terça-feira, 8 de maio de 2018

Macroscópio – Macron, um reformador ambicioso? Ou mais um político a testar os seus limites?

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
@Financial Times
 
Um ano no Eliseu, está feito. Venha outro. Emmanuel Macron parece não ter tempo a perder e, depois de ter chegado à Presidente da República francesa com apenas 39 anos, apresenta-se tão determinado como sempre, seja na frente interna, onde as suas reformas começam a enfrentar séria oposição, seja na frente externa, onde o mais ambicioso dos seus planos, o para a União Europeia, não deverá ser apoiado pela decisiva Alemanha. Fenómeno político absolutamente novo, que balanço fazer destes seus primeiros 365 dias? Disso me ocupo hoje neste Macroscópio. 
 
Antes porém de ir à vocação desta newsletter – sugestões de leitura – deixem-me começar por sugerir que oiçam Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto em Que vale Macron um ano depois?, o Conversas à Quinta que gravámos já a 27 de Abril mas onde, aproveitando a visita de Macron aos Estados Unidos, aproveitámos para fazer também um balanço do seu mandato. Como sempre foi uma troca de ideias informada que também pode ser ouvida descarregando o podcast
 
Seguindo para os que porventura desejam ler um só texto, hoje a minha escolha recairia numa longa e interessante reportagem publicada no Financial Times Magazine, Life in Emmanuel Macron’s inner circle. Nela Anne-Sylvaine Chassany introduz-nos ao círculo próximo de Macron e fala-nos dos seus objectivos, métodos e dificuldades, ou de “Lots of reform, little sleep and a population to persuade”. É impossível resumir aqui este trabalho, mas logo a abrir, depois de relatar como o Presidente se ocupa de tudo e de todos os detalhes, a autora nota: “Such attention to minutiae lies at the heart of a presidency that has emerged as one of the most centralised and technocratic in French postwar history. From his corner office overlooking the gardens of the Elysée Palace, the youngest French leader since Napoleon is running a tight operation designed to exert maximum control over his government, parliamentary majority and party.” Ou, como se acrescenta mais adiante, “It’s a power that places efficiency at its heart,” says Virginie Martin, a political scientist at France’s Kedge Business School, of Macron’s approach to government. “It makes its own way, runs the state as a company and, for better or worse, has swept away debate from French political life.”
 

Alex Barker, também no FT, indica precisamente este texto como um dos mais interessantes em The method to Macron – “The unfolding Macron story is perhaps the most compelling in Europe today and there is plenty of food for thought in the media coverage of the anniversary” – mas acrescenta-lhe duas outras referências, do Le Figaro e do Le Monde. 
 
Começo por este último e por um texto, Emmanuel Macron, un an de présidence impérieuse, que começa de uma forma deliciosa ao descrever a forma como o jovem Presidente encena o exercício do poder, com um requinte que lembra mais o tempo dos reis absolutos: “Toutes éclairées, les fenêtres de l’Elysée étincellent dans la nuit d’hiver. Ce 1er mars, Emmanuel et Brigitte Macron reçoivent au palais. Dans le cadre des « jeudis de l’Elysée », le couple présidentiel attend quelque 200 personnes pour une « soirée russe » : Casse-Noisette et Sérénade pour cordes, de Tchaïkovski, d’abord, puis le conte musical de Prokofiev Pierre et le Loup, interprété par l’orchestre de la garde républicaine et dans lequel le président de la République joue le récitant. Une première sous la Ve République. Si les prédécesseurs d’Emmanuel Macron avaient tous organisé des événements culturels à l’Elysée, aucun ne s’était ainsi mis en scène.”
 
O Le Figaro, em Le macronisme à l’épreuve du pouvoir, é porventura mais simpático para o Presidente, considerando até que este se reaproximou do espírito da Constituição de V República: “Adepte d’une lecture plus classique de la Constitution de la Ve République, le chef de l’État a choisi un binôme complémentaire. Depuis sa nomination, l’ex-juppéiste Édouard Philippe a été placé en première ligne sur plusieurs dossiers de politique intérieure (...). Même la réforme des institutions, qui reste l’apanage de l’Élysée, a été annoncée par le locataire de Matignon. Quant à Emmanuel Macron, il se focalise sur le cap et les grandes orientations. L’international, l’Europe, la Défense et le “redressement” du pays sont ses champs d’action privilégiés.”
 
Num registo mais descritivo e menos interpretativo, o site da France 24, em Un an de présidence Macron : du "et en même temps" au "premier de cordée", descrevia-nos tanto os sucessos destes 12 meses como os pontos em que o inquilino do Eliseu se afastou das suas promessas de campanha. Por exemplo: “La récente loi asile et immigration a elle aussi révélé un grand décalage entre les discours de campagne et les décisions prises une fois au pouvoir. Alors qu’Emmanuel Macron clamait, à l’envi, en 2017, qu’Angela Merkel avait sauvé l’honneur de l’Europe en accueillant de nombreux migrants en Allemagne, le texte voté le 23 avril à l’Assemblée nationale a suscité la controverse. Les agents de l’Office français de protection des réfugiés et apatrides (Ofpra), ceux de la Cour nationale du droit d’asile, les associations humanitaires et le Défenseur des droits Jacques Toubon lui reprochent, en particulier, de durcir les conditions d’accès à l’asile et d’avoir pour objectif principal de faciliter les expulsions des personnes déboutées ou sans titre de séjour. Le texte trahit la promesse d'équilibre entre "humanité et fermeté" faite par Emmanuel Macron.”

 
Referência ainda a mais dois balanços centrados sobretudo na descrição do que foi este primeiro ano de Macron: 
  • Macron's 1st Year: World Fame, Trump Hugs, French Anger, um trabalho da Associated Press (aqui na versão publicada pelo New York Times), onde se recorda a pressa que tem colocado em todas as reformas que se propõe concretizar, até porque os ventos lhe têm soprado de feição: “Macron has little to stop him from pressing on to transform France before the next presidential and legislative elections in 2022. Macron can rely on his party's large majority at the National Assembly to pass laws. Political opposition from both the right and the left has shrunk since his centrist Republic on the Move! split the formerly powerful Socialists and conservative Republicans. His biggest labor reforms passed last year despite the demonstrations. And Europe's robust economic growth of late is boosting the French government.”
  • How Macron's Movement Is Transforming French Politics, o balanço da alemã Der Spiegel, onde se nota que “The pressure to succeed, in any case, is immense, and the tension is almost palpable. Failure, after all, would be disastrous. The traditional political landscape, the balance between the opposition and the government, has lain in ruins since Macron's triumph. And rebuilding that landscape, for the moment, at least, is up to him and his movement. Another disappointment after five leaden years with François Hollande as president would likely be met with a harsh response by the French, and a further turn away from political life.
 
Já em dois balanços publicados na imprensa portuguesa a preocupação parece ser mais a de descobrir até que ponto Emmanuel Macron tem ou não promovido uma política “de direita”: 
  • Macron governa à direita, suscita paixões e gera grandes antipatias, de Clara Barata no Público, não deixa muita margem para dúvidas sobre a sua própria leitura:  “A clivagem esquerda-direita só falsamente desapareceu. O efeito de sedução [de Emmanuel Macron] funcionou muito melhor nos eleitores de direita. Macron divide os franceses sobretudo pelo seu estilo: é elevado aos céus pelos seus eleitores, que lhe louvam a juventude, o dinamismo, o carisma, o respeito que está a ter pelas promessas eleitorais. E é vilipendiado pelos seus detratores, que criticam a arrogância, o narcisismo, o desprezo de classe, o sentimento de superioridade”, descreve [Bruno Cautrès, do Centro de Investigação Política do Sciences Po, em Paris]

     
  • Governar à direita para tornar França grande outra vez? Um ano de Macron, o trabalho do Expresso, afina pelo mesmo diapasão: “Nem à esquerda, nem à direita”. Era este o slogan da campanha de Emmanuel Macron e foi com este slogan que o antigo banqueiro de investimento conquistou o Palácio do Eliseu há um ano. No entanto, os balanços feitos pela imprensa e pelos comentadores internacionais são praticamente unânimes em considerar que Macron tem governado à direita, mesmo que o próprio garanta que só está a fazer o que prometeu.”
 
Já as preocupações de Teresa de Sousa, no Público, são outras, pois fala-nos sobretudo do que Macron não conseguiu ainda na Europa – para a qual tinha grandes e ambiciosos planos – e de como se adivinha difícil que a Alemanha de Merkel aceite a sua agenda de “mais Europa”. Em Macron e Merkel, o desafio do filósofo e da cientistaescreve-se mesmo que “O maior desafio de Macron tem um nome: Angela Merkel. A chanceler e o Presidente não podiam ser mais diferentes na sua formação e na sua experiência de vida. Macron diz que as democracias têm de ter os seus heróis. Merkel é a anti-heroína.” Mais concretamente, “A sua forma de liderar a Europa é oposta à de Macron: passo a passo. Gota a gota. O mínimo possível para aguentar o barco europeu a flutuar. Tem objectivos mas não tem desígnios.”
 
No El Pais Marc Bassets propõe-nos uma leitura curiosa em Macron, el presidente como personaje de novela, um texto onde se procura explicar como é que este Presidente é um político diferente dos demais. Um exemplo: “Los franceses”, argumenta, “son infelices cuando la política se reduce a una técnica, cuando se convierte en politiquería. Les gusta que haya una historia. ¡Yo soy la prueba viviente!” Y es verdad que, cuando Macron lanzó la campaña que le llevaría la victoria en las elecciones presidenciales de 2017, su historia personal formaba parte del atractivo del candidato. Él mismo era el mensaje.
 
Não tenhamos porém demasiadas ilusões, mesmo sendo impressionante o que mudou em França com Macron. É que, como se recorda no Financial Times, o mais difícil ainda pode estar para vir: “Some big tests are approaching: a deteriorating strategic environment (notably the potential demise of the Iran nuclear deal); the assault on multilateralism (possibly via a trade war with America); and the challenge of revitalising the EU (and convincing Germany that big reforms are in its interest). When the second anniversary arrives, the onus may well be more on results.
 
E por aqui me fico. Parem, escutem (o podcast) e olhem (ou leiam) e não se deixem atropelar pela veloz locomotiva Macron. Ou, pelo menos, saibam como ela funciona e para onde quer ir. Desejo-vos também um bom descanso. 
 
 
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