A cultura dos sistemas de saúde, predominante nos nossos tempos, tem respondido de forma permanente e em primeira linha à doença (num grande esforço financeiro, de recursos e de formação), deixando a saúde num lugar secundário e de muito menor investimento. Este não é o caminho certo.
José Carlos Rodrigues Gomes
Enfermeiro; Doutor em saúde
pública
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No mundo globalizado onde vivemos, em que o que se passa em Bruxelas, em Atenas, em Berlim, ou em Pequim, afeta fortemente o nosso quotidiano, devemos procurar olhar para a saúde reconhecendo novos problemas e necessidades das comunidades e dos indivíduos.
Problemas como o envelhecimento da população, o aumento exponencial das doenças crónicas e os quase 30 % de Europeus que se confrontam, neste momento, com um distúrbio mental e do comportamento. Ou ainda, a crescente urbanização da população e os desafios de uma organização económica competitiva e esta crise socioeconómica que afeta o espaço europeu, e muito em particular, Portugal.
Estas realidades têm um impacto significativo nas organizações de saúde, onde os enfermeiros têm um papel central e insubstituível. Podemos dispor de todas as últimas tecnologias e terapêuticas disponíveis - mesmo as que não trazem valor acrescido á população -, os extintores á altura certa para garantir a acreditação da instituição, mas sem os enfermeiros, sem estas pessoas que têm corpo e que têm alma, devidamente motivados e envolvidos, devidamente reconhecidos, nunca teremos os serviços de saúde que precisamos e que ambicionamos.
O futuro trará, necessariamente, o foco na prestação de cuidados de saúde nos domicílios e nas comunidades prevenindo internamentos desnecessários e demasiado onerosos para o erário público. Este desafio exige enfermeiros em número adequado e com os conhecimentos, as competências, a confiança, a liberdade, e o reconhecimento necessários para trabalharem sozinhos e assumirem uma função proactiva na adaptação da prestação de cuidados de saúde às necessidades das pessoas, das famílias e das comunidades. Trata-se, tão só, de garantir a qualidade dos cuidados de saúde prestados à pessoa e às comunidades.
A necessidade de recentrar o cidadão no sistema, incluir no sistema de saúde uma vertente salutogénica que promova a capacitação do cidadão e das comunidades e que não desperdice inúmeros recursos para a resposta a vontades que não ultrapassam o enquadramento corporativo, são um dos maiores desafios que enfrentamos enquanto portugueses. O desenvolvimento de novos indicadores de saúde, centrados nos ganhos em saúde e não no ato; centrados no cidadão; baseados nos ganhos para a comunidade e não para a instituição ou interesse corporativo; direcionado para a promoção da saúde e não apenas para uma resposta reativa á doença, é igualmente um desiderato a que não podemos ser alheios.
Nesta resposta interessa que a comunidade possa usufruir das imensas competências dos enfermeiros, frequentemente menosprezadas pelo poder político e pelas administrações das instituições de saúde, vistas, nalguns casos - de forma preconceituosa e redutora - como uma despesa e não como um investimento. Portugal, enquanto país e economia que quer e precisa de crescer, não se pode dar ao luxo de desperdiçar um corpo de conhecimentos na sua estrutura de enfermagem de elevadíssima qualidade, com muitas e variadas competências – de cuidados gerais, especializadas e acrescidas - que são, indubitavelmente, um importante contributo para a melhoria do nível de saúde das populações, se houver ousadia para as utilizar.
Desde a gestão política e estratégica ao cuidado prestado no domicílio em qualquer aldeia mais isolada, o país tem o direito, e o dever, de colocar ao dispor da população as competências dos enfermeiros e de garantir o contributo que estes sabem dar para o sistema de saúde. Desta forma, estará a trabalhar com as pessoas, e não para as pessoas, na construção da saúde de todos e de cada um, num reforço e no respeito do maior sucesso português do pós 25 de abril: o Serviço Nacional de Saúde.
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