O único carro desportivo construído na Figueira da Foz, numa antiga oficina onde foram produzidas 16 unidades há três décadas, regressa agora pela iniciativa de um empresário que adquiriu, fora do concelho, um exemplar em segunda mão.
O AC Sport Car, produzido de forma artesanal na oficina A. Cação Automóveis entre 1982 e 1988, é um desportivo de dois lugares com mecânica e chassis da Volkswagen e uma carroçaria em fibra de vidro que vai buscar inspiração a modelos britânicos, alemães e italianos.
“Já andava a procurar um carro destes há uns dois ou três anos, por ser da Figueira da Foz. Sou do tempo em que estes carros se faziam, assisti à montagem de alguns e fiquei com o ‘bichinho’ de um dia ter um”, disse à agência Lusa António Seco, o mais recente proprietário de um AC Sport Car.
O modelo que António Seco comprou ao proprietário original, residente em Cantanhede, é de cor vermelha – uma das três originais, junto com o branco e preto -, foi produzido em 1983, há 35 anos, tem pouco mais de nove mil quilómetros e está “em bom estado”.
“Ultimamente só fazia 40 quilómetros por ano. Quando passo com ele na rua as pessoas ficam pasmadas, espantadas, porque não se identifica a marca, parece um carro italiano”, observou.
O empresário define o AC Sport Car como uma mistura de nacionalidades – a frente faz lembrar um britânico Lotus Esprit dos anos 70, as portas abrem para cima e são inspiradas nas “asas de gaivota” do alemão Mercedes 300 SL e a lateral tem ares do italiano Lancia Stratos – e destaca-lhe o conforto e a facilidade de condução.
“Não dá para andar muito, é levezinho, o chassis é de 1960. Mas é bastante seguro, tem uma caixa [de velocidades] espetacular e uma condução e conforto bastante acima do que eu estava à espera”, frisou António Seco, notando que o carro – com estofos em couro branco e acabamentos cuidados – é “algo elitista” e “foi feito para pessoas com bastante poder financeiro”.
Luís Cação, 79 anos, dono da oficina fundada pelo pai Artur, é um dos autores do projeto AC Sport Car, realizado a meias com o primo António, já falecido. A ideia surgiu-lhes em 1980, de visita a uma feira automóvel em Inglaterra, onde viram “coisas parecidas a partir de mecânicas Volkswagen”, contactaram com um construtor automóvel britânico que fazia viaturas para serem usadas em filmes de ação, tiraram fotografias, registaram ideias e decidiram-se pela produção do desportivo em Portugal.
Regressados à Figueira da Foz, com a ajuda de um construtor de embarcações que tinha uma fábrica em Vila Franca de Xira, foi construída uma maquete, depois vários moldes e uma carroçaria, a primeira. A fábrica de barcos haveria de fechar, o projeto transitou para Coimbra e a “série de peripécias negativas, com grandes perdas de dinheiro” continuou, com recusas de financiamento bancário “para uma coisa supérflua” (a construção artesanal de carros) e um incêndio que destruiu os moldes originais.
Através da primeira carroçaria fizeram-se novos moldes e o primeiro AC Sport Car ficou pronto em 1981, iniciando-se a produção para venda um ano mais tarde, com carroçarias feitas em Coimbra e acabadas na oficina da Figueira da Foz, onde o veículo era montado.
Os empresários tinham pensado comprar os chassis e a mecânica em estado novo à Volkswagen, mas a burocracia nacional da altura travou-lhes as intenções: “Importar mecânicas novas não havia problema, mas depois legalizá-la com o nosso projeto era muito complicado”, recorda.
A solução foi optar por dois sistemas, um dos quais o potencial cliente entregava um Volkswagen, como o Carocha, à oficina, que lhe aproveitava o chassis e componentes mecânicos e montava a nova carroçaria.
No segundo sistema, o carro era construído de raiz, mas com chassis existentes e matriculados, previamente adquiridos pelos donos da A. Cação.
Da ficha de especificações técnicas constam quatro motorizações (de 1.2 a 1.6 a gasolina, de 34 a 50 cv), motor de quatro tempos arrefecido a ar “com sistema automático de arranque que garante arranque imediato em dias frios”, caixa de quatro velocidades e tração traseira, para além de uma vasta lista de equipamentos de série e outra de extras.
“Não era acessível a todas as bolsas”, reconhece Luís Cação, explicando que uma construção de raiz ficava em mais de 700 contos nos anos 1980, “o que era muito dinheiro”.
E recorda um episódio curioso, do dono de um carro “que era meio despassarado e o estampou” no dia em que o comprou e que, regressado à oficina, pediu aos mecânicos que lhe “encolhessem” a viatura 30 centímetros na largura “para que o pudesse meter na garagem, o que obviamente era impossível. Teve de alargar o portão”, brinca Luís Cação.
Na antiga oficina, Luís Cação guarda um exemplar, de cor branca, do AC Sport Car, “o último a ser completado, em 1988″ e um outro, inacabado, sem pintura.
O projeto acabou há precisamente 30 anos – com 16 exemplares vendidos, todos para fora da Figueira da Foz – devido à doença do filho de Luís, que esgotou recursos financeiros e também porque o projeto “precisava de um fundo de maneio muito grande” que os sócios não tinham capacidade para aguentar.
Luís Cação teme que com o tempo o “único e legítimo representante da Figueira na produção automóvel” acabe por cair no esquecimento, coisa que António Seco, o mais recente proprietário do AC Sport Car, pretende contrariar.
“Sinto que tenho comigo uma parte da Figueira da Foz. É uma peça que se deve manter, para Portugal ver o que se fez por cá”, argumentou.
Fonte e Foto: Lusa
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