A Casa de Abrigo de Pombal, no distrito de Leiria, recebeu entre 2001 e 2018 1.007 mães e filhos vítimas de violência doméstica, revelou à agência Lusa a diretora técnica desta resposta de emergência, Sandrina Mota.
A Casa de Abrigo de Pombal, que pertence à APEPI – Associação de Pais e Educadores para a Infância, inaugurou as mais recentes instalações em 2016. Uma casa construída de raiz para o efeito algures no concelho de Pombal, no distrito de Leiria.
“Recebeu o nome de Teresa Morais, a secretária de Estado na altura que mais se empenhou para avançarmos com o projeto”, justificou a presidente da APEPI, Teresa Silva. Tem a lotação de 16 utentes e está completa.
Sandrina Mota explicou que a Casa de Abrigo é o “último recurso” para onde vão as mulheres vítimas de violência doméstica para “salvaguardar a sua segurança e a dos filhos”.
O objetivo é que seja “o mais longe possível do local onde as vítimas viviam, para evitar que possam ser localizadas pelo agressor”.
A técnica referiu que não há um padrão típico das mulheres que chegam. “Algumas sofreram maus-tratos durante anos e é quando os filhos saem de casa que põem um ponto final na situação, outras não aguentam tanto tempo e noutros casos o medo de serem mortas fá-las abandonar a casa”.
Também o estatuto social não interfere neste drama. À Casa de Abrigo chegam mulheres financeiramente autónomas, outras que nunca trabalharam, com a escolaridade obrigatória ou com menos estudos.
“O que se verifica é que quem já trabalhou e tem mais qualificações, tem maior facilidade em encontrar o seu projeto de vida e recomeçar mais rapidamente”, informou Sandrina Mota.
Nos últimos anos, a instituição de Pombal tem acolhido mulheres na faixa etária dos 45 aos 50 anos, mas há também entradas de vítimas mais velhas. “Hoje há também mais visibilidade destes casos e as mulheres não têm tanta vergonha em recorrer a ajuda. As próprias famílias e as pessoas que estão mais próximas estão mais sensibilizadas para a violência doméstica e tentam ajudar”.
Segundo Sandrina Mota, as vítimas chegam numa situação “emocional muito fragilizada e com muito sofrimento”. “Além da violência que passaram, deixaram tudo para trás: amigos, família, a relação que tinham, emprego. É um duplo sofrimento. Infelizmente, é a vítima que tem de abandonar a casa e tudo isso é um turbilhão de emoções”.
Viver numa casa de abrigo “não é fácil”. É preciso “partilhar um espaço com quem não se conhece e existem regras”. Por isso, nem todas suportam todo este processo.
“Há vítimas que regressam a casa, mesmo quando é desaconselhado. Mas a presença é voluntária. Não obrigamos ninguém”, salientou Sandrina Mota, ao recordar o caso de uma mulher que insistiu em sair. “Na sexta-feira foi embora e na segunda-feira foi morta a tiro pelo companheiro”.
A permanência neste espaço é temporária. O objetivo é que não ultrapasse os seis meses. Durante este período, as vítimas são acompanhadas por técnicas e especialistas, que as ajudam a encontrar o seu caminho.
“Estamos a lidar com pessoas e há quem demore mais tempo a alterar comportamentos. Investimos muito no empoderamento e no reforço de competências das mulheres. Há utentes que se conseguem organizar em dois meses, outras que levam um ano. Quando uma mulher se começa a valorizar, o simples ato de querer arranjar as unhas, para nós já é uma vitória”, insistiu a técnica.
A autoestima é fundamental: “Há mulheres que regressam a casa e assumem que foram elas que mudaram e que passaram a mandar. Quando isso é alcançado, é muito gratificante para nós”.
A dependência emocional, disse Sandrina Mota, é um dos principais problemas destas vítimas. “Quanto mais tempo estão sob os maus-tratos, mais dependência existe. Os agressores são manipuladores e sedutores e prometem que vão mudar e muitas aceitam tentar de novo, mas depois percebem que o agressor não muda”, denunciou.
Culpa, vergonha e pensar que o erro foi seu é também apontado pela coordenadora da Casa de Abrigo como sentimentos que dominam a vítima.
Teresa Silva alerta que a “violência psicológica é muito grave e altamente dolorosa”. “Temos vítimas cujos agressores nunca lhes tocaram. As mulheres têm de se convencer que ser controlada é sofrer violência. Não poder ir ao cinema com as amigas, entregar o dinheiro que ganha ao marido, ser impedida de ascender na carreira ou ser humilhada é violência. As piores marcas e as mais difíceis de apagar são as que não se veem”.
Criticou a demora na justiça, sobretudo, na aplicação das medidas de coação ao agressor. “A colocação da vigilância eletrónica não é imediata e também não é garantia de uma agressão à distância”.
Compreendendo que não “seria possível ter as forças de segurança ao lado de todas as vítimas”, Teresa Silva defendeu uma maior aposta na prevenção ao nível do pré-escolar.
“A violência no namoro existe. É preciso começar a trabalhar as crianças desde pequenas para a igualdade de género, em paralelo com a violência doméstica. As duas andam, muitas vezes, juntas. Não é aceitável que o namorado (a) queira controlar o telemóvel ou o que veste”, alertou a presidente da APEPI, frisando que as vítimas “desvalorizam, pensando que é um ato de amor”.
“Tudo isto tem de ser desmistificado. Há muito trabalho a fazer. A APEPI aproveita todas as efemérides para realizar ações junto das escolas. Mudar comportamentos demora tempo, mas há que investir muito na prevenção”.
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