Há
170 milhões de anos, no Jurássico médio, a região da Serra
d’Aire, onde hoje se situa a importante (e em lamentável
degradação) jazida com pegadas de dinossáurios da Pedreira do
Galinha, era mar. Um mar recifal, azul celeste, muito pouco profundo
(escassos metros), de águas mornas e transparentes, como o das
Caraíbas, repleto de vida e cor, onde as praias alvejavam de areia
fina e branca como a neve.
A
temperatura e a humidade do ar eram as das regiões tropicais dos
dias de hoje, permitindo uma vegetação luxuriante nas florestas, ao
longo dos rios e nos litorais alagadiços.
Nestas
florestas, os dinossáurios dominavam e fruíam do alimento
necessário. No mar, os moluscos, os corais, as algas e muitos outros
organismos absorviam o dióxido de carbono do ar e o cálcio
dissolvidos na água, para, com eles, edificarem as suas conchas e
carapaças de natureza calcária.
Por
exemplo, nos moluscos forma-se, de início, aragonite (carbonato de
cálcio instável), associada a conchiolina (uma proteína). Após a
morte do animal, este carbonato transforma-se no seu polimorfo mais
estável, a calcite.
Após
a morte destes construtores de carbonato de cálcio, estas partes
esqueléticas eram trituradas pela agitação das águas e pela
predação levada a efeito por alguns animais, transformando-se em
areias e em lamas muito finas.
Ao
acumular-se e endurecer, estes sedimentos deram origem às camadas de
calcário (como as que se podem ver na auto-estrada A1, na travessia
da Serra d’Aire) que guarda, na sua composição, o dióxido de
carbono do ar desse tempo. Se, na laje que conserva as pegadas, na
referida jazida, atacarmos o calcário com um ácido, produz-se um
borbulhar que não é mais do que a libertação desse gás nele
aprisionado e, assim, ao inalá-lo, estamos a respirar parte do ar
que os grandes saurópodes aqui respiraram há 170 milhões de anos.
Este
raciocínio é válido para, praticamente, todas as ocorrências de
calcário sedimentares das sucessivas épocas geológicas. Isto,
porque esta rocha sedimentar sempre se formou, ao longo do tempo da
Terra, pelo aprisionamento do dióxido de carbono do ar pelos
organismos vivos subaquáticos (marinhos, lacustres, fluviais ou
outros), no sentido de construírem as respectivas partes
esqueléticas.
Assim,
ao provocar efervescência sobre o calcário do chão que pisa,
qualquer um, em qualquer parte do mundo, pode inalar parte do ar do
tempo em que se formou a respectiva rocha. Por exemplo, um lisboeta,
morador na Rua Sampaio Bruno, onde aflora o que resta da paisagem
natural desta zona da cidade, pode libertar o dióxido de carbono
aprisionado no carbonato de cálcio dos fósseis de briozoários
conservados naquele fundo marinho recifal de há cerca de 23 milhões
de anos, mas se proceder, de modo idêntico, no Vale de Alcântara,
liberta um gás mais antigo, com cerca de 95 milhões. Em Peniche ou
em Coimbra, nos calcários do Liásico (Jurássico inferior), ainda a
título de exemplo, podemos recuar aos 200 milhões de anos.
A.M.
Galopim de Carvalho
(Geólogo)
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