Cerca de cem imigrantes juntaram-se hoje em Lisboa para denunciar que estão a ser "tratados como lixo" e alertar para a injustiça da atribuição de autorizações de residência no sistema de senhas online.
"Estamos cansados desta situação, o maior motivo da manifestação é o desespero, obrigam-nos a estar 24 horas no sistema à procura de uma vaga, e nós somos trabalhadores, não somos bandidos, pagamos impostos, e o Governo tem de ver isso", disse à Lusa a organizadora da manifestação, Juliete Cristina.
Para esta brasileira que está em Portugal desde 2019 sem conseguir uma autorização de residência, o sistema de atribuição de senhas através de uma plataforma informática do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) fomenta as ilegalidades e a extorsão.
"Há pessoas que conseguem por sorte, outras é pagando, uma advogada tentou cobrar-me 300 euros [por uma vaga para atendimento pelo SEF], e uma pessoa num momento de desespero, depois de estar cá três ou quatro anos, acaba por pagar, mas eu não pago, porque isso é injusto", disse a imigrante em declarações à Lusa no Terreiro do Paço, em Lisboa.
Os imigrantes hoje concentrados em Lisboa defendem que a atribuição de autorização de residência seja feita por ordem cronológica e que o processo seja automatizado a partir do momento em que o SEF dá 'luz verde' à receção dos documentos, que são entregues de forma digital, defendendo que "não há razão para ficar nesta agonia" depois da aprovação dos documentos.
Colocamos o documento no portal online, esperamos até 90 dias para o SEF aprovar o documento, que é o prazo legal, mas demora oito meses a um ano para aprovação, e depois ainda há outra plataforma para agendar, e o que pedimos é que seja por ordem cronológica", explicou Juliete Cristina.
"Quem chega agora não tem emprego, tem tempo para estar sempre a ver o telemóvel, e consegue uma vaga, e eu que estou cá há dois anos a pagar impostos e a contribuir para a Segurança Social, não consigo, isto é injusto", apontou.
Para a organizadora da manifestação, esta situação equivale a uma prisão e a uma retirada de direitos como viajar, comprar um carro ou até encontrar um emprego.
"Não temos o direito de ir para outro país, nem viver, estamos presos neste país. Eu não posso viajar pela União Europeia porque não tenho residência, estamos amarrados, não é só os brasileiros ou os africanos, é toda a gente, isto está a acontecer a todos os imigrantes, somos tratados como lixo", lamentou.
A Associação Solidariedade Imigrante denunciou recentemente à Lusa que há “autênticas máfias” a vender aos imigrantes agendamentos no SEF por centenas de euros.
“As máfias organizadas e escritórios de advogados levam os agendamentos todos. Quando abrem agendamentos duram 15 minutos na plataforma do SEF”, sustentou o presidente da associação, dando conta que os imigrantes estão “a ser explorados” ao ser-lhes cobradas “centenas de euros por um agendamento”.
O ministro da Administração Interna reconheceu, no início de junho no parlamento, que há uma “apropriação ilegitima” dos agendamentos digitais no SEF destinados aos imigrantes, avançando que este sistema está neste momento em revisão.
Eduardo Cabrita sublinhou que investigações internas e do Ministério Público não apuraram responsabilidade criminal, mas identificaram “praticas erróneas sobretudo de alguns escritórios de advogado que no fundo monopolizavam as aberturas de agendamento digital”, tendo sido “estabelecidos limites para o número de agendamentos feitos”.
O Bloco de Esquerda tem denunciado que há imigrantes que demoram mais de dois anos para conseguir um agendamento no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, bem como as dificuldades em aceder à plataforma SAPA.
Em junho, o SEF avançou à Lusa que as vagas para atendimento aos imigrantes que têm processos pendentes naquele serviço estão “totalmente preenchidas até 30 de outubro” e não existe previsão de abertura de novas vagas.
Dados divulgados nessa altura indicavam também que 223.000 estrangeiros com processos pendentes no SEF têm temporariamente a situação regularizada em Portugal devido à pandemia de covid-19, abrangidos por um despacho de 30 de abril que permite que possam obter o número de utente, acesso ao Serviço Nacional de Saúde, a prestações sociais de apoio e celebração de contratos de arrendamento e de trabalho, bem como abertura de contas bancárias e contratação de serviços públicos essenciais.
Lusa
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