Pedro Magrinho aceita que possam existir demasiados sindicatos, mas salienta que cada um tem linhas de orientação próprias. «Existem sindicatos de classes, sindicatos com ligações político-partidárias bem conhecidas e até com apoios financeiros partidários, mas também existem sindicatos do sistema, que não conseguem dissociar a atividade sindical da hierarquia da PSP», diz ao SOL o presidente da FENPOL. E o número de associados não diz tudo. «Existem sindicatos de menor dimensão e representatividade que se dedicam efetivamente à causa, (…) outros limitam-se a dar opiniões. E muitas vezes as opiniões que emitem são a pensar em causas próprias, presentes ou futuras», acrescenta.
No que diz respeito a uma possível cisão interna entre elementos da PSP à conta de tantos representantes diferentes, os responsáveis têm visões diferentes. Paulo Rodrigues acredita que o número de sindicatos não é sinónimo de divisão, alertando até para o facto de a maioria dos polícias sindicalizados estar filiado em dois ou três organismos. Já Pedro Magrinho reconhece que a existência de muitos sindicatos poder criar um afastamento entre agentes.
Quantos polícias estão afinal nas ruas?
Com 85 polícias diariamente ausentes por motivos sindicais, e todas as outras razões de absentismo, o SOL tentou perceber junto da PSP quantos agentes estão diariamente a patrulhar as ruas e a prestar serviços administrativos, mas, até ao fecho desta edição, não obteve resposta.
Questionado sobre o facto de a existência de vários sindicatos perturbar ou não o funcionamento da própria PSP, tendo em conta as respetivas faltas, Magrinho não acredita que «o foco principal de perturbação do funcionamento da PSP seja pela atividade sindical ou pelo numero acrescido de sindicatos».
No entanto, Paulo Rodrigues reconhece que este fator deixa todos a perder: «a instituição, porque, nesta senda, por vezes fica beliscada junto das entidades e da opinião pública; por outro lado, cria dificuldades na gestão dos recursos humanos, tendo em conta as necessidades do serviço.” Em última instância, perdem também os polícias. Não só porque a divisão pode tirar força ao poder negocial, mas porque, com agentes fora, o trabalho sobra para outros. «A quantidade considerável de dirigentes e delegados com direito a créditos sindicais obriga a que quem não tem cargos sindicais seja penalizado em matéria de trabalho. Estas situações põem desde logo em causa a credibilidade dos sindicatos e dos dirigentes sindicais».
Da Revolução dos Cravos até hoje Se alguns sindicatos da PSP foram fundados recentemente – como a FENPOL, criada em 2010 –, outros são herdeiros de associações profissionais criadas após o 25 de Abril. É o caso da ASPP, que segue os passos da antiga Associação Socioprofissional da PSP.
Da história desta organização sindical – e de todas as que surgiram entretanto – faz parte um dos dias mais marcantes na história da PSP, que assinala este ano o 150º aniversário. A 21 de abril de 1989, o protesto dos ‘secos e molhados’ tornar-se-ia icónico. De um lado, os ‘molhados’, agentes que exigiam liberdade sindical, uma folga semanal, transparência na justiça disciplinar e melhores vencimentos; Do outro, os ‘secos’, membros do Corpo de Intervenção desta força de segurança, chamados a intervir e que lançaram jatos de água para dispersar os seus camaradas. Nomes como Joaquim Bandeira Santinhos e José Manuel dos Santos Carreira fazem também parte da história da intervenção sindical na PSP, que quando terminarem os trabalhos no parlamento conhecerá um novo capítulo.
Fonte: I
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