quarta-feira, 16 de março de 2016

Macroscópio – O problema que se devia realmente estar a discutir

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Vivemos hoje um dia sobressaltado por mais dois episódios de terrorismo na Europa: a explosão de uma bomba em Berlim e uma batalha campal em Bruxelas. Seria talvez boa oportunidade para regressar a uma realidade com a qual, está visto, estamos a ser forçados a viver (sendo que domingo houve um atentado em Ankara que matou 37 pessoas e mais 16 mortos num tiroteio numa estância da Costa do Marfim). Mas hoje vou antes repescar alguns textos dos últimos dias que ajudam a pensar sobre um outro problema que, na opinião de muitos, era o que devia estar realmente a discutir: porque é que se fala tanto de crescimento económico e há tão pouco crescimento económico?

O ponto de partida é, assim, um texto de Nuno Palma, um economista português especializado em História Económica e professor na Universidade de Groningen (Holanda). Num texto que enviou para o Observador – Qual deveria ser o debate? – ele foi muito claro: “Na última década e meia as coisas não têm corrido bem. Portugal não cresce, e isso quer dizer que, em termos relativos, está a perder terreno em relação a grande parte do mundo, que se encontra, geralmente, num processo de crescimento. Não podemos sair desta situação sem um debate sério sobre algumas questões importantes: a) quais foram as causas do sucesso português entre 1950 e 2000, b) quais são as causas da paragem da economia desde então, e finalmente c) o que podemos fazer para mudar a situação no sentido de a melhorar. Chamo a atenção para a absoluta necessidade de não cairmos na tentação de darmos respostas simplistas, do tipo “a culpa é dos políticos”, porque não são de todo satisfatórias.”

Qualquer pessoa que siga os números da economia portuguesa, e não as discussões sobre a austeridade, sabe bem que o nosso problema de crescimento não começou com a crise, antes antecedeu e conduziu à própria crise. Acontece contudo que, nos últimos anos, a falta de crescimento da economia deixou de ser um problema especificamente português (e, na Europa, italiano, o país que nos acompanhou no “carro vassoura”), antes um problema das economias desenvolvidas. Ainda ontem, José M. Brandão de Brito escrevia no Jornal de Negócios sobre Os problemas de curto e de longo prazo da economia dos EUA e que também são, está bem de ver, os de crescimento. O tema tratado nessa pequena nota era o da falta de crescimento da produtividade, o que levava o autor a interrogar-se sobre “como explicar o declínio estrutural da produtividade na era da internet, da robotização e da biotecnologia?” Na opinião do autor isso só acontece devido à “política monetária, que desde a bolha dot-com se tornou ultra-expansionista, fomentando o aumento exponencial da liquidez, a qual gera um poder aquisitivo “vindo do nada” que concorre com o que é gerado pela remuneração das actividades produtivas. Esta situação provoca um excesso de procura que só pode ser satisfeita através do consumo de capital, isto é, por uma insuficiência crónica de investimento por contrapartida de níveis excessivos de consumo público e privado”.

 Depois dos Estados Unidos terem alimentado durante longos anos essa política monetária ultra-expansionista, agora está a ser a Europa a fazê-lo, e não falta quem elogie Mario Draghi e o Banco Central Europeu por terem, a semana passada, alargado ainda mais a sua política de estímulos. Claro que há vozes críticas – nomeadamente as de quem alerta para os sinais errados que juros artificialmente baixos podem enviar a países como Portugal, como faz hoje Camilo Lourenço, no Jornal de Negócios, em O mau serviço do BCE a Portugal – mas mais do que discutir esse novo pacote de medidas importa-nos hoje olhar para a questão mais estrutural da dificuldade em relançar o crescimento das economias desenvolvidas.

Devo confessar que esta opção também foi influenciada por ter encontrado um interessante conjunto de três textos, publicados na revista britânica Prospect, onde se debate exactamente este problema. Deixem-me introduzi-lhos brevemente:
  • Will our children really not know economic growth?, um texto de Lawrence Summers onde este faz a recensão deThe Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War, de Robert J. Gordon, um livro onde se relembra o crescimento da economia americana no último século e meio e se anunciam dias mais sombrios no futuro. Summers, que foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos com Bill Clinton, não é tão pessimista: “I find Gordon persuasive in his claim that the slowdown in productivity growth is not a figment of mis-measurement, the fact that measured median incomes will be stagnant does not mean that most people will not see rising standards of living over time. Incomes rise as people get further into their careers. And quality improvements and new products are improving life in ways that do not show up in economic statistics, though possibly less so than in the past. So it would be a mistake to regard our children as condemned to economic stasis even before considering Gordon’s various ideas for accelerating growth.”
  • The end of economic growth é precisamente um extracto do livro de Robert J. Gordon onde se defende que “The extraordinary technological innovations of the past century are unlikely to be repeated”. Consideremos alguns dos seus argumentos: “Knowing what we do about the past, what can we extrapolate to the future? We cannot predict every new invention; indeed, even for those on the horizon, such as driverless cars and legions of small robots, their likely effect and importance is a matter for debate. But there is much that we can predict. For instance, the baby boom generation is currently aged between 50 and 68, so we can predict with reasonable accuracy the effect of its members’ retirement within a percentage point or two, depending on how long many of them choose to work. If American high school students regularly rank poorly in international tests of reading, maths, and science, then a sudden spike in scores is improbable. If the stock market continues to advance, we know that inequality will increase, for capital gains on equities accrue disproportionately to the top income brackets.”
  • Relax, economic pessimists: the sky will not fall, de Deirdre McCloskey, é um texto que responde aos anteriores e, ao contrário destes, respira optimismo por todos os poros: “Average real income per person in the world is rising, and this has every prospect of continuing. The result will be a gigantic increase in the number of scientists, designers, writers, musicians, engineers, entrepreneurs and ordinary businesspeople devising improvements which spill over to the now rich countries allegedly lacking in dynamism, or facing headwinds. Unless one believes in mercantilism or the business-school fashion that a country must “compete” to prosper from world betterment, even the leaky boats of the Phelpsian or Gordonesque “undynamic countries” will rise. In short, no limit to fast world or US or European growth of per-person income is close at hand, no threat to jobs, no cause for pessimism—not in your lifetime, or even that of your great-grandchildren. Then, in the year 2100, with everyone on the planet enormously rich by historical standards, and hundreds of times more scientists and entrepreneurs working on improvements in solar power and methane burning, we can reconsider the limits to growth, and the falling sky.”

Esta conversa é, julgo, especialmente interessante, e por vezes gostaríamos de saber o que grandes economistas do passado pensariam sobre as realidades de hoje. Quando pensamos nisso, pensamos quase invariavelmente em John Maynard Keynes e no seu contributo para entendermos a macroeconomia e as dinâmicas que geram crescimento económico. Claro que nunca saberemos como o economista que gostava de dizer que mudava de ideias (e de soluções) quando a realidade mudava pensaria hoje numa realidade tão diferente daquela que conheceu, mas mesmo assim há quem arrisque, como um dos seus mais conhecidos biógrafos, Robert Skidelsky, que no Project Syndicate escreve sobre Keynes’s General Theory at 80. É um texto interessante de um keynesiano apaixonado mas que mesmo assim reconhece que nem tudo o que grande economista prescreveu é hoje aplicável. Por exemplo: “To be sure, Keynesian measures halted the global economy’s downward slide [after 2008]. But they also saddled governments with large deficits, which soon came to be viewed as an obstacle to recovery – the opposite of what Keynes taught. With unemployment still high, governments returned to pre-Keynesian orthodoxy, cutting spending to reduce their deficits – and undercutting economic recovery in the process.”

A discussão vai continuar. Quase 170 anos depois dos dois senhores que ilustram este Macroscópio terem escrito que “um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”, assumindo que o capitalismo nunca geraria riqueza suficiente para promover o bem estar de todos, esse mesmo capitalismo não só sobreviveu a essa sentença de morte como a muitas outras que ao longo das décadas lhe foram vaticinando. Não por os economistas estarem sempre de acordo e ainda menos por saberem prever o futuro – mas porque sempre se reinventou. A questão é, mais uma vez, se voltará a consegui-lo.

Quanto a nós, neste cantinho, bem podíamos recentrar a nossa discussão sobre o que, de facto, nos tem impedido de crescer. Talvez começando por tentar responder à seguinte pergunta: na primeira metade da década e meia que levamos desde a viragem do século não houve limites ao consumo, e não houve crescimento; sendo assim, porque achamos que com mais consumo o consumo que não tivemos vai regressar miraculosamente?

E por hoje são desafios suficientes. Tenham bom descanso.

 
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