sábado, 23 de dezembro de 2017

Macroscópio – As eleições na Catalunha não foram bem um regresso à casa de partida

15394f37-d15a-4db8-9900-7c4008f236fe.jpg

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
As eleições catalãs trouxeram algumas novidades importantes, mas não as novidades suficientes para podermos acreditar numa solução rápida da crise aberta com a tentativa dos partidos independentistas declararem a independência de forma unilateral. De forma muito sintética recordemos o essencial: os Ciudadanos de Inés Arrimadas foram o partido mais votado e que elegeu mais deputados, mas não deverá ter condições para formar governo; os partidos independentistas conseguiram voltar a eleger mais de metade dos deputados (elegeram 72, menos dois dos que tinham antes) mesmo não tendo reunido sequer metade dos votos (ficaram-se pelos 47,5%); a direita catalã independentista ficou à frente da esquerda republicana, o que significa que o Puigdemont reivindica voltar a formar governo; o Partido Popular, que está no poder em Madrid, teve o seu pior resultado de sempre (para quem quiser conhecer os resultados mais em detalhe pode fazê-lo aqui, por exemplo, ou de forma mais gráfica e sintética aqui). Que leituras fazer e que esperar do futuro? Vejamos algumas pistas.
 
Em E agora Catalunha? 4 pistas para entender o futuro João Almeida Dias, o enviado do Observador à Catalunha, fez neste especial uma síntese das principais incertezas, a saber: 1. Puigdemont ganhou a batalha — mas a caminho de ganhar a guerra, ainda pode ser preso; 2. Perante uma derrota, irá Mariano Rajoy manter a tática do 155?; 3. Ciudadanos: uma vitória que só sabe a derrota; e 4. Se a extrema-esquerda quiser, a Catalunha pode ter um novo governo independentista já em janeiro. Este último ponto está longe de estar garantido, pois a extrema-esquerda da CUP já elevou a fasquia das reivindicações. Por isso o cenário é o seguinte: “Se todos os independentistas estiverem de acordo, pode haver um novo governo regional da Catalunha já em janeiro de 2018. Se não houver consenso até abril, haverá novas eleições no verão”. Uma leitura complementar por ser a de 5 takeaways from the Catalan electiondo site europeu Politico. Nele se escreve, a concluir, que “there’s just as much uncertainty as there was in 2015. It’s unclear whether the Catalan rebellion can be quieted through negotiations on increased autonomy — or even if the two sides are in a position to engage in such talks.” Ou ainda Catalonia’s separatists are re-elected by a whisker, a análise de The Economist, onde também se faz uma leitura pessimista: “The separatists still cannot claim to speak for a majority of Catalans, nor to have a mandate for unilateral action of the kind they took in October. But they have shown once again that they represent a very large minority whose demand for a legal referendum on independence—and now, too, for an amnesty—will not go away. And that poses an enormous difficulty for Mr Rajoy. His gamble has failed.
 
Antes de irmos à imprensa espanhola, destaque indispensável para o texto, em cima da hora, de Rui Ramos no Observador, Se fosse um referendo, o separatismo teria perdido, uma vez que a soma dos votos dos partidos independentistas ficou claramente abaixo da fasquia dos 50%. Nesse texto sublinha-se também um tema que está para além das disputas catalãs: “Até quando conseguirá o regime em Espanha gerir uma instabilidade permanente na Catalunha? E acima de tudo: até quando vão PP e PSOE manter-se unidos contra o separatismo? É a questão fundamental. Os socialistas voltarão quase de certeza a ser tentados, em Madrid e em Barcelona, por um regresso ao poder facilitado pelos movimentos anti-sistema, em nome da oposição “progressista” ao PP. A democracia dependeu sempre, em todo o lado, de os partidos democráticos se não esquecerem de que, antes de serem de direita ou de esquerda, são partidos da democracia.”
 
Passando à imprensa espanhola, o Observador e o Público apresentaram logo hoje de manhã um apanhado dos principais editoriais dos diários de Madrid e Barcelona (O que dizem os jornais espanhóis no Observador e Futuro incerto ou hegemonia?no Público). Não vou replicar esse trabalho, apenas deixar os links para os principais textos:
 
Mas para além destes textos de carácter mais formal, há algumas análises e opiniões que me parece importante referir e destacar:
  • Cataluña ensancha su fractura, no El Pais, um texto muito interessante onde se mostra como “El resultado electoral no cambió el equilibrio de fuerzas entre independentistas y no independentistas, pero la polarización aumenta y sus votantes se alejan”. Para se ter uma ideia de como esta polarização é consistente, o autor nota que “ayer se confirmó que la sociedad catalana sigue dividida por la independencia. Así lo dicen los datos del Centro de Estudios de Opinión de la Generalitat: hay dos grupos antagónicos separados por el origen de su familia y el deseo de independizarse. En un extremo están el 37% de los catalanes, hijos de catalanes e independentistas. Y en el lado opuesto hay otro 37%, que son inmigrantes o hijos de inmigrantes, y que no quieren la independencia.
  • El voto nacionalista (y luego independentista) no se ha movido desde hace 18 años, de Kiko Llaneras, também El Pais, é uma leitura importante para perceber como a percentagem do voto nos partidos nacionalistas se mantém estável há quase duas décadas, e abaixo dos 50%: “El porcentaje del voto nacionalista (y luego independentista) no se mueve desde hace 18 años: en las seis últimas elecciones estuvo siempre entre el 47% y el 49% de los votos. Seis elecciones en una horquilla de dos puntos. Es algo inusual. En ese periodo ha habido tres gobierno de CiU, dos del tripartido PSC-ERC-ICV y otro de Junts pel Sí. Los partidos han sufrido altibajos, pero los números de los bloques se han mantenido.” (ver gráfico acima).
  • Algunos ganan, pero todos perdemos, de Berna González Harbour ainda no El Pais, sublinha que “El enorme avance de los constitucionalistas frente a convocatorias anteriores es también una forma de victoria moral. Tras las manifestaciones que visibilizaron a una ciudadanía antes callada, pero gravemente ofendida por los pasos del anterior Govern, han superado con creces los 1,6 millones de votos que obtuvieron en 2015. Pero en sus filas ha cambiado la hegemonía y es Inés Arrimadas quien más ha logrado convencer. Un rostro joven de un partido joven que no tiene inconveniente en reivindicar el legado del 78, pero con afán renovador. Y sin embargo su victoria no la lleva al poder.”
  • La única salida a una gran crisis nacional, editorial de Pedro J. Ramirez no El Español, situa-se já claramente no terreno da opinião para defender que é necessária uma nova legitimidade política em toda a Espanha para enfrentar o problema catalão: “El Estado va a tener que rearmarse moralmente para hacer frente a las situaciones que van a seguir sucediéndose, como la investigación y el juicio a los cabecillas del proceso y su más que probable condena a prisión. Los españoles tienen derecho a elegir entre las distintas soluciones que los partidos ofrecen para superar el problema catalán, y que van desde negociar un referéndum pactado de autodeterminación, a ceder más autonomía a la Generalitat o a negarse en redondo a seguir premiando a los nacionalistas. Quien gane esas elecciones estará legitimado para tratar de resolver el gravisímo panorama que ahora se presenta ante España.”
  • No hay milagros sin coraje, de Hermann Tertsck no ABC, é uma defesa de como é necessário ir mais longe para resolver a crise catalã, um argumento que, de alguma forma, reforça o do texto anterior: “Los catalanes que ayer salieron como nunca a las calles a votar están presos de décadas de adoctrinamiento, de las más obscenas mentiras continuadas a lo largo del tiempo. Que una mitad haya salido a intentar romper las cadenas les honra. No es suficiente. Pero eso se podía haber tenido muy claro hace dos meses cuando se convocaron unas elecciones sin cambiar en absoluto la brutal presión social que los separatistas han construido en décadas y que el 155 podía haber al menos debilitado pero ha dejado intacto. Sin esfuerzos ni asumir riesgos no suele haber grandes conquistas Y mucho menos milagros.
  • Cataluña no tiene un problema político sino moral, de Cristian Campos de novo no El Español, também defende mais assertividade política, ou seja, também pede ao Governo de Madrid medidas que este, fragilizado com a derrota do PP na Catalunha, pode não ter condições para aplicar: “Que de forma sistemática se ponga el foco en los catalanes nacionalistas como si fueran merecedores de algún tipo de prerrogativa por el mero hecho de existir mientras esos mismos catalanes nacionalistas siguen votando a partidos que en países europeos tan poco sospechosos como Francia o Alemania ya habrían sido ilegalizados por incitación al odio es señal de que el problema catalán, ese que no queda más remedio que conllevar, no es político sino moral.”
 
Saio agora de Espanha para referir uma peça da Spectator que sintetiza bem as dificuldades que Rajoy enfrenta. Trata-se de The stage is set for the Spanish government’s worst nightmare, de Mark Nayler, que defende que, “As its pro and anti-independence politicians try to form alliances following yesterday’s election, Catalonia faces a new period of uncertainty and confusion. Rajoy’s election gamble has backfired, leaving the Spanish PM to lick his wounds over Christmas. Right now, it’s anyone’s guess what the New Year will bring.”


Leitura complementar a todas estas, e menos centrada na Catalunha, antes procurando encontrar explicações para a multiplicação de fenómenos nacionalistas é a de Henrique Raposo que, no Expresso Diário, se interroga sobre Como é que a sociedade das viagens constantes cria tanto nacionalismo? Eis um extrato significativo dessa sua reflexão que, julgo, é também um bom remate para esta newsletter: “É cada vez mais claro que caminhamos para um cenário parecido a 1914. Uma civilização outrora cosmopolita caminha a passos largos para a fragmentação. (...) E a aparente contradição repete-se: a sociedade das viagens constantes e do turismo, das escapadinhas e da mistura contínua de povos e gentes, é o ovo de serpente do regionalismo, do nacionalismo, do tribalismo, da obsessão com a identidade única, como se vê nas casas de banho “transgénero” nos EUA, na juventude independentista da Catalunha, no nacionalismo grego despertado por Tsipras, em Trump, no Brexit, em Orban, na Polónia. A sociedade das low cost não devia ter gerado o efeito contrário?”
 
E pronto, é tudo por hoje. Desejo a todos os leitores um Bom Natal, marcando desde já o reencontro para a última semana do ano. Tenham boas leituras, bom descanso, muitos doces e muitas alegrias. 

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. Partilhe:
no Facebook no Twitter por e-mail
Leia as últimas
em observador.pt
Observador
©2017 Observador On Time, S.A.
Rua Luz Soriano, n. 67, Lisboa

Nenhum comentário:

Postar um comentário