terça-feira, 9 de outubro de 2018

Startups - Dona Lisboa e o Sr. Estrangeiro

Dona Lisboa estava muito aborrecida com o marasmo em que se tinha tornado a sua vida. Senhora e dona das suas sete colinas, continuava a exibir com orgulho a luz amarela à beira Tejo, mas o seu coração inquieto, como o do fado, queria mais. Faltava-lhe qualquer coisa… Uma euforia desmedida de um Euro 2004 ou a esperança ingénua de uma Expo98. Mal soube que havia um estrangeiro ruivo e moderno, todo tecnológico, desejoso por sair de casa e mudar de vida, vestiu-se a preceito. Chamou os melhores amigos, convidou-o para jantar, levou-o a passear e mostrou-lhe a boa rede de transportes que tinha, a banda larga que é das melhores da Europa, as noites que são uma alegria, o fado que é tão triste mas que nós nem nos importamos. E a praia ali tão perto. E a comida. E 1,3 milhões de euros.

Rendido, o Estrangeiro fez as malas, reuniu a família e disse que era hora de partir para novas aventuras. Não havia como resistir a Dona Lisboa. Cauteloso como tinha aprendido a ser, mudou-se com algumas condições e um período experimental de três anos: queria ver como se davam. Quando celebraram a união, a festa fez eco pelo país todo e a curiosidade pelo novo Estrangeiro era tanta que ninguém quis faltar à festa: nem António Costa, nem Marcelo Rebelo de Sousa, nem os portugueses. No segundo ano, torceram-se alguns narizes e houve quem duvidasse que a relação fosse feliz (acho que as pessoas não gostaram daquele jantar no Panteão). No terceiro, a Le Pen quase ditou um divórcio.

Dona Lisboa ficou com o coração nas mãos e o Sr. Estrangeiro pediu-lhe um tempo: “Preciso de pensar bem na minha vida e no que quero para mim”.

Dizem as pessoas bem informadas desta história, que Dona Lisboa teve tanto medo de perder a Web Summit para a Menina Valência, a Madame Paris ou a Miss Londres que lhe perguntou prontamente: “O que é que precisas?”. E reuniu-se com os melhores amigos para juntos encontrarem uma solução: obras na casa para a família duplicar de tamanho e 11 milhões de euros por ano durante os próximos 10 anos. Se não se derem bem, os termos do divórcio também já estão definidos: 340 milhões de euros de indemnização por cada ano perdido. E a praia ali tão perto. E a comida.

No bairro, todos quiseram comentar o enlace que vai marcar a próxima década:

— Estou tão contente, acho que é ótimo. Sempre acreditei neles.

— Eu cá não estou convencida. Dez anos é muito tempo.

— Muito tempo porquê?

— Não vês que isto agora é bonito porque é novidade? E quando a novidade se esgotar?

— Reinventam-se.

— E se não conseguirem? Não achas que as pessoas se vão fartar?

— Não.

— Já viste que para assegurarmos estes 11 milhões por ano talvez tenhamos de dizer que “não” a outros milhões e a outros estrangeiros?

— A vida é feita de escolhas.

— E se correr mal mas eles nunca se divorciarem, porque, enfim, são 340 milhões e ninguém gosta de perder 340 milhões.

— Enchem a FIL com outras pessoas, nos dias em que a Web Summit não está.

— Mas não achas que um compromisso de longo prazo é pouco coerente com a natureza de um evento que trata de coisas tão disruptivas e inovadoras?

— Porque é que eu tenho se ser sempre a otimista e tu a pessimista?

— Sei lá.

— Vais este ano?

— Não. Fui só no primeiro ano, já deu para ver como é.

— Ah…. Está certo. Pois, também não vou, mas vou estar atenta ao Observador, porque eles lá dão conta de tudo. Não perdem nada.

— É verdade, nisso concordamos: tens toda a razão.

Indiferentes aos comentários da vizinhança, Dona Lisboa já está a preparar as obras e a festa do noivado. Diz o Silva que como o amor veio de outra cidade vai ser tudo rosa. Falta menos de um mês. Nós depois contamos-lhe tudo.

Até terça!

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