O Conselho Constitucional (CC) considerou que o Governo de Armando Guebuza “actuou à margem da Constituição”, facto revelado pelo @Verdade em 2016, e declarou “a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM, SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais”. Porém, esta decisão que iliba o povo de pagar essa dívida transformada em Títulos de dívida soberana de Moçambique pelo Executivo de Filipe Nyusi, não deverá acabar com o calvário dos moçambicanos pois para os mercados financeiros, doadores e até para o Fundo Monetário Internacional o nosso país continua a ser caloteiro e por isso não viável para investir. Aliás é expectável que os detentores do empréstimo, agora denominado “Notas de Moçambique de USD 726.524.000,00” iniciem uma batalha legal sem fim à vista.
Instado a realizar a fiscalização do empréstimo da Empresa Moçambicana de Atum, Sociedade Anónima, (EMATUM, SA) pelo Fórum de Monitoria do Orçamento e pelo Provedor de Justiça os Venerandos juízes do Conselho Constitucional Hermenegildo Maria Cepeda Gamito, Ozias Pondja, Manuel Henrique Franque, Domingos Hermínio Cintura, Mateus da Cecília Feniasse Saize decidiram declarar “a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais”.
Através do Acórdão nº 5/CC/2019, publicado nesta terça-feira (04), o Conselho Constitucional que é conhecido pelos moçambicanos como legitimador das ilegalidades cometidas pelo partido Frelimo considerou que “indiscutivelmente o Governo (Nota do Editor: de Armando Guebuza) actuou à margem da Constituição, violando inequivocamente a respectiva alínea p) do n° 2, do artigo 178 da CRM, onde se reserva a exclusividade da competência da Assembleia da República para autorizar (…) a contrair ou conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite dos avales a conceder ao Estado, isto por um lado e, por outro, infringiu a alínea a) do n° 2 do artigo 129 da Lei n° 14/2011, de 10 de Agosto, pela prática de actos que configuram obviamente a usurpação do poder, conflituando desde logo com o artigo 134, onde se consagra a separação e interdependência de poderes dos órgãos de soberania, subordinando-se à Constituição e às leis, tal como igualmente se estipula no n°3 do artigo 2, ambos da Constituição da República de Moçambique”.
Petição para fiscalização da constitucionalidade das dívidas da Proindicus e MAM
O CC considerou ainda que “Concomitantemente à violação da Constituição, surpreende-se a prática de uma outra ilegalidade (...) Nenhuma despesa pode ser assumida, ordenada ou realizada sem que, sendo, legal se encontre inscrita devidamente no orçamento do Estado aprovado, tenha cabimento na correspondente verba orçamental e seja justificada quanto à sua economicidade, eficiência e eficácia”.
“As despesas só podem ser assumidas durante o ano económico para o qual tiverem sido orçamentadas”. Este é o bloco legal que, no caso, se inclui a Constituição e a lei ordinária que foi completamente desrespeitado pelo Governo na contratação da dívida de EMATUM,SA, bem como da garantia soberana conferida, decorrendo daí a sua ilegalidade e com gravosas consequências jurídicas: trata-se de actos inválidos, sob forma de nulidade, por força do disposto na alínea a) do n° 2 do artigo 129, da lei já citada, facto que juridicamente tem reflexo na questionada Resolução n° 11/2016. Como corolário da detectada ilegalidade, a sua apreciação cabe à jurisdição administrativa, nos termos da alínea b) do artigo 3, da Lei n° 7/2014, de 28 de Fevereiro, que regula os procedimentos atinentes ao Processo Administrativo Contencioso”, declarou ainda o Conselho Constitucional.
O @Verdade sabe que uma outra petição do Fórum de Monitoria do Orçamento pediu a fiscalização da constitucionalidade das dívidas das empresas Proindicus e Mozambique Asset Managment (MAM).
“Os investidores são espertos os mercados financeiros estão interligados e por isso não convém entrar num contencioso”
À partida esta decisão do CC desobriga o Estado moçambicano do pagamento do remanescente do empréstimo, 262.352.872 Dólares norte-americanos foram pagos entre 2015 e 2016, contudo analistas financeiros e banqueiros que esperavam um acordo com os credores não só da EMATUM mas também da MAM antes das Eleições Gerais de Outubro explicaram ao @Verdade que a posição do Governo de negociar em vez de repudiar era a melhor estratégia como defenderam o antigo governante, economista, banqueiro e membro da comissão política do partido Frelimo Tomáz Salomão assim como o economista independente Roberto Tibana.
Salomão afirmou que não repudiar o pagamento das dívidas ilegais, “é a postura mais correcta, porque só ela é que vai permitir, se um dia tivermos que chegar a uma situação de que está dívida tem que ser feito o right off, ou seja o corte total, isso passa por Moçambique estar sentado na assembleia de credores”.
O ex-ministro da Finanças de Joaquim Chissano explicou que o não pagamento dos empréstimos cria o problema “que quando Moçambique quiser ir buscar dinheiro lá fora, seja o Estado, sejam instituições financeiras, seja quem for, o dinheiro vai custar mais caro porque vão sempre olhar para nós com reserva, porque vocês são caloteiros. Vocês contraem dívidas e depois começam andar por aí nas ruas a dizer que não querem pagar, porque essa outra parte não lhe diz respeito”.
Posição similar defendeu Tibana: “Os investidores são espertos os mercados financeiros estão interligados e por isso não convém entrar num contencioso como fez a Argentina que esteve quase duas décadas para acabar por pagar como forma de poder regressar aos mercados financeiros de capitais”.
Embora diferente do default que Moçambique está mergulhado em 2001 o país sul-americano, mergulhado em sucessivas crises político-sociais decidiu parar da pagar a avultada dívida pública deixou de ter um programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Foi considerado um Estado pária pelos mercados internacionais e só em finais de 2018, após longas e duras negociações com o FMI e após ter amortizado dívidas com vários dos credores a quem dera calote duas décadas, as portas dos mercados financeiros voltaram a abrir-se.
Sem acordo com credores Moçambique fica “em incumprimento” e crise perpetua-se
Para além dos cortes de apoio directo ao Orçamento do Estado por parte do Doadores internacionais, desde que o FMI suspendeu o seu programa financeiro com Moçambique em 2016, o Investimento Directo Estrangeiro reduziu significativamente desde 2013 tendo em 2017 atingido o seu nível mais baixo.
Ironicamente o empréstimo da EMATUM era o único que estava “legal” para o Fundo Monetário Internacional, só suspendeu o seu Programa quando descobriu as dívidas ilegais da Proindicus e MAM, e nesta segunda-feira (03) o Conselho de Administração da instituição financeira até aprovou o relatório da Missão de Consulta ao Abrigo do Artigo IV, que visitou o nosso país em Março passado, tendo no seu comunicado saudado o acordo de princípio que o Governo de Nyusi alcançou com os credores privados do empréstimo da Empresa Moçambicana de Atum.
Aliás embora os Parceiros de Cooperação tenha retirado o apoio financeiro ao nosso país nunca advogaram, assim como o FMI nunca o fez, que Moçambique não devesse pagar as dívidas ilegais da Proidincus, EMATUM e MAM.
O @Verdade apurou que os países doadores de Moçambique na verdade pretendem que as dívidas sejam pagas pois os titulares delas são importantes instituições e homens de negócios na sua terra natal, sem esquecer que o banco onde os empréstimos foram urdidos é da Suíça e a sua sede é no Reino Unido ou que o fornecedor dos barcos sobrefacturados está localizado na França.
É expectável nos próximos dias uma reacção dos titulares do empréstimo da EMATUM, que desde 2015 o Governo de Filipe Nyusi transformou Títulos de dívida soberana identificados como “Notas de Moçambique de USD 726.524.000,00”, que poderá seguir o mesmo caminho dos titulares da dívida da Proindicus que moveram a acção que corre no United States District Court for Eastern District of New York.
A dúvida é se terá a Procuradoria-Geral da República capacidade para defender o Estado moçambicano nesses contenciosos pois a acção cível que Beatriz Buchili disse na Assembleia da República ter intentado no The High Court of Justice, Business and Properity Court´s os England and Wales, Commercial Court, “contra os bancos, empresas e gestores intervenientes na contratação dos empréstimos” não passa de um formulário de intenções que precisam de ser materializadas até ao fim deste mês.
O drama para os moçambicanos é que enquanto esses litígios decorrerem as agências de notação financeira deverão manter Moçambique “em incumprimento” (default) podendo arrastar a crise económica e financeira que vivemos desde 2016 por tempo indefinido.
Fonte: Jornal A Verdade, Moçambique
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