O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) deferiu o pedido do juiz José Carreto para ser dispensado de intervir como relator nos recursos do processo Face Oculta, por recear uma eventual desconfiança sobre a sua imparcialidade.
No acórdão a que a Lusa teve acesso, o juiz desembargador do Tribunal da Relação do Porto (TRP) considera que “existem relações de proximidade e de contacto com o arguido Armando Vara que, aos olhos do povo, tornam a atuação do requerente, no processo, suspeita de parcialidade”.
Em causa está o facto de o requerente residir desde 1990 no concelho de Vinhais, a terra natal de Armando Vara e onde o antigo ministro do PS tem também a sua residência.
Apesar de não haver relações de amizade, o desembargador teme que se por qualquer razão a decisão vier a ser favorável não será possível “livrar-se do estigma de que tal ocorreu por serem da mesma terra”.
“Ninguém deixará de pensar, tendo em conta o tempo que vivemos e os tempos conturbados relativos às relações entre a magistratura e a política, que essa relação de proximidade e de contacto influenciará o desfecho final do processo, que assim não seria fruto de uma atuação imparcial”, assinala o desembargador.
O acórdão refere ainda que, tal como Armando Vara, o juiz é membro da Confraria do Porco Bísaro e do Fumeiro de Vinhais, que congrega personalidades do mundo político-partidário, como deputados e autarcas, do setor económico, magistrados judiciais e do Ministério Público, que se encontram, cumprimentam-se e convivem no âmbito das reuniões da Confraria duas vezes por ano.
Perante estes factos, os juízes do STJ decidiram deferir o pedido de escusa, concluindo que “é de admitir a suscetibilidade, do ponto de vista do cidadão médio da comunidade onde se insere o julgador, face à motivação apresentada, de ocorrer desconfiança sobre a imparcialidade do ora requerente”.
Os recursos de 33 arguidos do processo Face Oculta, que deram entrada no TRP no passado mês de junho, quase dez meses depois da leitura do acórdão, deverão assim ser redistribuídos a outro desembargador daquele tribunal.
Dos 34 arguidos individuais envolvidos, Namércio Cunha, que teve a condenação mais leve, foi o único que não recorreu do acórdão final, optando assim por cumprir a pena de um ano e meio de prisão, suspensa na sua execução, a que foi condenado por um crime de associação criminosa e outro de corrupção.
O processo Face Oculta, que começou a ser julgado há mais de três anos, está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho, nos negócios com empresas do setor empresarial do Estado e privadas.
Entre os arguidos estão personalidades como Armando Vara, antigo ministro e ex-administrador do BCP, José Penedos, ex-presidente da Redes Energéticas Nacionais (REN), e o seu filho Paulo Penedos.
Todos os arguidos foram condenados a penas de prisão, mas a grande maioria beneficiou de penas suspensas, condicionadas ao pagamento de quantias entre os três e os 25 mil euros a instituições de solidariedade social.
Armando Vara foi condenado a uma pena única de cinco anos de prisão efetiva, em cúmulo jurídico, por três crimes de tráfico de influência de que estava acusado.
A mesma pena foi aplicada a José Penedos, que foi condenado por dois crimes de corrupção e um crime de participação económica em negócio, enquanto o seu filho foi condenado a quatro anos de prisão efetiva, por um crime de tráfico de influência.
A pena mais gravosa – 17 anos e meio de prisão – foi aplicada a Manuel Godinho, que foi condenado por 49 crimes de associação criminosa, corrupção, tráfico de influência, furto qualificado, burla, falsificação e perturbação de arrematação pública, resultando em 87 anos e 10 meses a soma das penas parcelares.
/Lusa
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