(Foto Liberation)
Tinha 89 anos. 73 deles roubados ao destino que a parecia ter condenado aos fogos crematórios de Auschwitz. Chamava-se Simone Veil e a França está de luto em sua memória. A Europa também devia estar, mas não sei quantos a recordarão, a ela que já se afastara há tantos anos da vida política e até da vida pública. “Sobrevivente do Holocausto, primeira mulher presidente do Parlamento Europeu e antiga ministra da Saúde francesa, que despenalizou o aborto em 1975”, escrevia-se logo na entrada da notícia do Observador. “Foi uma das mulheres mais extraordinárias que conheci”, dir-nos-ia António Capucho, que a conheceu como eurodeputado, até porque nessa época o PSD se sentava no grupo liberal do Parlamento Europeu, aquele de que Simone Veil era presidente quando Capucho lá chegou. Leonor Beleza, que a convidara para o conselho de curadores da Fundação Champalimaud, e Carlos Pimenta, outro eurodeputado que conviveu de perto com ela, prestaram igualmente depoimentos sentidos à Rita Porto, a jornalista do Observador que depois de escrever o necessário obituário estava tão fascinada com a sua figura que saiu da redacção direita a uma livraria a ver se encontrava algum livro sobre ela. E há pelo menos um editado em Portugal, a sua autobiografia, Uma Vida, editado em 2008 pela Livros de Seda.
É possível que não seja fácil encontrar esse livro – as nossas livrarias são muito pobres em fundos de catálogo –, pelo que decidi dedicar este Macroscópio a Simone Veil, mesmo estando condicionado pela necessidade de recorrer sobretudo à imprensa francesa e saber que o francês já não será tão acessível para muitos dos leitores como o inglês. Mesmo assim eis alguns dos textos que seleccionei:
- Mort de Simone Veil, icône de la lutte pour les droits des femmes, de Anne Chemin no Le Monde, recordando as suas origens judaicas e a sua deportação para Auschwitz: “Pendant la guerre, la France rappelle aux Jacob qu’une famille juive n’est pas une famille comme les autres. En 1940, le « statut des juifs » signe brutalement la fin de la carrière du père de Simone Veil : cet ancien combattant de la Grande Guerre se voit retirer du jour au lendemain le droit d’exercer son métier. Trois ans plus tard, les Jacob, qui se sont réfugiés à Nice, sont arrêtés par les Allemands. A l’aube du 13 avril 1944, Simone, sa mère et sa sœur sont embarquées dans des wagons à bestiaux qui s’immobilisent deux jours et demi plus tard, en pleine nuit, le long de la rampe d’Auschwitz-Birkenau (Pologne). Sur le quai, au milieu des chiens, un déporté conseille à Simone, qui a 16 ans et demi, de dire qu’elle en a 18, ce qui lui vaut d’éviter les chambres à gaz. Le lendemain matin, un matricule est tatoué sur le bras gauche de Simone, qui est affectée aux travaux de prolongation de la rampe de débarquement.”
- Simone Veil, la première dame d'Europe, o obituário do Le Figaro (paywall), no início do relato sobre essa mesma experiência: “L'enfance et l'adolescence conditionnent, chacun le sait, le destin d'un être humain. C'est encore plus vrai lorsque celui-ci est amené à connaître des événements exceptionnels. Or c'est une véritable tragédie que vécut la jeune Simone Jacob, née d'un architecte installé à Nice et future Simone Veil, à l'âge de dix-sept ans.”
- "Nous vous aimons, Madame", de Marion Cocquet no Le Point, onde a certa altura se relata um seu enfrentamento, em 1979, com Jean-Marie Le Pen: “En 1979, Giscard d'Estaing offre à Simone Veil la tête de la liste UDF aux élections européennes, les premières au suffrage universel direct. L'une de ses dernières réunions publiques, à Paris, est interrompue par des militants du Front national venus faire le coup de poing ; Jean-Marie Le Pen est dans les rangs. « Je vais vous dire quelque chose, leur lance-t-elle. Vous ne me faites pas peur. J'ai survécu à pire que vous, vous n'êtes que des SS aux petits pieds. » Elle crie, mais reste assise à la tribune, le front haut.”
- Simone Veil, une femme debout, de Eric Favereau no Libération, recordando a sua passagem pelo Parlamento Europeu: “Simone Veil n’est pas une intellectuelle, ni une oratrice hors pair. Parfois même, elle peut ennuyer, parlant plat. Mais on l’écoute. C’est elle, car c’est toujours une position qu’elle tient, une attitude qu’elle impose. Sur l’IVG comme sur l’Europe, elle convainc. Elle n’impose pas par ses mots, mais par sa présence. Elle est là, comme un roc, comme une preuve que l’on peut résister aux vents mauvais et aux marées qui engloutissent un temps la terre. Elle est là. Avec son caractère entier, parfois de mauvaise foi, toujours direct, capable de sermonner vertement un journaliste pour la bêtise de ses propos. «Mon premier réflexe est toujours de dire non», reconnaît-elle. Il n’empêche, elle est un visage. Et une attitude.”
Um dos momentos mais marcantes da carreira política de Simone Veil é quando ela defende no final de 1974, no Parlamento Francês e enquanto ministra da Saúde, a lei que ainda hoje é conhecida pelo seu nome, a lei sobre a interrupção voluntária da gravidez. O vídeo dessa sua intervenção está reproduzido em muitos dos artigos referidos atrás (incluindo no do Observador), mas para ter uma melhor imagem da sua fibra vale a pena olhar para a selecção de vídeos realizada pelo INA francês. Em Simone Veil, une humaniste engagée pode ver-se não só esse vídeo, como outros que recordam a sua passagem pelo Parlamento Europeu, os seus testemunhos sobre o Holocausto ou a sua eleição para a Academia Francesa. Quanto ao discurso com que apresentou a sua lei ele pode ser lido na íntegra aqui: VERBATIM. L'intégralité du discours de Simone Veil du 26 novembre 1974 sur l'IVG. Pequeno extracto: “Je voudrais tout d’abord vous faire partager une conviction de femme – je m’excuse de le faire devant cette Assemblée presque exclusivement composée d’hommes : aucune femme ne recourt de gaieté de cœur à l’avortement. Il suffit d’écouter les femmes. C’est toujours un drame et cela restera toujours un drame. C’est pourquoi, si le projet qui vous est présenté tient compte de la situation de fait existante, s’il admet la possibilité d’une interruption de grossesse, c’est pour la contrôler et, autant que possible, en dissuader la femme. Nous pensons ainsi répondre au désir conscient ou inconscient de toutes les femmes qu se trouvent dans cette situation d’angoisse”.
Deixo agora o francês para referir três textos em inglês e um em espanhol que podem complementar o conhecimento da figura de Simone Veil e ser de mais fácil leitura para aqueles menos habituados à língua de Moliére. Ei-los:
- Simone Veil, por Ruth Hottell, uma ficha biográfica do Jews Women’s Arquive: “Simone Veil is arguably the one person most responsible for advancing women’s legal rights in France during the twentieth century and now into the twenty-first century. She is certainly the one whose name comes up most often, each time the law that bears her name is mentioned—the law that she proposed and fought for in the French Parliament, the law legalizing abortion that went into effect on January 17, 1975. Today, even if women are not familiar with her numerous accomplishments, they remember her name every time abortion and other contraceptive rights are discussed.”
- Simone Veil, Ex-Minister Who Wrote France’s Abortion Law, Dies at 89, o obituário do New York Times escrito por Sewell Chan: “When Mrs. Veil was elected to the Académie Française, the novelist Jean d’Ormesson paid her tribute, saying her “capacity to bring about support among the French” was crucial to her popularity.
- “This support does not rest on mediocre and lame consensus among the countless opinions that never cease dividing our old country,” he said. “It rests on the principles that you affirm and, against all odds, without ever raising your voice, manage to convince everyone of. We can say this without airs: In the heart of political life, you offer a moral and republican image.”
- A Frenchwoman and feminist nonpareil, a recensão do britânico The Observer à sua autobiografia: “Veil is not a campaigner for Jewish causes, but being Jewish is central to her life. She criticises those who apply the term genocide or Holocaust to ugly, brutal violence and killings in the Balkans conflicts or Gaza; she witnessed the Holocaust and knows the difference.”
- ¿Por qué ella?, um texto de Rubén Amón no El Pais onde o autor se interroga sobre o facto de que “Simone Veil nunca se explicó por qué la indultó en Auschwitz la jefa del campo, y sostuvo que ser mujer fue su mejor fortuna.” Eis uma passagem: “Simone Veil, lúcida, erguida, no encontró nunca una respuesta demasiado convincente a su redención, y hasta maldijo su buena suerte. ¿Por qué ella? Pensaba que Stenia hizo un gesto de piedad filantrópico. Cree que también ella, implacable en las instrucciones del genocidio, necesitaba demostrarse humana. Los ingleses la colgaron de un árbol y la exhibieron como un monstruo de guerra. Veil tiene un recuerdo distinto, incluso entrañable. Sobre todo porque la jefa del campo, gritona, andrógina, cruel, también se avino a salvar sin condiciones ni matices la vida de su madre y de su hermana. Y Simone Veil nunca supo por qué.”
Espero que este conjunto de textos e de vídeos ajudem a conhecer melhor esta figura ímpar – esta grande senhora de França e da Europa. De resto, desejo-vos boas leituras e um bom fim-de-semana.
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