domingo, 23 de julho de 2017

“O público educa-nos muito, quando o sabemos ler e ouvir”


O espetáculo de César Mourão encheu o Fórum Madeira em mais uma noite de Humor Fest.

Um microfone, uma viola e um tambor de bateria foi o que bastou a César Mourão para entreter as centenas de pessoas que estiveram presentes em mais uma noite de Humor Fest no Fórum Madeira.

No espectáculo de improviso, César Mourão adquiriu múltiplas personalidades entre as quais as de pescador e jogador da bola. E depois de tudo isto o comediante ainda teve tempo para uma entrevista.

Alguma vez pensou que o improviso seria uma área a explorar na sua carreira de humor?
Não. Comecei a fazer improviso há 17 anos com os Commedia a la Carte. Começamos a fazer porque não existia em Portugal. Era quase como fazer trapézio sem rede mas sem nunca pensar que isso seria a minha carreira.
Faço improviso e tenho a sorte e o privilégio de as pessoas me convidarem para fazer o fazer. Não sou sequer humorista, sou actor, mas trabalho como humorista, as pessoas associam-me ao humor porque é aquilo onde se calhar tenho aparecido mais.

Diria que o improviso é uma das suas maiores maluquices?
Para ser honesto acho que é mais maluquice do público. As pessoas normalmente pagam bilhete, mais estacionamento, gasolina, jantar para verem o quê? Não sei. Nem eu sei. Quanto mais elas.
O público arrisca pagar para me ir ver e não sabem o que vão ver. A coragem é do público muitas vezes. Eu faço aquilo que melhor sei e com a verdade toda em palco e as pessoas sentem essa transparência e gostam.

Como costuma preparar um espectáculo onde pode acontecer praticamente tudo?
A preparação são 17 anos. Isso já é preparação. Em palco é olhar para o público, perceber que tipo de plateia tenho, o que eles querem e trabalhar com o que tenho. É como chegar a casa num domingo à noite, vens de uma festa e tens de fazer uma coisa rápida para comer. É igual. As pessoas como sentem que é feito sem rede ainda mais virtuoso é.

As artes do espectáculo também estão muito dependentes da capacidade de reinvenção. Como consegue fazer isso com a sua carreira e com o improviso?
Nós durante muito anos educamos o público português a ver coisas diferentes e novas. Não existe muito improviso em Portugal. Sinto que tanto os Commedia a la Carte como eu tentamos educar o público mas o público educa-nos muito a nós quando o sabemos ler e ouvir. Quando não acham tanta piada a isto ou aquilo temos de saber reinventar o humor, estar atento às novas pessoas que surgem, às novas tecnologias, usa-las e com isso dar a volta para sermos sempre contemporâneos.

Referiu que existe pouco improviso em Portugal. O que pode ser feito para que mais pessoas se sintam motivadas para o improviso?
Eu não sei o que é ter talento ou deixar de ter. Não faço ideia. Sei que tem que ver com ‘timing’ de humor e com a maneira como dizes, posso escrever a melhor piada do mundo num papel e dar a alguém e ninguém se ri e dares a outra pessoa o mesmo texto e toda a gente se ri.
É muito importante teres esse ‘timing’ e tu sentires que é quase música. Quem não tem musicalidade, acho eu, não consegue fazer humor. Isto é complexo mas sinto que é assim. Temos de ter o mesmo tempo da música. Não existe música sem existir silêncio. E no humor é a mesma coisa.
Tem de haver silêncio para a seguir teres uma boa piada, e é jogar com esse silêncio e trabalhares com ele.

Quais são os seus planos para o futuro?
O meu futuro é amanhã. Só assim consegui que o grupo do qual sou fundador Commedia a la Carte ainda hoje tenha trabalho. A mesma coisa se passa comigo. Não penso muito no que vou fazer.
Se me perguntassem há 17 anos se queria fazer isso eu não sabia, se me perguntares o que quero fazer daqui a 17 anos também não sei.
Vou fazendo o futuro acontecer na hora. Vou conduzindo este caminho que se chama carreira. É conduzir com os obstáculos que vão aparecendo e conduzir calmamente até não sei onde.

Fonte: Jornal Económico

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