Estreia na próxima semana em Portugal mais um filme centrado na figura de Winston Churchill e no seu papel na II Guerra Mundial. Trata-se de Darkest Hour (em português A Hora Mais Negra, de que podem já ver os trailers aqui) e retrata as poucas semanas entre a chegada do velho leão, então com 66 anos, ao poder e o fim da evacuação de Dunquerque. Foram semanas terríveis da Primavera de 1940 em que teve de enfrentar o colapso da força expedicionária britânica que, em conjunto com o exército francês, foi incapaz de deter o rápido avanço dos blindados alemães. Com 300 mil homens cercados numa pequena cidade portuária do extremo norte da França, Churchill teve de lidar com as divisões no interior do seu gabinete ministerial para o qual convidara alguns dos seus principais rivais políticos. Foi nesses dias de máximo perigo e tensão que o Reino Unido enfrentou o dilema de tentar uma paz negociada, solução defendida por alguns ministros com Lord Halifax à cabeça, ou continuar a lutar sozinho. Churchill acabou por conseguir impor a estratégia do “nunca desistas, nunca cedas”, o subtítulo deste filme que também o retrata como grande mestre da língua inglesa, nomeadamente ao superar-se em dois dos seus mais famosos discursos, os que ficaram conhecidos como Blood, toil, tears, and sweat (13 de Maio de 1940, o seu primeiro discurso como primeiro-ministro na Câmara dos Comuns) e We Shall Fight on the Beaches (4 de Junho de 1940, onde descreveu o desastre militar em França e preparou o país para uma possível invasão nazi).
É certo que quem leu a mais detalhada e soberba reconstituição desses dias – Five Days in London: May 1940, do historiador John Lukacs –, em que os eventos são descritos quase hora a hora, sabe que o filme adopta algumas liberdades narrativas (em especial uma viagem no metro de Londres onde o primeiro-ministro pede a opinião a um grupo de cidadãos), mas mesmo assim há dois pontos em que a generalidade das críticas coincidem: o primeiro é que Gary Oldman constrói um extraordinário Churchill (a Rolling Stone fala de uma prestação digna de um óscar em ‘Darkest Hour’ Review: Gary Oldman Gives Us a Fearsome, Oscar-Worthy Churchill e a The Atlantic afina pelo mesmo diapasão em Darkest Hour Is a Thunderous Churchill Biopic: “Joe Wright’s new film stars Gary Oldman as the British prime minister, and explores both his bullish public image and his angst-stricken private life”); o segundo é o filme, mesmo com as suas liberdades criativas, é fiel ao essencial, isto é, ao apel central desempenhado por um Churchill que, naqueles dias, fez a diferença. Isso mesmo defende o historiador e especialista em II Guerra Mundial Victor Davis Hanson na National Review em Darkest Hour masterful film gives Winston Churchill his due tribute (“A masterful new film shows how Churchill saved the world from Nazi Germany in May of 1940”), opinião coincidente com a de Rich Lowry na mesma revista em Winston Churchill, the man who saved civilization (“A assim chamada teoria da história do Grande Homem pode ser excessivamente simplista, mas a história, indiscutivelmente, tem seus grandes homens. A Hora mais escura faz justiça a um deles ".) Esta é, comtudo, uma abordagem frontal do contrariada pelo crítico do New York Times em 'Darkest Hour', ou a Grande Man Teoria da História (e Atuação) , que não existe " Em vez de convidar o público a pensar sobre as dificuldades da governança democrática em um momento de perigo, os cineastas promovem a passividade e o culto ao herói ").
Mas enquanto esperamos pela estreia em Portugal, e pela crítica que Eurico de Barros não deixará de escrever aqui no Observador, posso garantir que este é efectivamente um daqueles filmes onde se compreende como tantas vezes são os grandes líderes que fazem a diferença e podem influenciar o curso da história. Daí que tenha recolhido para hoje algumas sugestões em torno de outras figuras marcantes – para o melhor e para o pior.
Começo por Margaret Tatcher, até para continuar no Reino Unido. Desta vez o texto é do seu biógrafo, Charles Moore, já tem alguns anos e evoca a sua queda (demitiu-se a 22 de Novembro de 1990) não por ter perdido eleições, mas por ter perdido o apoio dos seus companheiros de partido. Margaret Thatcher's resignation: A career that did not die in vain foi publicado pela primeira vez no Telegraph no 20º aniversário do seu afastamento e é curioso lê-lo à luz do que hoje sabemos sobre as lideranças conservadoras mais recentes (as de David Cameron e Theresa May). Eis uma passagem significativa: “The reason our heroine succeeded was not just because she was combative, though much of the combat was necessary. It was because she analysed the problems of the country in the 1970s boldly and optimistically. She could see what was wrong when many couldn’t, and how to remedy it when many daren’t. She was not put on the political earth to complain about everything, but to do something.”
Passo agora um líder contemporâneo de Churcill, o ditador soviético José Estaline, e faço-o porque acaba de sair o segundo volume da monumental biografia que está a ser escrita por Stephen Kotkin (cada um com cerca de mil páginas). Sobre o primeiro volume, Stalin: Volume I: Paradoxes of Power, 1878–1928,recupero a crítica de The Cleverness of Joseph Stalin, de Richard Pipes na New York Review of Books, onde se defende que “This is a very serious biography that, except for its eccentric denial of Lenin’s rift with Stalin late in his life, is likely to well stand the test of time.” Sobre o segundo volume, Waiting for Hitler, 1929-1941, Recém-publicado, uma referência possível e uma recensão não New York Times, um retrato de Stalin em todas as suas contradições assassivas . Para Mark Atwood Lawrence " O contributo mais impressionante de Kotkin, porém, é sondar as razões pelas quais Stalin encontrou pouca oposição quando ele causou caos em seu país. O carcerismo e os incentivos burocráticos no formidável aparelho de repressão da União Soviética tinham algo a ver com isso, escreve Kotkin, mas também o monopólio da informação sobre a informação e a receptividade do público a afirmações selvagens sobre o perigo de subversão de dentro. O estalinismo foi, dessa forma, tão habilitado de baixo como imposto de cima ".
Passo agora para um terreno totalmente diferente, mais espiritual mas com enorme influência no mundo: vou referir-me a dois Papas, João Paulo II e Francisco. O primeiro foi um daqueles líderes que mudou a história (ou pelo menos a acelerou no que respeita ao colapso do império soviético), o segundo está a ter um papel marcante mas que ainda não sabemos até que ponto terá idêntica influência global. Os dois textos que seleccionei não são anáises de liderança, antes se distinguem pela sua originalidade e por transmitirem visões menos conhecidas.
- John Paul II’s Prescient 1995 Letter to Women é uma interessante reflexão de Peggy Noonan no Wall Street Journal (paywall), e interessante por recuperar um mensagem do Papa polaco a propósito das revelações sobre as agressões sexuais a mulheres. Recordando que “He wrote of ‘the long and degrading history . . . of violence against women in the area of sexuality.’”, Noonan sublinha que “Sometimes you have to take a step back, remove yourself from the moment, and try to ground yourself in what is true, elevated, even eternal.” Para ela “At the heart of the current scandals is a simple disrespect and disregard for women, and an inability to love them”, só que temos de saber lidar com isso pois é uma realidade que está por todo o lado: “A América acontece no escritório e, em qualquer lugar, a América acontece, haverá o drama de homens e mulheres. Não é errado temer que se torne uma zona seca, reprimida, politicamente correta, não mais humana. "
- Why more and more priests can’t stand Pope Francis é um texto bem mais controverso de Damian Thompson na Spectator, e controverso porque assume uma crítica frontal ao Papa Francisco. É um ponto de vista a que raramente temos acesso, pelo que cito uma passagem, significativa e que pode chamar a atenção de quem quiser conhecer melhor as posições dos críticos de Francisco: “All popes have inner circles, it goes without saying. What distinguishes Francis from his recent predecessors is the nature of the alliances he forms. He is far more brutal in the exercise of his power than, say, Pope John Paul II, who certainly had an authoritarian streak in him.”
Termino com um texto que não é sobre nenhum líder, mas sobre a necessidade de, no momento que vivemos, encontrarmos líderes capazes de estarem à altura dos desafios globais, como tantas vezes sucedeu no passado. This Sputnik Moment é um ensaio de um académico especializado em estudos sobre a democracia, Larry Diamond, que na The American Interest estabelece uma comparação entre os dias de hoje e os vividos quando a União Soviética pareceu tomar a dianteira aos Estados Unidos na corrida espacial, o que levou a profundas alterações de política. Ora hoje, “As authoritarian states like China double down on strategic investments and project their “sharp power” abroad, the United States may finally be reaching a new Sputnik moment.” Em concreto: “O desafio que temos diante de nós agora é urgente: expor e salvaguardar contra o poder autoritário e forte, antes de comprometer severamente a nossa segurança nacional e até a nossa liberdade. (...) As apostas da linha de fundo são existenciais: os Estados Unidos - e as democracias liberais coletivamente - reterão a liderança global de forma econômica, tecnológica, moralmente e politicamente, ou estamos entrando em um mundo em que conspiramos em nosso próprio eclipse? "
Nos tempos de Trump é difícil imaginar maior desencanto e desesperança, pois a necessária liderança não parece estar ao virar da esquina. No entanto é bom recrdar que antes de Churchill a política no Reino Unido também foi dominada pelos chamados “appeasers”, os que procuraram aplacar Hitler sem o enfrentar com determinação. Depois dos dias, dias virão, pelo que importa sempre aprender com o que a História nos ensina. Espero ter contribuído modestamente para isso com mais este Macroscópio.
Tenham bom descanso e boas leituras, neste novo ano que se deseja feliz para todos.
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